Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Atravessamos a bela ponte suspensa em Patras para entrar no Peloponeso. Ao longo do percurso desfila constante esse “misto de doçura e de austeridade, de afinamento exacto e de rudeza, e uma identidade entre o físico e o metafísico” que Sophia confidenciou a Jorge de Sena. As enormes e constantes montanhas povoam tudo de solenidade. Cheira a resina e a mel e há uma embriaguez austera e lúcida”.
Aridez da terra incultivada, por vezes ardida, ou rocha apenas, que contrasta com “o halo azul nas montanhas e nas ilhas, já um fenómeno conhecido na antiguidade.”
Em Olímpia começamos pelo Altis, grande parque onde eclodiram os jogos. Palestra de proporções perfeitas bordejada de olaias que na primavera incitam com as suas flores; o Templo de Zeus Olímpico de espessas colunas dóricas onde tentamos imaginar a estátua criselefantina que mais adiante o museu também proporá. Finalmente o longo estádio em terra batida onde se soltavam atletas. Regressamos pelo Templo de Hera onde foi encontrado o Hermes de Praxíteles enterrado pelos romanos, ou por um aluvião, ou por um tremor de terra ou pelos turcos, aluvião permanente. Ali se acende também a chama olímpica que nos nossos dias percorre mundo.
Assinala o guia a vizinhança do Alfeus e do Pneus, rios que Hércules teria desviado num dos seus doze trabalhos para limpar os purulentos estábulos do rei Augeias.
Somos há muito acompanhados por uma cadela de língua de fora que se deita à sombra enquanto ouvimos comentar o tholos onde se erguera uma estátua de Filipe da Macedónia. Partilharíamos com ela um gole fresco.
No museu estão representados os doze trabalhos de Hércules, fragmentos do Templo de Zeus. Mas as grandes atracções são o Hermes que rebrilha carnalmente no mármore polido da sua imensa juventude e os dois monumentais pedimentos do Templo de Zeus Olímpico. Num deles a figura central é ele mesmo, acéfalo; no outro Apolo. Os deuses parecem não ter idade nem envelhecer; o corpo de Zeus é tão liso como o de Apolo. Mas a falta de cabeça deixa pairar o mistério.
À saída a cadela olímpica, também sem idade, segue nova geração de visitantes.
Na rota de Delfos detemo-nos no mosteiro de Hoikos Loukas. No século X o santo estabeleceu aqui a sua comunidade monástica e foi uma fonte de milagres que jorravam abundantes. E a arte estava tanto nas curas milagrosas como nos frescos, mosaicos e ícones bizantinos.
Vieram depois a invasão otomana e as bombas da segunda guerra mundial. A dessacralização assume hoje um ar de certo abandono embora a Unesco o tenha classificado em 1990, o culto se mantenha em reduzida escala e as pinturas representando a Ressurreição e a Ascensão de Cristo resplandeçam sempre. À saída alguns acendem finas velas de cera que se misturam com as demais. De cada uma se eleva uma centelha que tece a trama do tempo e consolida os séculos.
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Chegamos a Delfos no princípio da tarde com o ar envolto em tempestade; a terra rescende velhos fumos.
Descemos até ao tholos do Templo de Atena Pronaia. A estrutura circular evoca a serpente enrolada sobre a qual se erguem brancas colunas; é esse também o sentido da subida iniciática até ao Templo de Apolo pela senda dos tesouros.
O deus venceu o phyton na falha daquela rocha que é o umbigo do mundo, “omphalos”, onde ficou a correr a água perene.
Detemo-nos perto do teatro para ler poemas de Sophia e José Pedro Serra convocar a luz solar e as trevas ctónicas de Delfos.
Tudo oiço estendido no chão a olhar o céu; num ápice entrevejo Tolstoi, “A Guerra e a Paz”. As nuvens brancas sobre as nossas cabeças são o novo oráculo – calou-se a voz da pitonisa mas Apolo aproxima essas nuvens semeadas de azul, como um Rorschach divino.
Muitas batalhas se perfilam no horizonte; o estádio está vazio de atletas, Delfos oprime e rejubila. Ouve-se invisível a “Ode à Alegria” de Schiller: “Correi irmãos, a vossa corrida, como um herói para a vitória”.
No museu arqueológico Sophia procurava antes do mais as figurinhas micénicas, a estátua de Antinoos, os maravilhosos cavalos nas métopes dos tesouros, os kouroi, e acima de tudo o Auriga, vitorioso, severo e possante nas pregas do seu bronze.
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A noite tudo apaga mas pressentem-se o imenso mar de oliveiras e os montes que enquadram a procissão das estrelas: do Leão que mergulha a oeste ao Escorpião que se levanta a leste; Saturno, Spica e Arcturus no meio do céu pontuam.
“Mas tanto como a natureza – e ligada à natureza – espantou-me a incrível religiosidade de tudo.” Sophia