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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Crónica de Guilherme d'Oliveira Martins em Pequim - Viagem do Centro Nacional de Cultura à República Popular da China, Macau e Hong Kong

 

 

A cidade de Pequim surpreende-nos pelo desenvolvimento, pelo trafego automóvel, pelos novos edifícios, pelo movimento incessante das pessoas. Quem conheceu a cidade nos últimos quarenta anos, não deixa de se admirar pelas transformações realizadas.

 

 

Nesta peregrinação do Centro Nacional de Cultura, começamos simbolicamente por visitar um dos troços da Grande Muralha. É impressionante a concessão deste muro criado para proteger o grande Império do Meio. Em Mutaniu, onde chegamos de teleférico, o panorama é o do encadeamento fantástico das montanhas do norte que rodeiam a cidade de Pequim. A construção começou em 221 anos a.C. numa primeira versão precária de adobo mas foi a Dinastia Ming de 1368 a 1644 que construiu a muralha tal como hoje a conhecemos para protecção dos Mongóis e dos Manchus. No entanto, em 1644, no final dessa mesma Dinastia Ming, o General Wu Sangui abriria as portas da muralha à invasão Manchu que estabeleceria a Dinastia Qing pelo que o sistema de nada serviu quando foi posto à prova. Mas a construção é impressionante e o coroar das montanhas pelas ameias que se prolongam a perder de vista assemelha-se a um fecho de cremalheira entre tecidos. E ao ver essa separação humana, lembramo-nos do Veneziano Marco Polo que chegou ao norte da China pela mão dos Mongóis entre 1271 e 1295. Foi esse o momento em que o Império do Meio se abriu ao conhecimento dos Europeus. Se a chuva fez questão de aparecer na nossa visita à Muralha, o mesmo não aconteceu ontem de manhã quando fomos bem recebidos no Parque que rodeia o Templo do Céu.

 

 

Vimos centenas de praticantes de Tai Chi mas também jogadores dos mais diversos jogos nas balaustradas que decoram os jardins: xadrez, cartas, paciências, grupos que cantam e tocam, de tudo um pouco.

 

  


   

 

Quando lemos “O Mandarim” de Eça de Queirós, este que aqui não esteve, fala-nos de três guarda-sóis sobrepostos neste Templo do Céu que vemos em todo o seu esplendor; já que o romancista refere este como um dos sítios emblemáticos da cidade. Aqui vinha o Imperador três vezes: no início do ciclo anual, na primavera e por fim no inverno para dar a Ação de Graças. As quatro colunas que sustentam o tecto do templo, de uma construção sem pregos, representam as quatro estações do ano e as decorações são fascinantes: dragões, aves, plantas, fundos verdes, azuis, vermelhos e dourados. É de facto uma cidade fantástica.

 

http://www.youtube.com/watch?v=el7hk7RBwu8&feature=youtu.be

ALMADA E CARLOS SELVAGEM: ENCONTRO DE DRAMATURGOS

 

A vida cultural portuguesa, ao longo do seculo XX, foi abundante em dissidências e incompatibilizações pessoais e artístico-literárias: mas também o foi no cruzamento de colaborações e relacionamentos, estéticos e pessoais que, muitas vezes - outras não!... - ultrapassavam as clivagens de escola, de estética e de ideologia. Isto, note-se, independentemente de uma maior ou menor convergência profissional ou amizade pessoal..

 

Carlos Selvagem, oficial do Exército, historiador militar e Governador colonial, não tem um currículo convergente com o de Almada Negreiros. Mas, para lá da convivência ao longo de décadas, unia-os a atividade criativa como escritores e o sentido de uma cultura subjacente ou expressa na obra dramatúrgica. Que por vezes convergia: por exemplo a peça Pierrot e Arlequim de Almada é de 1924 e a pantomima Serenata de Polichinelo, de Selvagem é de 1927: e no entanto, não há, na obra dramática destes dois autores, em si mesmos tão diferentes, uma trajetória ou uma influência reciproca direta.

 

Mas surgem ligados em 1944 na produção de um espetáculo memorável - Dulcinéa ou a Ultima Aventura de D. Quixote, de Carlos Selvagem levado á cena no Teatro Nacional D. Maria II por Amélia Rey Colaço e Robles Monteiro, com cenários e figurinos de Almada. E aí, encontramos de facto, a convergência estética, que tornou este espetáculo de certo modo memorável, passados que serão, dentro de meses, exatos 50 anos desde a estreia.

 

É que o texto de Selvagem assuem uma linguagem cénica e literária de tom poético, seja este épico ou lírico, na visão quase mística da figura do protagonista. Estamos evidentemente num reino de fantasia, o Reino da Tristânia - e desde logo a designação diz muita coisa - e estamos perante um conflito “político” e pessoal. D. Quixote enfrenta os poderes constituídos do Reino, O Alcaide-Mor, o Banqueiro, o Capitão Geral, os quais contratam a prostituta Florinda passa se fazer passar por Dulcineia e derrotar de vez D. Quixote. Mas este é traído por D. Roberto, enquanto a Florinda se apaixona por D. Quixote. Florinda é condenada á morte e D. Quixote expulso sobe a acusação de ser, ele próprio, o Encoberto!

 

A peça inscreve-se pois por direito próprio e com grande qualidade na corrente sebastianista da cultura portuguesa. E t assume uma linguagem poética que não é comum, nesse registo, na aliás notável dramaturgia de Carlos Selvagem, em que domina um realismo de conteúdo e crítica social ou dramatização histórica.    

 

Ora bem: para este espetáculo criou Almada  um admirável conjunto de figurinos, parte deles  reproduzidos no  volume intitulado “Almada - A Cena do Corpo”, editado  por ocasião  da exposição realizada no Centro Cultural de Belém em 1993-1994. Aí encontramos efetivamente quatro aguarelas de Almada, correspondentes às personagens de indumentárias respetivas de D. Quixote, de um Alabardeiro, de um fidalgo e ainda os projetos de uma liteira e de um chapéu. Mas a coleção referida abrange um conjunto de 11 projetos de Almada, que bem mereceram na altura e exposição - e bem mereciam hoje ser recuperados e devidamente estudados, pois comprovam, uma vez mais, a criatividade ímpar ao autor e a sua intervenção constante nas artes de espetáculo.

 

DUARTE IVO CRUZ