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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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MORREU URBANO TAVARES RODRIGUES

Urbano Tavares Rodrigues

Os corpos sociais do Centro Nacional de Cultura (CNC) exprimem o mais vivo pesar pela morte de Urbano Tavares Rodrigues, uma das figuras marcantes da língua e da cultura portuguesas do século XX.
Escritor talentoso e multifacetado, foi um denodado estudioso da literatura portuguesa, devendo-se-lhe estudos fundamentais, designadamente sobre Manuel Teixeira Gomes.
Amigo do CNC desde há muitas décadas, fez sempre questão de se manter atento à nossa atividade e ao combate permanente pelo património cultural, pela língua, pela cidadania educativa e cultural e por uma cultura de paz.
É uma perda irreparável para as culturas da língua portuguesa.
Apresentamos à família sentidas condolências.

Guilherme d’Oliveira Martins

 



Morreu o escritor Urbano Tavares Rodrigues
Em dezembro faria 90 anos, tinha 61 anos de carreira literária.


O escritor, jornalista e militante do PCP, Urbano Tavares Rodrigues morreu na manhã desta sexta-feira, no Hospital dos Capuchos, em Lisboa.

O escritor estava internado há três dias. A notícia soube-se através da página de Facebook "Urbano Tavares Rodrigues - escritor" e foi publicada pela filha, a escritora, Isabel Fraga, onde diz: "O meu pai acaba de nos deixar. Estava internado nos capuchos há 3 dias. Não tenho mais informações. Soube agora mesmo.". O Público confirmou.

Urbano Tavares Rodrigues nasceu em Lisboa, a 6 de dezembro de 1923, filho de uma família de grandes proprietários agrícolas de Moura, Alentejo. Andou na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa onde cursou Filologia Românica. Por razões políticas foi impedido de ensinar em Portugal, esteve preso em Caxias e acabou por exilar-se em França, onde conviveu com grande intelectuais da década de 1950.

Regressou a Portugal depois da revolução de 25 de Abril de 1974. Foi professor na Faculdade de Letras, crítico literário e esteve sempre ligado ativamente ao PCP.

 


por Isabel Lucas, in Público | 9 de agosto de 2013
Foto: Miguel Manso/arquivo Jornal Público

ONDE SE FALA DO «RAPTO DO SERRALHO»…

 

Minha Princesa de mim:

 

