Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Tens razão, foi uma segunda-feira órfã e até Dios se canso de la tristeza y no quiso existir.
Hoje penso nas distâncias e quero-as multicolores para que te não doam. E fiquei surpresa, sim, fiquei surpreendida de te ver através do lago quando dele fazia meu espelho. Luni?
He llegado, por fin.
Sorri-te e entrei na água como só nela deslizo sem inquietudes. Recordas-te que até a segunda-feira nos pareceu um pouco justa? Aspiro a estar contigo en paz com un deber desconocido que a veces pesa también en mi corazón.
Mas António, por favor, cuida que o mundo é grande, mesmo dentro de uma casa, ou dentro de uma ideia, e eu não sei como te verás com as minhas aves, e só com elas guardo os segredos antigos, os que me foram confiados e os meus, às vezes, ainda colados à dor, e ao lado de outros de sentido ainda oculto, ou ainda aqueles que se espreguiçam de felicidade. E depois, os ritos que operam metamorfoses de tal modo, que chegam a separar corpo e consciência.
António?
Quizá es bueno existir
Debajo de las estrellas (…) te adentras más.
Assim pensas a beleza?
Vejo a vida. Después, adviertes el excessivo peso de tu corazón.
Y regressas.
Fugi. Resguardei-me com a minha ave junto à chaminé da cabana. Não imaginas a minha curiosidade e a dela, pelo teu correr em força, como se do espaço nascesses.
Como se do espaço nos chegasses. Grande regresso. Como aquele do sol quando reabre as nuvens.
E agora digo-te que foram os meus pés nus que receberam o conforto da terra já quente pelo calor do meio-dia. O piar da minha ave, e tu
Si pudiera tener su nacimiento
en los ojos la música, seria
en los tuyos
Lo escrebí yo com estas mismas manos.
António: nada te direi do estrangeiro. Não quero outra segunda-feira tão órfã. Não te insistas na sedução desfiada. Cada tear tece um tapete diferente do seguinte e do anterior. Nada se sobrepõe. O estrangeiro é uma outra abóboda, um outro soluço, um perfume cartografado sim, mas interior à lã, um tanto escondido da vida e das proporções. Tu alma está fatigada pêro eres alto en la fatiga: hablas a dioses extinguidos.
E afinal
Ésta es la hora más antigua.
Que hora é esta que cresce depois da minha juventude? Sabes bem, que, afinal, é sempre a hora de remar, tal como fazes. Tal como não dizes que fazes.
Sim, o estrangeiro também teve muitas tempestades na infância. Um dia, bem mais tarde do que previra, olhou uma mulher cansada e bela e depois daquela tarde passou a dormir abandonado no cesto das cerejas que o protegiam e dela lhe chegavam.
Na transição dos anos 60/70, Luis Francisco Rebello iniciou a publicação em fascículos de um Dicionário do Teatro Português, por ele dirigido e que infelizmente ficaria pela letra G. Tive o gosto de colaborar nesse projeto, prestigioso pelo diretor e pelo conjunto de colaboradores que reuniu.
Já tenho aqui recordado: iniciei cerca de 1958 a colaboração na imprensa, sobre temas de teatro, que, no que me diz respeito, se prolonga até hoje complementada por atividades constantes de ensino e produção bibliográfica. Nesse mesmo ano de 1958 iniciei também o curso de Direito e simultaneamente comecei a frequentar as aulas de Estética Teatral ministradas no Conservatório Nacional por Fernando Amado. Fernando Amado era um velho amigo de família, que eu tratava por “tio” - mas não nas aulas, pois o ambiente da época não era para essas familiaridades, mesmo numa Escola de Arte…
Hei-de voltar aqui a essas recordações de Fenando Amado professor. Mas hoje, recupero o texto que David Mourão - Ferreira redigiu, no Dicionário de Teatro Português de Rebello, para o verbete de “Amado, Fernando Alberto da Silva. N. em Lisboa a 15-6-1999 e aí f. em 23.12.1968”… E mais escreve David que «tendo acompanhado, ainda muito novo, o movimento do “Orpheu”, e sob a influência mais direta de Almada Negreiros, F. Amado inicia, aos 17 anos, a sua obra teatral com uma peça futurista - o Homem Metal, - que não chegaria aliás a ser publicada nem representada” - e isso já aqui referimos.
Mas é mais interessante reproduzir a análise global de David Mourão - Ferreira sobre o teatro de Fenando Amado:
«Dramaturgia simultaneamente poética e abrupta, simbólica e desconcertante, seduzida pelo mistério que paira sobre certas situações e atenta a determinados esquemas psicológicos. Mais esotérico do que hermético, e por vezes praticamente confidencial, o teatro de Fernando Amado ainda que manifeste uma persistente nostalgia pelos jogos espetaculares que possam vir ao encontro de um grande público, vem contudo quase sempre marcado por um espirito de estúdio e de laboratório, de pesquisa e de experimentalismo» …
Não é demais repetir que este mesmo sentido de laboratório, pesquisa e experimentalismo percorre a dramaturgia de Fernando Amado, como temos referido nestas crónicas. Mas é-me grato também evocar a cultura, a erudição, a qualidade pedagógica e a modernidade de abordagem das aulas de Fenando Amado, e a criatividade das suas encenações: foram anos de formação de que muito beneficiei.
