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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

RITA LEVI-MONTALCINI

 

Como recordou Federico Mayor, Rita Levi-Montalcini deu às suas memórias o título de "Elogio da Imperfeição", aí analisa as razões que a levaram a um caminho de cidadã e de cientista, perseguida politicamente, tendo enfrentado as maiores dificuldades, assumindo-se sempre mulher "livre e responsável", exatamente como a UNESCO define as pessoas educadas. Nunca baixou os braços, desenvolvendo ações em diversos domínios, mas com especial qualidade e exigência na medicina e nas neurociências. Desde 1947 a 1969 esteve nos Estados Unidos, onde compartilhou com o Professor Stanley Cohen a investigação que permitiria a descoberta do fator do crescimento neuronal. No entanto, costumava dizer que os seus únicos méritos foram a perseverança e o otimismo. Por isso, tendo vivido até aos 103 anos nunca se jubilou. E com muita ironia, mas certeza científica, dizia: "a pele e o corpo ganham rugas, mas o cérebro não. Só a inatividade, o desencanto e a desmotivação enrugam o cérebro". Rita Levi acreditou profundamente na renovação das gerações e no apoio aos jovens. Numa fórmula cheia de sensibilidade, Federico Mayor no texto hoje publicado salienta os seus contributos para a ciência e para a cultura cívica. "Fez-se invisível, mas não se ausentou. A sua estrela continuará a iluminar os caminhos de amanhã!".

Guilherme d'Oliveira Martins


Morreu Rita Levi-Montalcini, a grande dama da ciência italiana
(ler mais...)

LIVROS 2012

Como habitualmente e seguindo ordem arbitrária, sugerimos os seguintes livros do ano 2012.
O romance de Tolstoi é escolhido pela apresentação do filme de Joe Wright e o volume organizado por Umberto Eco saiu nos últimos dias de 2011...


1. "Anna Karénina"
Lev Tolstoi, tradução António Pescada, Relógio d'Água.


2. "A Civilização do Espetáculo"
Mário Vargas Llosa, Quetzal.


3. "Idade Média - Bárbaros, Cristãos e Muçulmanos"
Umberto Eco (org.), D. Quixote.


4. "O Feitiço da Índia"
Miguel Real, D. Quixote.


5. "Breviário do Brasil"
Agustina Bessa-Luís, Guimarães Editores - Babel.


6. "Os Transparentes"
Ondjaki, Caminho.


7. "Acta est Fabula, I, Lourenço Marques (1930-1947)"
Eugénio Lisboa, Opera Omnia.


8. "Ernesto Melo Antunes - Uma Biografia Política"
Maria Inácia Rezola, Âncora.


9. "Fernando Pessoa - O Poeta e os Seus Fantasmas"
Carlos Queirós, Ática - Babel.


10. "Estação Central"
José Tolentino Mendonça, Assírio e Alvim.


Bons livros! Boas leituras!


Centro Nacional de Cultura

A VIDA DOS LIVROS


de 31 de Dezembro de 2012 a 6 de Janeiro de 2013

Óscar Niemeyer disse um dia: «não é o ângulo reto que me atrai, nem a linha reta dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual, a curva que encontro nas montanhas do meu país, no curso sinuoso dos seus rios, nas ondas do mar, no corpo da mulher preferida. De curvas é feito todo o universo, o universo curvo de Einstein». Disse-o nas suas memórias, «As Curvas do Tempo» (Revan, 1998), um fascinante percurso autobiográfico, no qual encontramos as raízes da inspiração do artífice de Brasília e os elos entre a modernidade e o barroco original brasileiro.


ENTENDER A ORIGINALIDADE DE NIEMEYER
A imersão em Minas Gerais levou-nos a compreender a originalidade de Óscar Niemeyer, que agora nos deixou, e a dizer que o barroco une o Brasil de ontem ao Brasil de sempre, e continua no domínio da curvatura, marca do génio de Niemeyer, da «liberdade plástica e da invenção arquitetural». Regressemos ao Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas, iniciativa de um português abastado, Feliciano Mendes, que fez uma promessa para a cura de uma enfermidade. Livre da doença, em 1757, começou a erguer a basílica. A invenção está na arte do Aleijadinho, António Francisco Lisboa. No dia em que lá estivemos, havia multidão, altifalantes e mercancias, que impediram um gozo completo da originalidade. Em torno do santuário, os Passos da Paixão dominam. São sete cenas com um total de 64 figuras esculpidas em cedro pelo artista e seus discípulos. São, porém, os doze profetas representados em pedra-sabão no adro do templo que concitam as atenções, pela sua força e pelo carisma (usemos a palavra sem receios). Amos, Abdias, Isaías, Jeremias, Habacuc e Naum; entre a escadaria Baruc e Ezequiel; e na amurada: Jonas, Daniel, Oseías e Joel. «Estamos, diz-nos Nemésio (com cuja palavra contámos nesta peregrinação inesquecível), em presença de uma autêntica escultura sinfónica, gesticular e polimórfica, que procura vencer a sábia variedade de atributos pela conceção atrevida e móbil do gesto, que vai da imprecação à perplexidade através da concentração e do êxtase, e que, dos bucres de cabeço aos esguichos do golfinho de Jonas feitos alamaras da indumentária assume na estase de Daniel um dos melhores conseguimentos da imaginária barroca». Vistos de longe, como o escritor verificou, os Profetas do adro de Congonhas ganham um estranho aspeto de conciliábulo, que ultrapassa em intensidade a observação pormenorizada das figuras. É, de facto, um verdadeiro «ballet» do Aleijadinho que presenciamos, num exemplo singular que dá a este barroco um sentido de intemporalidade. E o mais curioso é ver como é a marca do mestre que se nota como elemento unificador, uma vez que as diferenças não deixam despercebido o gesto comum.

