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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

António Botto: observa e compreende.

 

Acerca da poesia de António Botto escreveu Fernando Pessoa no prefácio do seu livro Motivos de Beleza, publicado em 1923:

 

Distingue-se pela simplicidade perversa e pela preocupação estética destituída de preocupações (…)É em verdade singular que se seja simples para dizer exactamente outra coisa, e se vá buscar as palavras mais naturais para por meio delas ter entendimentos secretos.(…)Certo é que o que António Botto escreve, em verso ou em prosa, há que ser lido sempre com a intenção posta em o que não está lá escrito.

 

António Botto é descrito como tendo tido uma forte personalidade, alguém muito incisivo e de humor irreverente. Botto, apesar de assumido homossexual foi casado com Carminda Rodrigues até ao final da sua vida e tal como escreveu “ O casamento convém a todo o homem belo e decadente”.

 

Chegou a ser alvo de fortes troças quando entrava nos cafés ou nas livrarias, sofre o ostracismo a que a maioria o condena e assim se foi cansando de viver em Portugal e emigrou para o Brasil onde vem a falecer depois de ter vivido em profunda miséria.

 

Quando os seus restos mortais foram trasladados para o cemitério do Alto de São João, de Lisboa, em 1966, José Régio e Natália Correia, David Mourão Ferreira entre outros marcaram sentida presença.

 

Registe-se que o seu livro "O Livro das Crianças", seria oficialmente aprovado como leitura escolar na Irlanda, sob o título The Children’s Book.

 

 

Ainda em Portugal os seus recitais de poesia colheram os grandes elogios de Aquilino Ribeiro, Amália Rodrigues e João Villaret e em 1938 o ensaio “António Botto e o Amor” da autoria de José Régio deslumbrou quem pouco conhecia Botto, o poeta das “Canções”.


Curiosamente Eugénio de Andrade enviou a António Botto alguns dos seus poemas e é através dele que ouve falar de Pessoa.

José Régio evoca Botto no DN em 1957

 “Não sei se é ou não, como afirma a gazeta [brasileira], ‘um dos seis maiores poetas portugueses’. O que sei é que é um poeta que a inveja, a mediocridade e a incompreensão -mesmo provisoriamente triunfantes- não podem fazer esquecido.”

Possuo o livro “Canções” numa segunda edição de 1922 da OLISIPO, sociedade editora, e no qual encontramos uma página de Teixeira de Pascoaes sobre o artista e o livro e de onde apenas retirei estas palavras

(…) Se há certas attitudes que nos agradam, só os íntimos e cegos movimentos nos seduzem! Na sua obra há de tudo isso: - a lágrima que sáe do coração e a pérola que sáe da ourivesaria.

Também neste seu livro Jayme de Balsemão escreve como novas referências:

Nestas Canções António Botto não é um poeta nacional; nellas canta a humanidade e não a cor local. Compreende a lucta involuntária do homem em continuas tragédias cómicas, mas comprehende também a sua beleza inconsciente e a sua Arte perdurável.

Do pouco que conheço deste poète maudit, escolhi do seu livro “ Canções” esta companhia com o sabor de um meio sorriso, de um relógio que também empurra os dias

                VIII

Se me deixares, eu digo

O contrario a toda a gente;

E, neste mundo de enganos,

Falla verdade quem mente.

Tu dizes que a minha bocca

Já não accorda desejos,

Já não aquece outra bocca,

Já não merece teus beijos;

Mas tem cuidado commigo,

Não procures ser ausente:

- Se me deixares, eu digo

O contrario a toda a gente.

 

TERESA VIEIRA