Mas então também é oportuno lembrar o “tio Fernando” a jogar futebol na Quinta do Palácio Pimenta, no Campo Grande, hoje Museu da Cidade, ou a discretear sobre desporto e atletismo - ele que é autor de uma tabela de atletismo na época reconhecida a aplicada Internacionalmente! Augusto Sobral recorda que a tabela foi apresentada á FIAA e só “ não foi aceite como tabela europeia apenas porque a prática do atletismo nacional nesse tempo não tinha importância significativa a nível internacional, tendo no entanto sido adotada nas competições nacionais da Bélgica e de França”, de acordo com informações obtidas através de José Sousa Esteves.
Importa então referir que essa atividade era, em Fernando Amado, coerente com a criação literária e dramatúrgica e com a doutrinação e militância política, numa linha de doutrinação monárquica incompatível com o regime político vigente; em 1968 liderou uma lista de Monárquicos Independentes, nas eleições legislativas.
E termino como comecei, lembrando que Luis Francisco Rebello reconhece em Fernando Amado um dramaturgo “de fecunda imaginação” ligado ao movimento experimental sob certa influência de Pirandello.
Tempo tormentoso no canal. A primeira tempestade de Outono causou grandes estragos ao longo das frentes de mar, com chuva intensa e ventos ciclónicos, árvores derrubadas e vidas abreviadas. Há um século atrás vivia-se por aqui o sol do último Verão feliz em muitos anos.— Chérie, c'est la soupe qui fait le soldat. Em breve começava a I Great War, como agora recorda a papoila nas lapelas, uma guerra civil europeia de efeitos globais. A vertigem que assola os Big Powers marca o advento das armas de destruição maciça, derruba quatro impérios e refaz o mapa-mundo. Tudo começa com o silenciado desespero dos sérvios face a um distante trono austro-húngaro. Resulta o massacre de uma geração. — Indeede straunge ends must have straung beginnings! Se os ecos da II World War são as palavras de sangue, suor e lágrimas, proferidas na House of Commons por Sir Winston Churchill, o patriota que amanhã é homenageado no US Congress, da IWW sobrevém a imagem das trincheiras e baionetas, do sangue e fumo, da lama e cruzes. A sequência de eventos após o assassinato do Archduke Franz Ferdinand of Austria a 28 July 1914, em Sarajevo, é brutal, senão algo ensandecido. E feroz é o fim da longa Pax Britanica. Por muitos prevista, ninguém nas chancelarias foi politicamente capaz de evitar a catástrofe.
The War That Ended Peace: The Road to 1914 é o mais recente livro de Mrs Margaret MacMillan. Esta obra analisa a crise que conduz à morte de nove milhões de jovens ao longo de uma linha de batalha nunca antes vista na história humana, quando as nações continentais pegam em armas e se batem em terra, ar e mar pela autodeterminação. Um momento definidor na casa comum europeia, a GW trucida os impérios germânico, austro-húngaro e otomano a par do russo — morto às mãos da revolução bolchevique em 1917. Porque compreender este conflito que nunca entra em solo alemão é vital para hoje em dia apreender o perigo nas manobras políticas dos Central Powers, esta é uma leitura tão absorvente quanto obrigatória. Aliás, a Warden do St Antony’s College da Oxford University é a autora do magnífico Paris 1919, onde se demonstra que o aproveitamento de Herr Adolf Hitler face ao Treaty of Versailles não é um produto dos peacemakers da conferência, mas sim um instrumento da conquista do poder pelos nazis. A reparação alemã dos danos da guerra iniciada pelo Septemberprogramm do Kaiser Wilhelm II é um dos fantasmas que ainda atormenta as finanças europeias, justamente decidida na capital francesa por líderes como o US President Woodrow Wilson, o France Premier Georges Clemenceau ou ainda o UK Prime Minister David Lloyd George (incidentally, avô da historiadora), coadjuvados quer por diplomatas da estirpe de sir Harold Nicolson como acolitados por um ajudante de cozinha de nome Ho Chi Minh.
A guerra só agoniza quando os USA enviam tropas para a Europa, em 1917, favorecendo os valores democráticos, pela paz e sem pretensões territoriais. Mais exporta então Washington, cujo Congress homenageia este 30 October o US Honorary Citizen sir Winston Churchill com o busto de Mr Oscar Nemon que já se encontra nos War Rooms em London e no Museum of the Great Patriotic War em Moscow. De além-Atlântico chegam os 14 Points de Mr Wilson e um idealismo legível à luz do poema do Lieutenant-Colonel John McCrae, médico canadiano morto nas Ardenas, o qual inspira a poppy britânica. — In Flanders fields the poppies grow / Between the crosses, row on row / That mark our place: and in the sky / The larks still bravely singing, fly / Scarce heard amid the guns below. || We are the Dead. Short days ago / We lived, felt dawn, saw sunset glow, / Loved, and were loved, and now we lie / In Flanders fields. || Take up our quarrel with the foe: / To you from failing hands we throw / The Torch: be yours to hold it high! / If ye break faith with us who die / We shall not sleep, — though poppies grow / In Flanders fields.
José Tengarrinha escreveu «Nova História da Imprensa Portuguesa das Origens a 1865»(Temas e Debates – Círculo de Leitores, 2013), onde nos dá conta de modo exaustivo da relação íntima entre a nossa história política e a evolução das publicações escritas. O tema é apaixonante e através dele conseguimos compreender os factos mais relevantes da evolução portuguesa.
