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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

LONDON LETTERS

The days of Borges, 2013


Neste Verão, a tendência acentua-se inapelavelmente. São dias definitivos de Jorge Luís Borges. Hot out of doors, and fresh and shaded here, a biblioteca afirma irónica declaração da mestria divina em torno da cegueira. ‒ Eh bien, il est l'un des intraduisibles! Em semana literária na British Academy, com visita dos velhos mestres, a navegação pelas palavras revela-se tão qual a diz o poema dos dons. – Yes, Borges: I always imagined that Paradise will be a kind of library! Já no país cujo mundo antigo ergue um templo para venerar os livros, em Alexandria, se dá segunda revolução no processo aberto pela Arab Spring. Milhões aplaudem nas ruas egípcias um golpe de estado militar que afasta Mohamed Morsi e entrega o poder ao presidente do tribunal constitucional, para que marque eleições e um afável povo milenar decida sobre o seu futuro. Aqui na ilha, talvez por magia borgiana, os livros distanciam agora o eco da criançada e um clap-clap com espadas de pau em torneios imaginados e vítimas invisíveis.

 

 

Eventually, a dimensão lúdica pertencerá até à ordem das coisas na república das letras. Os trabalhos na literary week rodam em torno de jogo puro, intenso e natural. Por isso, patético. O workshop é algo singelo. São dias de suspensão da realidade, com uns quantos exercícios a desafiar a imaginação. Da leitura partilhada para audiobooks à tradução com regras, a semana na Academy é sobretudo um ponto de encontro para bookalics. Face à brancura do papel, pois, entre o grão e o líquido no jardim em fundo, registo o resultado de um dos desempenhos em torno de autor amigo. Alguém que em A tale of Two Cities interroga sobre a substância da sombra quando escreve sobre um admirável mundo novo. A abertura deste livro de 1859 encerra lição inesquecível a quem ama as bibliotecas e sabe que há pessoas dentro destas. Eis Mr Charles Dickens por inteiro.

 

 

‒ The Period. It was the best of times, it was the worst of times, it was the age of wisdom, it was the age of foolishness, it was the epoch of belief, it was the epoch of incredulity, it was the season of Light, it was the season of Darkness, it was the spring of hope, it was the winter of despair, we had everything before us, we had nothing before us, we were all going direct to Heaven, we were all going direct the other way--in short, the period was so far like the present period, that some of its noisiest authorities insisted on its being received, for good or for evil, in the superlative degree of comparison only.

 

‒ O período. Aquele era o melhor dos tempos, aquele era o pior dos tempos, era a idade da sabedoria, era a idade da insensatez, era a época do acreditar, era a época da incredulidade, era a estação da Luz, era a estação das Trevas, era a primavera da esperança, era o inverno do desespero, tínhamos tudo diante de nós, tínhamos nada diante de nós, estávamos indo todos diretamente para o Céu, todos estávamos indo diretamente no caminho contrário ‒ em suma, o período era tão longamente semelhante ao presente, que algumas das suas mais ruidosas autoridades insistiram em ser recebido, para o bem ou para o mal, apenas em superlativo grau de comparação.

 

O Cairo abre hoje porta de futuro no limite do imaginável, ao derrubar a inapta autoridade eleita. A reação de Mr Morsi ao game-over são palavras no facebook! Esperemos que o Egypt faça agora o seu caminho com a energia de Tahir Square, mas sob a paz e sabedoria alexandrinas. Afinal, justamente na Africa dos aventureiros e dos faraós, quando morre um ancião chora-se a perda de uma biblioteca. ‒ Like a book: A beginning, a middle, but no end in sight!


St James, 3rd July

 

Very sincerely yours,

 

V.