Já passou meia semana da minha estadia em Viena, no Sacher. Encontrei cá, imagina!, o nosso Camilo português, que integra uma delegação a uma reunião interministerial da EFTA, cuja presidência é, neste momento, austríaca. Íamos todos a sair  -  eu e uns cinco portugueses  -  aqui do hotel para... (é só atravessar a rua!)... a Wiener Staatsoper, onde assistimos a uma magnífica "Die Entführung aus dem Serail", dirigida pelo Karl Böhm. "O Rapto do Serralho" tem sido, desde a sua estreia no Burgtheater de Viena, a 16 de Julho de 1782, uma (senão a) das mais populares e representadas óperas de Wolfgang Amadeus Mozart. Tem um sabor especial vê-la aqui, nesta cidade que os turcos otomanos tentaram por quatro vezes conquistar, a última das quais em 1683. Vive-se mais esse sentimento do "turco", como receio de ameaça secular, mas como curiosidade também,e gosto do exótico e certas modas, incluindo a pastelaria que até toma a forma do crescente ("croissant"). E essa desforra popular ("folclórica") que faz do tema do sultão apaixonado pela bela europeia cristã, que o repudia e engana, o "leitmotiv" de contos e peças de teatro, de inúmeras "singspiele" e óperas... O mesmo Mozart, antes do "Rapto", compusera uma "singspiel", cuja heroína é Zaïde  -  nome que daria, mais tarde, o título a essa opereta incompleta  -  escrava cristã do harém do sultão Solimão, de onde foge com o seu amante Gomatz, com a cumplicidade de Allazim, "renegado" cristão, hoje braço direito de Solimão. Apanhados pelo feroz Osmin (que reaparecerá no "Rapto"), capitão da guarda do sultão, serão, mais uma vez, salvos pela intercessão do "renegado". Este, na verdade, quando comandava um navio espanhol no Mediterrâneo, livrara a galera turca  - em que Solimão, ainda jovem, seguia  -   de um ataque de piratas. Mas, enquanto a galera turca pôde assim fugir do perigo, o vaso de guerra espanhol foi surpreendido por uma esquadra de piratas, e Allazim, depois de preso, vendido como escravo ao próprio sultão e obrigado a converter-se... Surpreendido pela revelação de que Allazim fora o seu salvador, Solimão é clemente e salomónico: Zaïde e Gomatz são perdoados e poderão partir; mas Allazim deverá ficar com ele, pois maior amigo não tem nem pode ter! "Dein Edelmut,Allazim,hat den weg zu meinem Herzen gefunden... A tua nobreza, Allazim, encontrou o caminho para o meu coração. Um muçulmano pode ser tão generoso como um espanhol! Libertai-os, portanto, e conduzi-os a um navio que veleje até à pátria deles. Adeus Zaïde, adeus Gomatz. Procura ser digno dela. Mas tu, Allazim, não me deixes. Ajuda-me a tornar-me tão nobre como tu. Isto não é ordem de senhor, é pedido de irmão." Assim acaba a "Zaïde". Esta história leva-me à bacia do Mediterrâneo nos séculos XV a XVIII, tal como a descreve Fernand Braudel. E a outras histórias de corsos, razias, raptos, apostasias e regressos, escravizações e resgates, conflitos, tréguas e alianças. Lá irei, é fabulosamente tentadora a viagem por esse mundo em que judeus, muçulmanos e cristãos  -  e tantos povos e etnias da Europa, do Médio Oriente e do Norte de África  -   se relacionaram. Mas vou primeiro ao tema das óperas: a paixão não correspondida do sultão pela europeia, a tentativa de fuga desta com o seu namorado, a perseguição movida pelo carrancudo, vingativo e ambicioso capitão de guardas, o inesperado intercessor, a magnanimidade final do altivo soberano muçulmano, tudo isto se repete  -  desde a "singspiel" de Christoph Friedrich Bretzner "Belmonte und Konstanze oder die Enfuhrung aus dem Serail", levada à cena em Berlim com música de Johann André  -  em inúmeras realizações de compositores do século XVIII. E tem analogias com obras de Gluck ("La Rencontre Imprévue"), Haydn (“L´Incontro improviso”) e ainda "L´Italiana in Algeri" ou "Il Turco in Italia" do Rossini (onde a heroína, aliás, se chama Zaida)… A "ameaça" otomana pesou seriamente sobre a Europa cristã durante século e meio, desde a tomada de Constantinopla em 1453 até ao tratado de Carlowitz, em 1699, que devolveu a Hungria e a Transilvânia aos Habsburgos austríacos. Pelo meio, estiveram os reinados de Carlos V (1516-1556) e de Solimão, o Magnífico (1520-1566), com a autoridade do imperador cristão contestada por Francisco I de França, que se aliou aos turcos, com desfeitas de um e de outro lado. Antes e depois da batalha naval de Lepanto (1571), quando a coligação da Santa Liga, organizada pelo papa S. Pio V e comandada pelo bastardo João de Áustria, travou o avanço otomano. Já Carlos e Solimão não estavam cá. Nem François. Por entre conquistas e reconquistas, vitórias tão efémeras como derrotas, movia-se o corso e a pirataria, o comércio "internacional", com e sem carta. Como o dos Barbaroxa. E iam caindo nas redes dos interesses políticos e mercantis uns surpreendidos pela ganância dos outros. Mais ou menos inocentes ou aventureiros, desde meninos e meninas colhidos nas razias costeiras até tripulantes e guerreiros em navios de combate ou comércio. Ou prisioneiros de guerra, como portugueses depois de Alcácer-Quibir (1578). Surge daí um universo de destinos vários, tratados, muitas vezes, mesmo pela Santa Inquisição, de modo mais tolerante e benévolo, do que o reservado aos hereges cristãos, ou aos judeus e marranos, na cristandade: protestantes e judaizantes eram uma sabotagem interna; renegados, circuncisos conforme a lei islâmica, podiam ser um alívio, uma diminuição das forças do inimigo. Mas também me parece que o grau de miscigenação   -  aliás estimulada, curiosamente, por ambas as partes, muito embora os maometanos tivessem alguma vantagem na oferta, aos homens, de um estatuto de relacionamento sexual mais...agradável  ---  apontava para a possibilidade de assimilação afetiva, tanto mais eficaz quanto, em tempo de guerrilhas e incertezas, cada um poderia guardar no coração a sua fé, desde que convencionalmente praticasse publicamente os rituais próprios da religião do seu príncipe... Já agora: não foi assim que se resolveram guerras de "religião" na Europa cristã coeva?  Entre papistas e reformados: "Ejus religio cujus regio". Li algures que Gaspar Ramos, um pagem português, feito prisioneiro em Alcácer-Quibir, foi levado à conversão à fé maometana pelo seu novo senhor, alcaide do rei vencedor El Mansour. Anos mais tarde, depois de circunciso, foi-lhe dada em casamento uma jovem moura. Com ela terá regressado a Portugal, ao cabo de trinta anos, em 1610, para viver na cristandade. Contei esta casualidade ao nosso Camilo. Sorriu e disse: "Por essas e outras, o tio ainda vai levar na touca..." Retorqui: "Na minha idade, posso levar à vontade, tenho cabeleira robusta. Mas tu, meu rapaz, já estás muito careca: não desenvolvas este nem outros temas, no teu jeito platónico de que a ideia tem sempre prioridade..." Mudei-lhe o sorriso em riso amigo. Mas receio que, quando chegar à minha idade, tenha desgostos. Sobretudo se não corrigir esse gosto de abrir, sem preconceitos, os olhos ao mundo. É tarde,vou dormir,bem preciso. Mas voltarei a partilhar contigo estas e outras histórias, em mil e uma noites...de insónia, em que só as estrelas nos falam."

Camilo Martins de Oliveira