A IMPRENSA E A POLÍTICA José Manuel Tengarrinha é um dos grandes especialistas da história da imprensa, com obra muito vasta publicada de qualidade excecional, na qual se nota a ligação muito intensa entre os acontecimentos políticos e a evolução da imprensa. Pode dizer-se que a informação impressa e a divulgação escrita das posições políticas assegurou a formação de correntes de opinião, indispensáveis para a afirmação do constitucionalismo liberal. Neste volume, temos uma análise pormenorizada da história dos antecedentes das publicações impressas e da sequência que lhe foi sendo dada através da utilização da imprensa, favorecendo uma maior difusão e a chegada a muito mais gente das opiniões e das informações. Abrangendo um dos períodos mais agitados e ricos do liberalismo português, o autor analisa neste tomo desde os primórdios até ao ano emblemático de 1865, altura em que, com o «Diário de Notícias», nasce a época industrial da imprensa, graças ao impulso de Eduardo Coelho. Enquanto antes tínhamos, sobretudo, uma imprensa mais personalizada e de combate, vemos surgir o jornal essencialmente informativo, à semelhança do que ocorre em toda a Europa. O jornal barato e acessível, saindo em várias edições, dá nota dos acontecimentos, tornando-se um fenómeno de significativa difusão, a ponto de Hegel ter considerado que a oração matutina do homem moderno era a leitura da imprensa. Relativamente a este volume, temos quatro partes, que estruturam a obra: a primeira, intitula-se: «Os Primórdios – da Gazeta de 1641 à Revolução de 1820». Se é facto que o título é abrangente, o certo é que a cópia de informação prestada pelo autor é de uma extrema riqueza – merecendo destaque uma análise importante sobre os regimes de censura (1576, 1768 e 1787). Tudo começa com folhetos manuscritos e com folhas noticiosas impressas, continuando em pequenos periódicos (como Almanaques, repositórios, calendários e prognósticos). Note-se que, nesta fase inicial, encontramos a grande importância histórica das Gazetas da Restauração, a partir de 1641, em plena guerra da independência. Segundo Alexandre Herculano, tratava-se de animar o povo, através de informação, que, a um tempo, mobilizava e criava condições para a formação de uma opinião pública empenhada na luta da restauração. Se as Gazetas tinham sobretudo o objetivo de contribuir para o reconhecimento internacional da monarquia portuguesa, o «Mercúrio Português», mais evoluído e bem organizado, de que o diplomata António de Sousa de Macedo será um dos animadores, no consulado de Castelo Melhor, já revela uma preocupação de intervencionismo político. Em 1715, surge a «Gazeta de Lisboa», com o fim da dar notícias nacionais e estrangeiras e das nomeações régias, sendo antepassada do «Diário do Governo».
PORMENORES IMPORTANTES José Manuel Tengarrinha pesquisou arduamente os mais ínfimos pormenores, em especial as datas de início e fecho dos periódicos (em bons índices) – bem como o sentido e alcance da sua influência. Refira-se a importância da imprensa, no início do século XIX, não só durante as invasões francesas, mas também na criação de condições para a eclosão da revolução liberal de 1820. Os panfletos e pasquins abundam como instrumentos de resistência relativamente aos franceses. A ironia procura contribuir para o descrédito dos invasores. Por seu lado, os periódicos que veiculavam a posição francesa (Gazeta de Lisboa e Diário do Porto) revelaram-se de influência limitada. O pensamento liberal começa, entretanto, a germinar na emigração, avultando o exemplo de «O Campeão Português» de José Liberato Freire de Carvalho, bem como o «Correio Brasiliense» de Hipólito José Costa - sob o ataque das autoridades e do incansável José Agostinho de Macedo. Como reconheceu Luz Soriano, «foi a imprensa periódica ou o jornalismo português em Londres quem (…) principiou a difundir abertamente entre nós, por todas as classes da Nação, as ideias liberais». O segundo período analisado corresponde ao «nascimento da imprensa de opinião – da revolução de 1820 ao estabelecimento da monarquia constitucional em 1834». É um momento de grandes tensões, envolvendo o debate na Assembleia Constituinte da liberdade de imprensa, bem como a desconfiança dos governos relativamente à sua efetivação. A vigência fugaz da Constituição de 1822, a Vilafrancada e a Abrilada, a resistência e as hesitações de D. João VI, o domínio das forças legitimistas constituem o pano de fundo de um momento muito rico da imprensa de opinião. Lembramos «O Amigo do Povo» dos irmãos Passos (1823), como paradigma da nova imprensa de opinião, acrescentando-se a guerra civil (1828-1834), a influência de Mouzinho da Silveira e as leis redigidas por Garrett nas Crónicas Constitucionais da Terceira e do Porto. Naturalmente que José Agostinho diz horrorizado: «Portugal está coberto, alastrado, entulhado de periódicos, como o Egito e mais que o Egito, de rãs, de gafanhotos, de moscas, de diabos».
