1ª Crónica de Alberto Vaz da Silva na "Grécia de Sophia"
O destino é Atenas. Mas a primeira escala é o “plat pays” de Jacques Brel. Percorrendo os intermináveis tapetes rolantes de Schiphol, a vista plana perde-se ao longe por ambos os lados das janelas envidraçadas do aeroporto. Primeiro contraste com a Ática rochosa que nos espera, de severidade arcaica.
Atenas entardece cercada de nuvens dispersas e inquietantes. Instalamo-nos num excelente hotel depois de termos passado pela praça Syntagma e avistado o Parlamento à hora do render da guarda, num ritual “alla turca”.
As ruas estão mais desertas e vazias, muitas lojas com ar fechado, poeirento. Apesar de tudo parecer arrumado parece também posta a mesa para uma imensa prestação de contas.
Primeira silenciosa evocação de Sophia: "Ide dizer ao rei que o belo palácio caiu por terra quebrado. Phebo já não tem cabana, nem loureiro profético, nem fonte melodiosa. A água que fala calou-se.”
Na primeira manhã de Atenas paramos, a caminho da Acróplole, no templo de Zeus Olímpico, completado por Adriano.
Possantes colunas coríntias, uma por terra como um gigantesco baralho de cartas desmoronado. Numa das fachadas do templo, podemos ler: "esta é Atenas, a cidade de Teseu”. Sabe-se que existia uma estátua criselefantina de Zeus e uma outra de Adriano, ambas veneradas num mesmo assomo de alma.
Enfim, a Acrópole. O guia grego, que tratamos por Pan, primeiras letras do apelido, faz uma excelente introdução tomando por ponto de partida a colunata dórica que se antepara.
Há reparações por toda a parte, o Parthenon está invadido por gruas e é objecto de intervenções profundas no mármore pentélico.
Pretexto para ser evocado o génio de Phidias, o da concepção original cujo espírito se pretende recuperar.
Dá um prazer imenso reviver a harmonia do talvez mais belo templo concebido pelo génio humano, à vista de um estaleiro que o desfigura e entope. Basta a enumeração dos requintes de perspectiva que o ergueram nas suas linhas curvas e são visíveis um a um para que o espírito se eleve como por milagre.
O Erechtheion é objecto de um original diálogo entre o grego e José Pedro Serra: o lado feminino de Poseidon e o viril de Atena surgem numa dança de sensibilidades e invocações mitológicas.
Abandonamos a Acrópole pelo Templo de Atena Nike, imaginando a gigantesca estátua que com os seus mármores e os seus ouros recebia de frente os raios da aurora e recordando Phidias e Péricles, também eles entes solares que, como nós, pisaram estas pedras.
A caminho do Cabo Sunion percorremos a “Riviera de Atenas”. O guia aponta orgulhosamente as transparências do Egeu, devido à ausência de plancton.
Insensívelmente a atmosfera adensa-se à medida que nos aproximamos do rochedo ímpar em que o santuário de Poseidon se ergue e avança sessenta metros sobre as águas.
No ar levantam-se perdizes lentas e enfeitiçadas, que Homero não desdenharia adjectivar, um cágado gigante talha o seu caminho em direcção ao Templo e a luz do Egeu nimba todo o horizonte e envolve Egina, mesmo em frente, com um halo diáfano. A tarde prepara o pôr do sol e é o momento em que José Pedro Serra e Maria Andresen comovida e inteligentemente evocam Sophia.
Antónia Brandão lê alguns poemas e todo o grupo, antes de dispersar, se envolve em impressões trocadas que pareciam provir unicamente daquela hora, daquele nome, daquele templo.
Durante o jantar tentamos aperceber, baixos no horizonte, Vénus e Mercúrio, coroamento ideal para um encontro assim. Mas não; as nuvens adensaram-se como se os deuses nos dissessem que a benevolente conversa terminara.
Não deixamos Atenas sem uma compulsiva – ainda que não originariamente programada – visita ao Museu Arqueológico.
A colecção pré-histórica abrange o continente, as ilhas do Egeu e Tróia. É difícil passar além dos tesouros dos túmulos reais de Micenas, tão assombrosas são as máscaras funerárias em puro ouro, as jóias, os recipientes. “Tróia, rica em ouro”, advertiu Homero. Referia-se não só às jazidas mas sobretudo à qualidade e precisão dos artífices.
A colecção das figurinhas de mármore das Cíclades e os frescos de Thera, em larga escala, far-nos-iam ficar em contemplação o resto do dia.
Mas espera-nos a rota de Delfos e o guia grego fica nervoso com os extras que introduzimos, embora o sorriso de brancos dentes aprove as decisões.
Passamos ainda pelos arcaicos Kouroi, a ânfora geométrica de Diphylon e outras envoltas em polvos, de Creta, até chegarmos aos notáveis Lekhyton e aos vasos de figuras vermelhas.
A colecção de bronzes, uma das maiores do mundo, inclui celebridades como o Poseidon, ou Zeus, de Artemísion, o jovem de Maratona, o jovem de Antikythera e o jockey de Artemísion.
Cruzamo-nos com eles na alegria de quem não os deixa, mas vai ao seu encontro. Vamos sulcar as terras e águas de onde provieram e sentir na carne como na Grécia a natureza é incindível do esplendor da arte.
9 de Junho de 2013