O VELHO ARRAIAL DA PONTA DO MORRO
«Serranias ermas e fausto no povoado». V. Nemésio marca desse modo a identidade das cidades mineiras. Sentimo-lo, de novo, em Tiradentes, nascida em 1702, a partir do Arraial da Ponta do Morro, que em 1718 passou a chamar-se Vila de S. José d’El-Rei, em homenagem ao Príncipe D. José – adquirindo a atual designação depois do fim do Império e da proclamação da República. Hoje é uma atração turística, com o seu centro preservado. Muitas das antigas casas acomodam agradáveis pousadas, restaurantes de comida mineira e lojas de artesanato. Poderíamos dizer que depois de tudo o que vimos desde Diamantina, haverá já poucas surpresas. Puro engano! Não nos surpreende talvez o Chafariz de S. José de Botas, até a Igreja da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, mas sim a extraordinária Matriz de Santo António, construída entre 1710 e 1750, uma das igrejas mais belas do barroco mineiro. O altar-mor singulariza-se por um paradoxal equilíbrio e pela teatralidade barroca, que nos prende e atrai. Colunas torsas, atlantes, anjos, cornucópias, volutas, conchas e folhas. Será por certo das mais requintadas igrejas do original barroco mineiro. O entalhador João Ferreira de Sampaio exprime aqui o seu enorme talento, percebendo-se que conhecia bem a arte italiana e admirava Bernini. O altar-mor domina pelos elementos e singularidade, a imagem da Virgem da Conceição do lado do Evangelho é extremamente bela. As representações da última ceia e das bodas de Caná não passam despercebidas, esta é, aliás, o testemunho de uma festa setecentista. Na igreja da confraria de Nossa Senhora do Rosário, a talha dourada domina o altar-mor, com retábulos laterais representando os padroeiros da comunidade negra – S. Benedito e S. António de Cartagerona.

MÚSICA EM S. JOÃO D’EL-REI
Compreendemos bem as invocações de Nemésio sobre o modo como retemperava forças nestas paragens. A feijoada mineira e os acepipes enchem-nos a alma. Depois, seguiu-se a visita ao Museu de Liturgia, recém-inaugurado, muito pedagógico e com moderno rigor museológico. O movimento da cidade é intenso, motivado pelo fim de semana alargado. No dia seguinte, em S. João d’el Rei, domingo, na Igreja de S. Francisco, a irmandade da Ordem Terceira saúda-nos com inexcedível simpatia. Anna Maria Parsons vem ao nosso encontro. O coro e a orquestra que acompanham a cerimónia litúrgica são de primeiríssima qualidade. A cidade tem uma antiga tradição, de mais de um século na música clássica, coral e sinfónica, que António Pinto da França já nos tinha justamente enaltecido. Ao ouvirmos o Kirie, o Hossana e o Glória, somos transportados à espiritualidade suprema, com autores mineiros celebrados. É um trabalho continuado que foi reforçado, nos últimos anos, pela formação de dotadíssimos cantores e instrumentistas. De novo encontramos António Francisco Lisboa, e vemos que aqui o diminutivo é considerado pejorativo. A professora Parsons chama-nos a especial atenção para as imagens dos altares laterais representando S. João Evangelista e S. Gonçalo de Amarante. Aqui está o mestre de Congonhas em todo o seu esplendor, ficando demonstrada a sua elevadíssima formação e grande conhecimento. Foi aluno da escola franciscana do Hospício da Misericórdia, tendo aprendido grego, latim e história, tomando contacto com a melhor arte europeia. E o barroco transfigura-se. Há em S. João Evangelista algo que encontramos no Profeta Daniel de Congonhas. A teatralidade, o movimento, o domínio da curvatura, a compreensão do corpo. Seguimos pelas ruas de S. João. Recordamos a memória do Presidente Tancredo Neves – e sentimos a esperança existente em torno de seu neto Aécio. Descobrimos o templo mais antigo da urbe, da confraria dos homens pretos (1719), continuamos em Nossa Senhora do Pilar, a matriz, com celebradas talhas douradas, e as referências continuam: Nossa Senhora das Mercês, Nossa Senhora do Carmo. Recordamos as gárgulas em forma de canhão, já encontradas em Ouro Preto. E fica-nos na retina a exuberância e ao mesmo tempo o equilíbrio da fachada de S. Francisco de Assis, desenhada por António Francisco Lisboa. As dúvidas desvanecem-se, tão nítida é a marca indelével do artista e da sua oficina. A cidade pequena está conservada pelo tempo… E terminamos o dia no Solar da Ponte em Tiradentes. A receção é esmerada e cuidadosa, com um chá às cinco em ponto, como mandam todas as regras. Anna Maria Parsons explica-nos com minúcia por que motivo é errado falar-se de uma decadência de Minas Gerais, entre 1730 e 1789, já que é o tempo do desenvolvimento da agricultura e da pecuária e de um novo impulso económico equilibrado e preparatório da fase pós-colonial. E Suelly de Campos Franco explica-nos como o Minho e Minas Gerais estão intimamente ligados pelas tradições religiosas.