A FORÇA DA LIBERDADE DE IMPRENSA A liberdade de imprensa é a marca o novo tempo. Digladiam-se absolutistas e liberais, e depois cartistas e constitucionalistas. A revolução de setembro (1836) marca a legitimidade constitucional, com Sá da Bandeira e Passos Manuel, e leva à aprovação da Constituição de 1838. Nasce o primeiro grande jornal liberal, «A Revolução de setembro» (1840-1901), sob o impulso de José Estêvão Coelho de Magalhães e com a pena de António Rodrigues Sampaio. Alexandre Herculano funda «O Panorama» (1837-1868), «jornal literário e instrutivo», órgão da Sociedade de Propaganda dos Conhecimentos Úteis, primeiro difusor da cultura e do património histórico e refira-se ainda a «Revista Universal Lisbonense» (1841) de Castilho. E depois temos a atrabiliária restauração da Carta por Costa Cabral (1842-1851) e a nova guerra civil (1846-47), durante a qual Rodrigues Sampaio dirigirá o jornal clandestino «O espectro» - sobre que o futuro ministro (autor de importante reforma administrativa) dirá: «prefiro a honra de ter escrito esse livro (falava desses textos) à glória de estar sentado nesta cadeira». Por fim, a quarta parte do obra, intitula-se «A Regeneração pacificadora, de 1851 à organização industrial da imprensa». De novo a liberdade de imprensa tem um papel fundamental, agora pacificador. E afinal, o que vai espoletar o fim político de António Bernardo Costa Cabral é a «Lei das Rolhas» (3 de agosto de 1850), ou seja, uma limitação intolerável da liberdade de imprensa. O compromisso torna-se uma necessidade política. A Regeneração (1851) tem entre os seus inspiradores Alexandre Herculano – mas, perante o afastamento dos membros da esquerda liberal, vai criar o jornal «O País», como forma de lançar um partido que permitisse a alternância. Além dos regeneradores era fundamental criar o Partido Histórico, que assim nasce na imprensa. Era a liberdade da escrita que fazia as correntes de opinião. O mesmo Herculano defenderá o municipalismo como chave da liberdade em «O Português» (1853-66) e, neste tempo de exercício das liberdades cívicas, proliferam os jornais da mais diversa índole, como os económicos: o «Jornal do Comércio» de Luís de Almeida Albuquerque (1853) e o «O Comércio do Porto» (1855); mas também como os regionais, «O Açoriano Oriental» (1835), e os locais como «A Aurora do Lima» (1855), entre tantos outros. São quinhentas páginas indispensáveis. Não é possível entender a liberdade de imprensa e a sua força sem ler esta obra fundamental.
Um dia António Lobo Antunes é uma obrigação perante os leitores. Ao lançarmos esta iniciativa, o CCB e o CNC representamos os leitores – homenageando também o cidadão. Júlio Pomar representou-o como descobridor do mundo e das pessoas. E que é o prazer da leitura senão o gosto pela vida?
«Se tivesse de escolher três livros, não tinha dúvidas nenhumas: Emílio e os Detetives, Aventuras de Dona Redonda, Proezas e Tropelias de Sebastião Tobias. Li-os dúzias de vezes com um prazer que jamais tornou a repetir-se…». António Lobo Antunes é um ávido revelador do que a vida sistematicamente esconde. Pode parecer paradoxal, mas é isso que encontramos na escrita do autor que vai ao encontro dos outros, da realidade que o cerca, da permanente coexistência de contradições, de desencontros, mas também de convergências. Perante os acontecimentos, o romancista recorda, invoca, interpreta, aventura-se. E é, insisto, o cidadão que quero invocar. E vêm à memória amigos desaparecidos, mas bem presentes, como José Cardoso Pires e Ernesto Melo Antunes. São escolhas que envolvem ternura, generosidade e exemplo. António Lobo Antunes dá testemunho de uma vida em que há uma busca permanente de significado. Tem razão Harold Bloom quando diz que estamos perante «one of the living writers who will matter most» - George Steiner coloca-o entre os herdeiros de Conrad e Faulkner. Nenhuma destas considerações decorre do acaso. Provêm de um trabalho intenso de pensamento e de escrita, de conhecimento e compreensão. Lemo-lo e as suas palavras e ideias são, a um tempo, inusitadas e permanentes, obscuras e luminosas. António disse-nos: «Quando lemos um bom escritor é para nos conhecermos a nós mesmos». Esta é a chave da literatura. E o encontro com um grande escritor tem a ver com essa procura de nós mesmos. Mas à generosidade de António Lobo Antunes, de quem só tenho recebido gestos que não mereço, corresponde uma grande exigência, que muitos confundem com distância. E nestes tempos de incerteza e de crise é fundamental ouvir esses sinais de severa determinação e de incapacidade de conceder uma polegada que seja à facilidade. Dele tenho ouvido tantas vezes e não posso concordar mais: é insuportável aceitar a mediocridade, e ouvir dizer «somos um país pequeno e periférico»… «Toda a invenção é memória!» - a cultura é essa ligação permanente e indelével entre o lembrar e o criar. E é fundamental que compreendamos essa ligação entre a memória e a criação. Quem somos? Esta a persistente pergunta que encontramos na obra do nosso autor. Se seguirmos a lição de Eduardo Lourenço sobre a importância crítica dos mitos, temos de considerar a obra do autor de «Memória de Elefante» como um revelador fundamental dessa psicanálise mítica do destino português, a partir da singularidade das pessoas e do seu devir. E neste tempo de crises estará talvez aqui a revelação desse estranho enigma deixado pelo maior economista do século XX, Keynes, quando disse que devemos garantir que a economia siga no banco de trás do automóvel da história. António Lobo Antunes ensina-nos que no banco da frente tem estar o humanismo.
A última carta que o seu Ricardo Reis escreve não é carta, nem vai assinada. É um sobrescrito endereçado a Marcenda Sampaio, para a posta restante de Coimbra. Dentro leva, sozinhos, estes versos, de que o José apenas transcreve os dois primeiros:
"Saudoso já deste verão que vejo, Lágrimas para as flores dele emprego Na lembrança invertida De quando hei-de perdê-las. Transpostos os portais irreparáveis De cada ano,me antecipo a sombra Em que hei de errar, sem flores, No abismo rumoroso. E colho a rosa porque a sorte manda. Marcenda, guardo-a; murche-se comigo Antes que com a curva Diurna da ampla terra".
