Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Foi no dia de Natal. Nos seus proverbiais 105 anos, partiu Dona Canô. Lembramo-nos bem desse dia em que fomos até Santo Amaro da Purificação, numa das nossas épicas viagens dos Portugueses ao Encontro da Sua História. Passámos-lhe à porta, e nunca mais esquecemos a invocação sentida que aí fizemos de um verdadeiro símbolo do Brasil eterno. Dona Canô era um esteio fundamental. Mais do que a Mãe de Maria Betânia e de Caetano Veloso, era uma voz sempre presente, representante dos confins da terra bahiana. E quando ouvimos Maria Betânia e Caetano, sentimos que as palavras vêm da alma mais funda do Brasil brasileiro. «Quando o meu mundo era mais mundo / E todo o mundo admitia / Uma mudança muito estranha / Mais pureza, mais carinho, mais calma, mais alegria / No meu jeito de me dar» - diria Caetano. D. Claudionor Vianna Teles Velloso tinha várias vozes – as tradições, a língua, os costumes. D. Canô transmitiu à sua prole um romanceiro, que hoje aprendemos de cor, através da letra e da música de seus filhos… «Eu preciso de você / Porque tudo o que eu pensei / Que pudesse desfrutar da vida / Sem você não sei». Maria Betânia não nos permite que a esqueçamos!
com quantos véus se descobre o mundo? E para te dizer António, que ainda não sei.
Rosa, meu amor:
Há três semanas que te foste embora e a tua ausência deixou-me um buraco grande por dentro, pois parece que me tiraram tudo o que me fazia vibrar com a vida e, por isso, ando por aqui perdido sem saber qual é o caminho que dá para o dia de amanhã. Eu não desisto de tentar compreender os porquês de tudo. Sinto é que ficou uma grande conversa suspensa, um lugar onde estou a temer entrar com medo de te magoar.
Acho que tens duas pessoas dentro de ti. Uma é uma menina querida, que nasceu em Santo Antão, que olhou e começou a caminhar num mundo sem pesos, que tomava banho no mar e subia aos montes com os seus amigos, ria com eles no tempo em que o riso, mais do que as palavras, era símbolo da ligação que tínhamos com os outros. Tu nem podes imaginar como eu gosto dessa menina. Eu hoje sei que, por causa dela, conheci o que era o grande enamoramento com a vida, que por causa dela andei maravilhado com o mundo: com o sol e a chuva, com o vento, o frio e o calor e tudo o que faz da vida um lugar de variedade e surpresa.
(…) – não te esqueças: o afecto é só o calor do nosso destino solitário (…) eu acho que Deus tem um sorriso como o teu.
Depois, ainda com o mesmo sorriso, levantou a roupa da cama, deitou-se e disse-me:
- Vá. Vem para a nossa Arca de Noé…
“ O RISO DE DEUS” – romance de António Alçada Baptista.