Guilherme d’Oliveira Martins

LONDON LETTERS

A Christmas Carol, 1843

 

Charles John Huffam Dickens (1812-70) publica o seu “ghostly little book” em 1843 December. Após dois meses de escrita intensa, intitula-o longamente comoA Christmas Carol / In Prose / Being / A Ghost Story of Christmas / With Illustrations By John Leech. Le votre adorable cantique de Noël. O livrinho abre com o espetro do prestamista Jacob Marley: "Marley was dead, to begin with." Tal pesado facto ainda abisma nas linhas introdutórias: "Scrooge knew he was dead? Of course he did." A imaginação ética move o autor, chocado com a desmesura da pobreza observada em Manchester nas vésperas da Spring of Nations que já agita o continente. – Blessed Mr Dickens! Se o Old Will assumira que "Hamlet’s Father died before the play began,” já nova menção ao funeral reforça a evidência do finamento do homem: “There is no doubt that Marley was dead." Com morte, pois, arranca a mais vitoriana celebração da nascença de Jesus Christ nestas ilhas.

 

 

A firma “Scrooge & Marley” surge como cenário primeiro nesta incursão à natureza humana. O lugar é frio, tal a gélida recusa de Ebenezer Scrooge ali queimar algumas pedras de carvão. Glacial é também a sua negativa quanto a conceder a Christmas holy-day a Bob Cratchit, um dos muitos cuja família vive a condição miserável da working class. A semana inglesa ainda vem a caminho, a exemplo de políticas públicas similares para aliviar a aflição dos pobres. Surge agora a sombria figura daquela Christmas eve: "Scrooge! a squeezing, wrenching, grasping, scraping, clutching, covetous, old sinner! Hard and sharp as flint, from which no steel had ever struck out generous fire; secret, and self-contained, and solitary as an oyster. The cold within him froze his old features, nipped his pointed nose, shrivelled his cheek, stiffened his gait; made his eyes red, his thin lips blue; and spoke out shrewdly in his grating voice. A frosty rime was on his head, and on his eyebrows, and his wiry chin." E é a tal cruel old man que um fantasmático Marley anuncia três importantíssimas visitas: os espíritos do Christmas Past, Present e Yet to Come. O mais fica para ler na magia original.

 

 

Great things have happened in the Victorian times. Uma é a invenção do English Christmas, cujos ghosts tanto animam a família como assombram o vendilhão (& the turkey, regrettably). A visão pertence a Mr Dickens, um novelista para todas as épocas e a popular literary hero que foi também a social reformer. Por tudo, note-se, é uma instituição nacional ‒ always a good pretext for the preservation of his 19th-century home in London, now a historic house museum. O aka Boz rasga a vanity fair com os satíricos The Pickwick Papers e distingue-se com a defesa da dignidade nas aventuras de Oliver Twist (1837-8) e Nicholas Nickleby (1838-9). A acusação contra a injustiça e a crueldade prova efeitos sobretudo quando, em A Tale of Two Cities (1859), sugere que o engenho de Monsieur Guillotin não é a calamidade descrita por contemporâneos [como Mr Thomas Carlyle,] mas antes uma solução efetiva para a calamidade.

 

Quem cresce na Literary Britain sabe da força moral e do poder emocional contidos nos escritos dickensianos. O carácter colorido das personagens, a riqueza visual da envolvência, a harmonia ritmada das palavras, a fluidez da estória que seduz e depois fica connosco, tudo isso, sim, mais o térmico toque divino. O escritor inspiradamente revivifica uma milenar mensagem: to help the poor and the disenfranchised é dever do privilégio. Sem isso é outra coisa. Daí a amada presença do noble Gentleman em cada Natal. A happy eternity, dear Mr Dickens.

 

St James, 24th December                   

 

Merry Christmas for all,

 

V.