Marcenda é murchante, flor que murcha. É essa menina doente de si mesma, de braço pendente e mão inerte. Descrente da esperança, trava a seiva de um amor nascente e, deste, o viço para sempre se quedará secreta memória. O José foi atrás do gosto classicista de Reis, que assim cria a forma verbal "marcenda" ( de "marceo,-es,-ere,-ui = murchar) , e dali fez um nome de mulher e o deu à contraponto de Lídia. Se, como escreve João Gaspar Simões, "com efeito, é através de Ricardo Reis que Fernando Pessoa se aproxima de si mesmo, de si mesmo como Fernando Pessoa. E Ricardo Reis, no fim de contas, quem descobre Fernando Pessoa a si próprio", a Marcenda de José Saramago descobre-nos o namoro de Fernando e Ofélia... Mas tudo isso é mera conjetura, Marcenda é criação sua, José, tal como a Lídia que se deita com Ricardo Reis não é a musa das odes,a menos que o poeta afinal a ela também diga "Temo, Lídia,o destino. Nada é certo... / ...Fora do conhecido é estranho o passo / Que próprio damos." E em mais odes repetirá "Sofro, Lídia, do medo do destino. / Qualquer pequena cousa de onde pode / Brotar uma ordem nova em minha vida, / Lídia, me aterra." Mas esta Lídia, criada de profissão e solteira, anuncia ao homem, que é médico e pessoa de outra condição, a esperança - também chamada embaraço - que ele lhe fez. E logo lhe corta a ilusão de poder ou querer fugir do que - a ela,mais do que a ele, pois é desamparada e de humilde condição - lhe mudará o destino e a vida: " Lídia mete-se adiante e responde,Vou deixar vir o menino. Então, pela primeira vez, Ricardo Reis sente um dedo tocar-lhe o coração... ...Que é um embrião de dez dias, pergunta mentalmente Ricardo Reis a si mesmo, e não tem resposta para dar, em toda a sua vida de médico nunca aconteceu ter diante dos olhos esse minúsculo processo de multiplicação celular, do que os livros ao acaso lhe mostraram não conservou memória, e aqui não pode ver mais do que esta mulher calada e séria... ... Puxou-a para si, e ela veio como quem enfim se protege do mundo, de repente corada, de repente feliz, perguntando como uma noiva tímida, ainda é tempo delas, Não ficou zangado comigo, Que ideia a tua,por que motivo iria eu zangar-me, e estas palavras não são sinceras,justamente nesta altura se está formando uma grande cólera dentro de Ricardo Reis, Meti-me em grande sarilho, pensa ele, se ela não faz o aborto fico para aqui com um filho às costas, terei de o perfilhar, é minha obrigação moral, que chatice, nunca esperei que viesse a acontecer-me uma destas. Lídia aconchegou-se melhor, quer que ele a abrace com força, por nada, só pelo bem que sabe, e diz as incríveis palavras, simplesmente, sem nenhuma ênfase particular, Se não quiser perfilhar o menino não faz mal, fica sendo filho de pai incógnito,como eu. Os olhos de Ricardo Reis encheram-se de lágrimas, umas de vergonha, outras de piedade, distinga-as quem puder, num impulso, enfim, sincero, abraçou-a, e beijou-a, imagine-se, beijou-a muito, na boca, aliviado daquele grande peso, na vida há momentos assim,julgamos que está uma paixão a expandir-se e é só o desafogo da gratidão." Conjeturando ainda, pergunto-me --- pergunto-lhe, a si, talvez o José, desde esse assento etéreo, me responda - que mais teria feito Ricardo Reis, se Fernando não o tivesse vindo buscar para donde não se regressa tão cedo... Sei, posto que o afirma, que o médico-poeta assentiu que devia ter ficado à espera de Lídia, ali no Alto de Santa Catarina, para a consolar da perda do irmão marinheiro, o próprio Pessoa lho diz. Mas acha, afinal, que não poderia valer-lhe, a ela que dele tantas vezes cuidou. Mais sei que, ao ouvir o som dos canhões que atiravam contra o navio Afonso de Albuquerque, ele vai correndo por Lisboa, na ânsia de poder ser de algum préstimo no eventual salvamento do irmão de Lídia. E que a procura no Hotel Bragança, onde ela é serviçal, a ver se poderá oferecer-lhe apoio e conforto. Não a encontra, mas algo terá já mudado nesse monárquico, antigo aluno dos jesuítas, hoje cético dos deuses todos, que o seu neopaganismo situa num olimpo distante dos homens e onde "há só noite lá fora". O Ricardo que pensa que "sábio é o que se contenta com o espetáculo do mundo", e assim se considera, sairá afinal ao encontro do outro, desse desconhecido irmão da mulher humilde que quiçá o converteu à misteriosa capacidade do amor. Que pena tenho, José Saramago, de que não esteja agora aqui para me contar que caminhos imaginou para esse homem novo.
