Ítalo Calvino:
os claros vestígios da leveza; a poesia do invisível, e que nos chega do poeta que bem conhece o carácter físico do mundo. A comunicação entre pessoas afastadas no espaço e no tempo, diz Galileu; mas acrescentemos a comunicação imediata que a escrita estabelece: a rapidez.
Em 1984 foi convidado Calvino pela Universidade de Harvard a realizar um ciclo de seis conferências. As conhecidas «Norton Lectures» couberam ao longo dos anos a T.S. Eliot, Borges, Stravinsky, Octavio Paz, entre outros e chegara enfim a vez de as proporem a um escritor italiano. E surgem os « Six memos for the next Millennium», definidos que estavam para ele alguns dos valores literários a preservar e por onde passa «Lightness e Quickness».
A reter que para a literatura italiana é característico considerar o termo «poetry» de entendimento que se prolongue à forma de comunicação literária, musical e que englobe as artes visuais. Assim, estas Lezioni americane, como pelos amigos de Ítalo chegaram a ser tratadas, nascem como válidas razões de peso, ao facto de Calvino considerar a leveza um valor e não um defeito, mesmo abarcando este amplo mundo da «poetry».
Então, cheio de impiedosa energia, explica o quanto o mundo que cada vez se torna mais pedra, como se ninguém pudesse escapar ao olhar tremendo de Medusa, lhe escapasse afinal a esse mesmo mundo, a existência de Perseu, que voa de sandálias aladas, apoiando-se no que há de mais leve, o vento e as nuvens, e corta a cabeça da Medusa sem se deixar petrificar.
Por aqui acode a Calvino que a mordaça de pedra que o tenta capturar também na literatura, caia, e diga, que afinal com os mitos e os segredos intuídos, não podemos ter pressas se os desejamos interpretar, e, se acaso quisermos que dessa interpretação resultem as parcelas da leveza da nossa liberdade.
Ninguém merece o castigo de se transformar estátua de si próprio como refere Calvino, mas, como poderemos ter esperança de nos salvarmos no que há de mais frágil, no que mais parece destinado a perecer?
Pois julgamos ser também por aqui que nesta sua primeira «Lição americana», Leveza, Ítalo Calvino chega à amarga constatação que o romance
A Insustentável leveza do Ser de Kundera, em rigor, é uma áspera constatação do Inelutável Peso do Viver, condição humana que, afinal, infinitamente não esquece os mais afortunados.
Talvez só escapem a esta condenação definitiva de variante peso-leveza a própria mobilidade da criatividade, dizemos nós. E diz Calvino
Mas a literatura não basta para me garantir que não ando só a perseguir sonhos, procuro na ciência alimento para as minhas visões em que se dissolve o peso…e é verdade que o software não poderia exercer os poderes da sua leveza senão por meio do hardware; mas é o software que comanda.
Lucrécio avisa-nos que pretende escrever o poema da matéria mas avisa-nos logo de que a verdadeira realidade desta matéria é feita de crepúsculos invisíveis.
Recordo Paul Valéry: «Il faut être léger comme l’oiseau, et non comme la plume».
Recordo igualmente que não resisti à tentação de colocar no meu livro “A Fúria do Tempo” que existem levezas que se criam na escrita e que pelas sugestivas palavras de Albert Camus nos dizem
O tempo não corre depressa quando o observamos. Talvez haja mesmo dois tempos, o que observamos e o que nos transforma.
E acrescento na linha seguinte:
Então deténs-te para escutar a distância (…) e tudo reside no tear que influi como quem lê intuições.
E como não saber que há e haverá sempre muito mais a dizer da leveza do que do peso? Como não saber que o poeta-filósofo que sobe por cima do peso do mundo, demonstra afinal o quanto a gravidade contém grávida o segredo da leveza?
Por aqui também chego à rapidez vista pela relação entre a velocidade física e a velocidade mental e pela função da literatura residir na comunicação do que é diferente pelo facto de ser diferente.
Então Ítalo Calvino na sua segunda Lição americana « Quickness»
Se a linha recta é a mais curta entre dois pontos fatais, as digressões fá-la-ão mais comprida (…) então quem sabe se a morte nunca mais nos apanhará, se o tempo se perderá, e se nós poderemos ficar ocultos em mutáveis esconderijos?
Deste modo a rapidez fora e dentro do labirinto é o único circuito casadoiro que a vida tem. Deste modo a leveza de Cyrano de Bergerac dá-nos o sentido do pouco que faltou para que o homem não fosse o homem.
Teresa Vieira