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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A Grande Muralha, a grande obsessão. O poder face aos deuses. A viagem no caminho trabalho e morte: ou quando os homens enfrentam contra os instantes e colhem impiedades e se desconhece quem parte e quem fica.

 

Nunca saberei como descrever as pedras argamassadas, as pedras de calcário, os tijolos feitos de massa e farinha de arroz enfaixados, ali colocados por milhares de camponeses que, em troca do trabalho, eram libertos do pagamento de impostos, como se não morressem dois a cada metro na construção da Muralha. Ali no grande cemitério do mundo.

 

E é de silêncio que vos falo.

 

As sentinelas comunicavam nas torres por fumaças e fogos, enquanto os alojamentos e estábulos dos animais se encontravam por debaixo onde gelo e calor os mataria em funções de aviso, apenas de aviso, e por cumprir o aviso, morreriam enquanto guardavam armas e suprimentos para que os inimigos nunca se atrevessem ao instante deles, que eram amanhãs de pulso  fixos nas poças vivas de sangue, onde todo o impossível se vivia numa existência de estranho luto e imensa dor, de orgulho fatigado e nunca entendido ou questionado.

 

 

Cheguei à primeira grande Torre numa exaustão total pelo declive inenarrável na subida até ela, e pelas diferentes dimensões dos degraus que impunham coragem e força a quem os enfrentasse, ou também pelas vertigens, pois que o muro, muitas vezes, já só existe de um dos lados ao qual nos agarramos também no compreender qual dos inimigos matara mais os que ali trabalharam.

 

Cada torre tinha que visualizar os sinais emitidos pela vizinha, era assim que também se obedecia em rigor à construção, e o combustível mais usado era esterco misturado com palha.

 

Mas a Grande Muralha e suas vidas condenadas salvaram a China em 1482, quando os mongóis ficaram presos contra as fortificações.

 

E ali sentada, nos degraus de vários feitios e dimensões, recordava que havia lido que em 259-210 a.C. a Dinastia Chin começara a unificar a muralha, aproveitando fortificações construídas por reinos anteriores, e que sempre os mil anos que se estimam terem sido consumidos por este percurso que serpenteia todas as montanhas, entre a fronteira com a Coreia até ao deserto de Góbi, Mar Amarelo, Mongólia e por todos os locais onde é mundo, e  que apenas a Dinanstia Ming no sec. XV de algum modo fez sossegar.

 

 

Gêngis Khan sim, ele e a Muralha. Lembrei-me o quanto longe estava desta realidade que agora vivia, quando a miragem espiritual se desenhava nos almanaques de quadradinhos por onde conhecia os feitos de G. Khan.

 

E voltei a olhar as montanhas, a querer reter tanta maravilha em indescritível paisagem e nesta  construção, uma das  mais famosa do mundo, e afinal, a menos entendida e da qual nem a extensão real se conhece: 8.800 km? Um número!, e que atrevimento não pensar que o mesmo sempre rodopiará sem pausa.

 

Afinal uma arquitectura militar numa indiferença de coração? Lenda viva de uma China Imperial? Ou mais? Pois que nunca devo perder-te, nem nenhum tiro abalará o que pode partir comigo ó Muralha!, depois de te ter conhecido, depois de chorar tanta beleza e morte e pedir num penhor a tua graça, o teu inferno, a tua salvação que me reflui na chegada de reforços que pedi muito à tua despedida.

 

E a acácia primeira é tua, como o lenço afinal que te acena sabendo melhor o quanto a vasta vida é tão breve, o quanto as bússolas enlouquecidas nos transtornaram tempos, enquanto apenas um fio que seguro numa das pontas, me deixa sozinha, e vai em sorte onde se acende o caminho eterno da Muralha da China, o horizonte verde e belo que nos faz entender as montanhas quando num apelo nos dizem:

«Tu não te lembras da Casa? Do choupal sobre o muro?»

 

M. Teresa Bracinha Vieira

Julho 2013