Ao dirigir-me tão familiarmente a si, meu Caro José, lembrei-me das hesitações de Ricardo Reis sobre o modo como tratar Marcenda na primeira carta que lhe escreve. O José resolve-lhe bem o problema: "depois de algumas folhas rasgadas achou-se com o simples nome, por ele nos devíamos tratar todos, nomeai-vos uns aos outros, para isso mesmo o nome nos foi dado e o conservamos". Nomeai-vos uns aos outros convoca esse preceito que diz "amai-vos uns aos outros", e a evocação não é gratuita, muito pouco do que o José escreve é gratuito, nem sequer os pleonasmos de que afirma não gostar mas pelos quais tantas vezes tão bem se exprime. No que tenho lido de si, há inspirações recorrentes, como se Quem o perseguisse no seu labirinto. O texto bíblico vai aparecendo,há um qualquer som evangélico que em si canta como a sombra que nos acompanha. Volto sempre a "O Ano da Morte de Ricardo Reis", ouço o poeta das "Odes" dizer a Marcenda que, ao médico que ele é e ela quer amigo, pede uma cura, um conselho, um remédio que lhe reanime a inerte mão esquerda: "Já lhe disse que não sou especialista, e a Marcenda, tanto quanto posso julgar, se está doente do coração, também está doente de si mesma, É a primeira vez que mo dizem, Todos nós sofremos duma doença, duma doença básica, digamos assim, esta que é inseparável do que somos e que, duma certa maneira, faz aquilo que somos, se não seria mais exacto dizer que cada um de nós é a sua doença, por causa dela somos tão pouco, também por causa dela conseguimos ser tanto..." E quando, cansada de adiamentos, Marcenda lhe confidencia "Já quase não acredito", Ricardo lhe dirá "Defenda o que lhe resta, acreditar será o seu àlibi, Para quê, Para manter a esperança, Qual, A esperança, só a esperança, nada mais, chega-se a um ponto em que não há mais nada senão ela,é então que descobrimos que ainda temos tudo." E o visitante Fernando Pessoa que, de vez em quando, regressa da mansão dos mortos para conversar com Reis, explica-lhe assim a diferença entre vivos e mortos: "A diferença é uma só, os vivos ainda têm tempo, mas o mesmo tempo lho vai acabando, para dizerem a palavra, para fazerem o gesto, Que gesto, que palavra, Não sei, morre-se de a não ter dito, morre-se de não o ter feito, é disso que se morre, não de doença, e é por isso que a um morto custa tanto aceitar a sua morte..." Assim também medita a Sophia que há-de regressar para buscar os instantes que não viveu junto do mar, na sua homenagem a Ricardo Reis:
"Não creias,Lídia,que nenhum estio Por nós perdido possa regressar Oferecendo a flor Que adiámos colher. Cada dia te é dado uma só vez E no redondo círculo da noite Não existe piedade Para aquele que hesita. Mais tarde será tarde e já é tarde. O tempo apaga tudo menos esse Longo indelével rasto Que o não-vivido deixa. Não creias na demora em que te medes. Jamais se detém Kronos cujo passo Vai sempre mais à frente Do que o teu próprio passo."
O mesmo pensassentimento, esse acreditar-esperar que nos persegue e nos diz que sem-remédio é só o que não amámos, surge na última carta de Camilo Maria à Princesa de... "Neste ano em que talvez me morra, nesta manhã tão cheia de sol amigo, vejo as primeiras andorinhas de uma primavera que tardou. Estou deitado, pedi que me abrissem as largas janelas do quarto,para te escrever à luz firme de um novo dia..." E recorre ao teólogo Yves Congar: "A ontologia do céu é o amor, a comunhão e a acção de graças; a da terra é a possibilidade de tudo correr melhor amanhã, a possibilidade da conversão. A ontologia do inferno é a permanência numa vida destituída de significado e esperança. Uma vez mais, Dostoïevsky tem sobre tudo isso páginas de extraordinária profundidade. " E cita passos das reflexões do monge Zózimo em "Os Irmãos Karamazov": "O que é o inferno? É o sofrimento de já não poder amar. Uma vez só, na vida infinita que não podemos medir, nem no tempo nem no espaço, foi dada a um ser espiritual, pelo facto de ter aparecido cá em baixo, a possibilidade de dizer: Sou e amo! Uma vez, apenas uma vez, lhe foi dado um instante de amor ativo e vivo, e por isso lhe foi dada a vida terrestre nos seus limites temporais." Sabe, José? Senti-o por vezes um pouco irrefletido, inutilmente injusto, quase ou até inquisitorial na perseguição, quiçá mesquinhamente raivoso. Está no seu direito, ou no seu esquerdo, é como queira, todos nós acordamos para o lado errado, hoje, amanhã ou depois. Ou temos alergias, birras, escrúpulos irritáveis, suscetibilidades. Mas talvez isso nos torne humanos, diferentes do barro inerte de que fomos feitos. E como necessariamente temos de conviver, meritório será o esforço de aceitarmos esse risco inato. É certo que, pelo espaço geográfico e o tempo histórico do mundo a que chamamos nosso,a força centrípeta que moldou tribos e estados, seitas e religiões, qual roda de oleiro, foi sempre suscitando a afirmação do poder centralizador pela exclusão do estrangeiro ou do heterodoxo, do servidor escravizado ou do hereje perseguido... Por isso, ao longo de gerações de seres humanos, alguns clamaram que o poder político e as religiões eram fautores de injustiça e guerra. Ceifadores da fé e da esperança, porque o objeto destas é o amor que prometem e podem ir realizando. Talvez o José Saramago pudesse ter amado mais, se não tivesse sentido o espinho do desamor, esse falhanço de uma promessa que outros tornaram engano. Ou talvez não, ou, quiçá, pudesse e devesse amar