MONTAIGNE
Há derrotas triunfais que pedem meças às vitórias. Montaigne
Em 1533 nasce Michel de Montaigne no Castelo de Montaigne situado no sudeste da França, e por seu pai, haveria de ouvir falar de um dos mais opulentos mercadores de Bordéus, cuja fortuna provinha do comércio do vinho e também do pastel, planta utilizada na tinturaria de toda a espécie de panos e principalmente oriunda de Toulouse, de onde se fazia à Europa. Este mercador era Pierre, avô do pai de Montaigne e por quem surge a nobilitação da descendência e a grande baronia de Montravel.
Na verdade, o que se vem sabendo da infância de Montaigne será através dos seus próprios testemunhos vertidos nos Ensaios. Sabe-se que a sua educação é marcada pelas teorias pedagógicas humanistas e, como se não bastassem todos os cuidados de seu pai na esmerada cultura a ser assimilada por Montaigne, que, teria, naturalmente de dominar o latim, chegou mesmo a inventar para Montaigne um método novo de aprendizagem lúdica do grego, e que este sempre acordasse pelo som melodioso de algum instrumento para que o não perturbasse uma realidade causadora de sobressalto sem razão.
Leu Michelle de Montaigne, judiciosamente, as Metamorfoses de Ovídio sendo estas deixadas como que por esquecimento no seu quarto, bem como a Eneida de Virgílio, livros que lhe estimulariam o intelecto precoce que encontraria nestas surpresas-brinquedo, um fundamento de crescer num meio que lhe proporcionava caminhos extraordinários à sedução do pensar.
Em Paris no Collège des Lecteurs Royaux, onde frequentara as aulas de Adrien Turnèbe, humanista e filólogo francês também com o cargo de professor de belles-lettres na Universidade de Toulouse e leitor real de Literatura Grega no Colégio Real, grande helenista normando e com quem terá tido longuíssimas e assíduas conversas, ditariam estas, sobremaneira, o seu interesse pela Antiguidade Clássica - termo este, como se sabe, com referência ao período da História da Europa do sec. VIII a.C., e com todo o expor da poesia grega de Homero até à queda do Império de Roma do ocidente no sec. V d.C. (476).
Certo é que no eixo desta época se encontram os factores culturais marcantes da Grécia e da Roma antigas.
E por aqui, tentando conciliar-me nas leituras pois que para mim eram todas a não perder, encontro Michelle de Montaigne que, na interpretação do Discurso da Servidão Voluntária de Étienne de La Boétie apurava no interpretar da obra-prima desta filosofia política, a lucidez quase aterradora sobre os mecanismos do poder tirânico também habituado a seduzir com a perfídia do falso encanto.
A ideia de que a tirania não se mantém apenas por oposição, mas também pelo poder das mentes matreiras, carecendo ela de colaboração dos perversos impulsos que dominam quem a aceita passiva ou activamente, e sempre tirando proveito da debilidade essencial da maioria dos homens que, comoventemente ignaros, lhe cantam hinos à virtude servida por natural servidão, assim se faria e faz o poder do vazio superlativo da coisa Absurda que pode mandar na humanidade.
A distinção entre o tirano e o exercício do seu poder não é subtil, é essencial.
Enfim, por terem a mente tão obtusa, a maioria das vezes, os homens em nada se podem alimentar que não através do sem discernimento, e que todos se familiarizem ao juízo alheio é, afinal, o desejo do poder titânico.
Montaigne viria nos Ensaios – Da Liberdade de consciência – a não encontrar melhores palavras para definir a envenenada cupidez do mando, como sendo aquele que, por diversos meios a idêntico fim se chega sempre, se para tanto for necessário exaltar vaidade que conquiste o favor de fazer favor aos príncipes.
Como escritor, politico, filosofo e céptico, encontro em Michelle de Montaigne a descolar os dogmas como quem pega na justiça de perto da morte ou do modo de nascer da vida, de perto do escrito que é berço do poema, de perto da inconstância dos próprios livros, de perto da vaidade, de perto da amizade, de perto da subtileza do olhar entregue ao gume de uma espada, certo que a competência do saber que sabe é o que sempre reconhecerá orgulhoso que
Há derrotas triunfais que
pedem meças às vitórias
ainda que o verdadeiro vencer caiba a quem peleja, digo, e a honra do combate seja a nutrição à liberdade, e esta, a grande digna da aliança.
M. TERESA BRACINHA VIEIRA