mais, mesmo sem essa frustração. Não sei. Nem tenho de saber. Sei, sim, pensossinto, que amou muito. Sem excessos de romantismo nem baboseiras eróticas ou beatas, quantos outros escritores terão falado das mulheres (da Mulher que há em todas) com a atenção, a veneração natural e sensível, a misericórdia (que, só ela torna visível, entre nós, o amor de Deus)? E termino esta com mais um texto seu,este respigado de "O Evangelho Segundo Jesus Cristo", sobre o qual me sobra ainda muito para lhe dizer. "Tendo sido Maria Madalena, como é geralmente sabido, tão pecadora mulher, perdida como as mais que o foram, teria também de ser loura, para não desmentir as convicções, em bem e em mal adquiridas, de metade do género humano. Não é, porém, por parecer esta terceira Maria, em comparação com a outra, mais clara na tez e no tom do cabelo, que insinuamos e propomos, contra as arrasadoras evidências de um decote profundo e de um peito que se exibe, ser ela a Madalena. Outra prova, esta fortíssima, robustece e afirma a identificação, e vem a ser que a dita mulher, ainda que um pouco amparando, com distraída mão, a extenuada mãe de Jesus, levanta, sim, para o alto o olhar, e este olhar,que é de autêntico e arrebatado amor, ascende com tal força que parece levar consigo o corpo todo, todo o seu ser carnal, como uma irradiante auréola capaz de fazer empalidecer o halo que já lhe está rodeando a cabeça e reduzindo pensamentos e emoções. Apenas uma mulher que pudesse ter amado tanto quanto imaginamos que Maria Madalena amou poderia olhar desta maneira..." Noutra carta, José, lhe falarei do seu curioso materialismo,ou de como a poesia (ou lá o que é) escapa à consideração positivista da natureza. Pensandossentindo essa luz guardada na tijela cheia de terra que o anjo-mendigo deixou a Maria e José de Nazaré. E se nesse assento etéreo abraços desta vida se consentem...
Este é um ano de cansaço. Verdadeiramente é um ano muito velho.
Este é o ano da necessidade.
Durante quinhentas semanas estive ausente dos meus desígnios,
depositado em nódulos e silencioso até à maldição.
Enquanto durou, a tortura pactuou com as palavras.
Agora um rosto sorri e o seu sorriso deposita-se sobre os meus lábios,
e a advertência da sua musica explica todas as perdas
e acompanha-me
Habla de mí como uma vibración de pájaros que
Hubiessen desaparecido y retornassen;
Fala de mim com lábios que ainda respondem à doçura
de umas pálpebras.
Antonio:
Eu sou Luni, e quando fui roubada ao mundo encontrei um trilho formidável quando eu própria nem sabia a minha idade verdadeira. Agora ainda me pergunto: como devo fazer as contas às luas que já vivi? As linhas do meu corpo pouco me dizem e ontem tive de sair de mim para me olhar. He cessado en la compasión porque la compassion me entregaba a príncipes cujas medallas se hundían. Segui o segredo que me deste, e agora Antonio, que verdade existe no ventre das pombas? Pois sou Luni, e já reentrei em mim para me ver por dentro e, senti ao fazê-lo, que duas mãos me cercavam a nuca, recanto de mundo como dizes e , ainda assim, propício à vida, o quererás sempre: disseste. No entanto se me levantares a túnica encontrarás um corpo ou uma pergunta? No he de responder sino reunirme. Todos los gestos anteriores a la deserción están perdidos en el interior de la edad. Luni, minha amada e doce Luni, alguns aprenderam a viajar com a sua mordaça e esses foram hábeis e descobriram um país onde a traição não é necessária: um país sem verdade. Cuál es mi verdad? Quién há vivido en ella fuera de la dominacion? Pois não sei. Não sou a tua mestra mas sim a tua profundidade, mi corazón, temible en la dulzura. Eu sei, eu soube, eu saberei que se entrelaço as minhas mãos nas tuas experimento o destino-sinal da tua força a segurar-me no que me ronda. Antonio?, de que mundo parti? Luni !, que cada dia tem o seu metal, cada delinquência a sua misericódia y la sonrisa de los torturados. Mas que hora é esta que te quero dar resposta e me cresce a vertigem? Luni
Crê
Yo acudiré com mi vergüenza.
Teresa Vieira
Sec.XXI
PS A alma tem vértebras quando quer propor um livro.
Tal como aqui temos escrito, realizou-se no passado dia 17, no Centro Nacional de Cultura, o Jornal Falado sobre Almada Negreiros, com intervenções de Guilherme d Oliveira Martins, de Paulo Henriques e de mim próprio. As evocações foram evidentemente formuladas num registo critico-historiográfico da obra de Almada, e tanto há a dizer: mas foram também efetuados num registo pessoal, de conhecimento e de análise critica.
E assim se processou, perante uma sala cheia, um conjunto de intervenções, analises e evocações em que cada um exprimiu ideias e sensibilidades sobre a obra de Almada: e o que mais se destaca sempre é obviamente a capacidade criadora de Almada, mas também, e particularmente nesta sessão, a abrangência criativa do próprio Almada que marcou a cultura e a arte portuguesa na pintura, na literatura e no teatro.
Também obviamente se destacou o pensamento marcante, extraordinariamente lucido e original, do que poderemos referir e qualificar como filosofia da cultura e da arte. Almada filósofo - e porque não, na elaboração de princípios e raízes de pensamento estético que, repita-se, desenvolveu ao longo de uma constante elaboração teórica direta - textos, livros, conferencias notáveis em si mesmos, e onde encontramos a lucidez e a criatividade das manifestações artísticas diretas - e tantas foram!
Hoje trago aqui alguns extratos dessa filosofia da arte e da cultura, elaborada por Almada Negreiros através dos escritos numerosíssimos que nos legou.
Assim por exemplo:
“O conhecimento geral que a humanidade tem das coisas comuns, como por exemplo a própria ideia de humanidade , da sociedade e do individuo, a ideia do espaço e do tempo; a ideia geográfica da terra; a nomenclatura das coisas, das suas utilidades e propriedade; a ideia da vida e da morte; a ideia de Deus, de Pátria, de Família, de Religião, de Ciência, de Arte, etc, são funções da palavra teatro”…
Este texto, na sua profunda singeleza, identifica-se com referências que melhor caracterizam o pensamento de Almada no plano estético geral, mas mais especificamente no conceito do teatro como forma de comunicação. E vem a propósito outra citação que tenho invocado, esta sim, escrita no contexto de uma reflexão sobre a representação e o espetáculo:
“É bem conhecida a facilidade com que os palhaços se fazem entender pelo público, e pena é que eles não saibam mais coisas para no-las dizerem daquela maneira tão agradável. Se eles soubessem tanto como os sábios, nós todos passávamos a ser sábios por termos aprendido com os palhaços. Mas infelizmente os sábios não sabem dizer o que sabem, e os palhaços sabem, mas não sabem nada”.
No Jornal Falado do CNC, cada um de nós analisou aspetos diversos da obra e do pensamento criador de Almada. E ressaltou, uma vez mais, as características salientes da sua obra: a diversidade, pois foi pintor, escritor, dramaturgo poeta, conferencista e até, na sua juventude, ator; a modernidade, foi em todas estas áreas da criação artística e intelectual, extremamente inovador e ainda hoje é “vanguardista”, palavra que muito se usava na sua época, hoje menos, mas que, aplicada a Almada é rigorosamente aplicada; a influencia, na medida em que esteve ligado a todos os movimentos de renovação artística e cultural do seu tempo, e foi o único que, com este altíssimo nível, esteve em todos eles e em todas as expressões e criações.
A valsa é uma singular dança que exige espaço, muito espaço até, quando tomada no estilo fino dos esplendores da Bismarckian era. O volteio austríaco tem encanto, cadência e passos vitais. — Mais non! Pas les finasseries de Monsieur Von Treitschke. O país pioneiro da industrial revolution acaba de contratar a construção de dois reatores atómicos aos franceses do Grupo EDF e aos seus parceiros asiáticos, os engenheiros da Chinese nuclear revolution. O debate tornar-se-á algures radioativo, mas abre desde já uma alternativa a famosa política das renováveis cujas wind farms tanto destroçam a linha do horizonte, quanto pesam nas faturas mensais das empresas e famílias. Downing Street eleva assim a fasquia competitiva do UK na global race. Sobretudo, em tempos de austeridade, o Hinkley Point C voa sobre fronteiras e estimula o crescimento económico. — As a gentleman would say, the movement is all in the box! Entretanto, no vizinho St James Palace e na capela real onde em 1840 se celebrou o casamento da Queen Victoria, é amanhã batizado o Prince of Cambridge como George Alexander Louis.
No cânone austeritário também se investe, e forte. O statement ontem feito na House of Commons pelo Secretary of State for Energy, Mr Edward Davey, indica que o UK construirá em Somerset nos próximos anos uma novérrima central nuclear. Para o governo esta é a via eficiente para reduzir as emissões de carbono na atmosfera e pressionar a descida dos valores da eletricidade e do gás vitais ao bem-estar e saúde económica do país. Mais até: O projeto atrai o investimento estrangeiro, relança uma estratégica fileira industrial e visa garantir a sustentabilidade da autonomia energética. O acordo envolve 25,000 empregos e ascende aos £2 billion, sob financiamento privado e subsídio público ainda a submeter a delicada aprovação da União Europeia. O seu calcanhar de Aquiles é um preço-garantia do megawatt a 35 anos que ainda fará correr aceso debate em Westminster.
Trata-se de alta risky choice de Mr Dave Cameron, mas tem fundamento e visão maiores. As reservas nacionais estão em mínimos históricos e a desconfiança grassa no público em torno dos números mágicos das contas energéticas, os quais motivam a proposta de congelamento dos preços pelo Labour Party e multa milionária a companhia escocesa: £8.5m penalty por misleading customers. Se a hostilidade dos capitalistas à competição é intrigante, já a Royal Academy of Enginering advoga em relatório uma holistic strategy for UK energy management, encompassing the whole system of generation, supply and use. Aliás, a dimensão do problema revela-se na escalada da resposta política. A decisão rasga com os temores de Three Mile Island (1979), Chernobyl (1986) e Fukushima (2011), os acidentes que abalam o cientismo no átomo, levando ao seu abandono pela França e pela Alemanha. O regresso britânico ao nuclear power surge 20 anos após o “sim” à central de Sizewell B (1992) em Suffolk.
Algo diferente promete outra poderosa divisão das águas. Joanna Trollope editou por aqui uma versão de Sense & Sensibility (1881). O livro insere-se num projeto de refazer o imaginário austenista no século XXI. — Well! It is a truth universally acknowledged that someone in possession of the ambition to rework Jane Austen, must be in want of a great courage.