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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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O CONDE DE MONSARAZ NO CENTENÁRIO DA SUA MORTE

Lembrar aqueles que de algum modo alcançaram uma certa relevância na literatura em Portugal não é tarefa a que entre nós nos dediquemos habitualmente. Mesmo vultos do nosso tempo, que atingiram uma grande dimensão num passado recente, quantas vezes deixam rapidamente de ser estudados, recordados e lidos, mal desaparecem do mundo dos vivos. Por isso, não é de espantar que a passagem de efemérides relativas a escritores muito anteriores aos nossos dias não seja motivo de evocação, deixando-se perder completamente na memória a sua existência e mais ainda a sua obra que, mesmo quando datada e hoje fora de moda, não mereceria ser de todo ignorada como parte, pequena que seja, da história da Literatura Portuguesa.

Neste ano de 2013 completaram-se cem anos sobre a morte de António de Macedo Papança, que ficou conhecido literariamente como Conde de Monsaraz. Nascido em Reguengos de Monsaraz em 1852, filho de um abastado lavrador alentejano, estudou leis em Coimbra, foi Deputado pelo Partido Progressista, Par do Reino, Embaixador ao Congresso da Paz de Paris de 1900, Sócio da Academia das Ciências de Lisboa e da Academia Brasileira de Letras e recebeu os títulos de 1º Visconde e depois de 1º Conde de Monsaraz. Monárquico convicto, abandonou Portugal após a proclamação da República em 1910, tendo-se fixado na Suiça e depois em Paris, de onde em 1913, no próprio ano da sua morte voltou, já doente, para Lisboa, regressando à sua casa na Rua Victor Cordon, com uma magnífica vista sobre o Tejo, que fora cenário de grandes saraus literários antes do seu exílio voluntário, onde recebia como homem encantador que era e gozando de largo prestígio nos meios mundano, político e intelectual.   

Durante o período em que Camilo Castelo Branco viveu em Coimbra, em 1875-1876, alguns jovens académicos conviveram com ele, entre os quais Macedo Papança, Nunes da Ponte, Gonçalves Crespo e Teixeira de Queiroz. Sobre o primeiro, escreveu  Camilo  que “Macedo Papança faz que um leitor sério se deixe ir atrás das tranças soltas, e da espádua nua, e do desnalgado requebro da poesia moderna” e, em carta ao jovem poeta de raiz parnasiana, inspirado no exemplo  de João Penha, referiu que “tem V.Exª.  o condão de ser bom e amorável no meio dos seus satanismos poéticos”.  Apesar destas críticas, Camilo tinha pelo futuro Conde de Monsaraz grande simpatia e intimidade, que lhe permitiu dedicar-lhe un soneto satírico a propósito de Macedo Papança ter feito na récita dos quintanistas de Direito de 1976 o papel de Tomásia, a  ingénua da peça Fígados de Tigre de Francisco Gomes de Amorim:

Destes reis da Etiópia, Arábia e Ásia / Detesto cordialmente a realeza: / Mas dobro o joelho a ti, loira princesa, Doida cocote, lúbrica Tomásia. // Não lembras de Romeu a doce amásia; / Mas fazes recordar certa Teresa / Que, em banzés de Paris, mantinha acesa / A lascívia que faz perder Aspásia. // Quem te pôs nesses olhos requebrados / O dardo cupidíneo com que feres /

Uns peitos já senis e encouraçados? // Tu és hermafrodita quando queres; / E na farsa dos “Fígados danados” / És mulher mais mulher do que as mulheres”.

 

Nas suas Telas Históricas, publicadas em 1882, antecedidas pelo livro Crepusculares, de 1876 e pelo  poema  Catarina de Ataíde, de 1880,   Urbano Tavares Rodrigues reconhece-lhe  ter dado “ provas exemplares de um talento fácil de metrificador”  em “versos inspirados aliás por um respeitável fervor patriótico”,  embora em sua opinião  “de exímia mediocridade”, em contraste  com o seu último volume de poesias, Musa Alentejana, de 1908 , “que lhe confere realmente um lugar entre os poetas que se fizeram eco de uma terra”, sendo “na própria expressão da terra, da sua força e divina quietude, que o Conde de Monsaraz consegue os seus melhores efeitos poéticos”, através dos quais se comunicam “o sortilégio do som na amplidão” e “a magia dos intensos poentes” (Dicionário de Literatura, direcção de Jacinto do Prado Coelho, 2º volume, Livraria Figueirinhas, Porto, 1979).

Já antes, Augusto de Castro observara que foi ao chegar a Lisboa que o poeta “regressou ao drama da terra, à écloga da sua província, à alma das charnecas e dos montados, à graça matinal das azinhagas em flor. Foi na época dourada da sua existência que ele sentiu melhor a humilde gestação do seu povo, o divino crepúsculo dos horizontes de sobreiros e de giestas em que nascera. Foi então que nele surgiu o admirável poeta regional que ia criar o lirismo alentejano e lhe ia dar o lugar que lhe compete, como um dos clássicos da nossa poesia moderna” (Mestre Outono, Pintor, Bertrand, Lisboa, 1957).

E António Sardinha, alentejano de Monforte que seguiu na sua pegada como autor de poemas de cunho nacionalista e de temática regionalista, escreveu no prefácio da Musa Alentejana que “é no fim da existência que ele se liberta das imposições canónicas do seu parnasianismo exigente e nos deixa não o testemunho de uma sensibilidade, mas o hino de força, que é bem o pregão dum forte temperamento na posse de si mesmo”.

Do Conde de Monsaraz, aqui se deixam três poemas característicos da sua vasta obra.

O primeiro, o soneto Reguengos, evocativo da sua terá natal.

 

Inverno, manhã cedo. A luz que banha / A paisagem é gélida e cinzenta; / A vaga pompa do cenário ostenta / Ao largo, as serras húmidas de Espanha. // Hortas, vinhedos, e a carcaça estranha / De Monsaraz, numa ascensão violenta; / A erva tenrinha os pastos apascenta, / Que em tons de bronze a terra desentranha. // E eu olho a paisagem dolorida, / Testemunha que foi da minha vida, / Povoada agora de visões errantes… // Eu olho-a e dentro da minha alma afago-a, / Que os seus olhos longínquos, rasos de água, / São hoje os mesmos que me olharam dantes.

 

O segundo, Recordações, é um poema em que se manifesta, como em outros, a sua preocupação com os desfavorecidos da sorte.

 

Dias e noites da minha aldeia, / Noite de lua, dia de sol, / Mares de trigo que o vento ondeia, / Ingénuo rio que o mar engole. // Velhas charnecas de azinho e esteva, / Turibuladas de rosmaninho, / Onde altas horas ninguém se atreva, / Que as bruxas andam pelo caminho. // Montes e vales, rochas fragueiras, / Hortas, vinhedos, noras cantantes, / Medas de palha junto das eiras, / Onde em pequeno brincava dantes. // Maltês sem rumo, quero trabalho; / Eis-me no alpendre: “Bom lavrador, / Chove água a potes, dá-me agasalho, / Quem bem semeia colhe melhor. // Ando no mundo desamparado, / Foi para isto que ao mundo vim; / Tens muito trigo?... toma cuidado, / Se queres tê-lo, tem dó de mim!”

 

Por último, em Miserere, surge a poesia de pendor patriótico, que reflecte o sentimento de decadência nacional que ciclicamente se apropria do colectivo português, como actualmente acontece.

 

Ai, povo português, que entre os mais povos / Foste heróico, e sublime, e egrégio outrora, /

Quando entre o batalhar das raças fortes, / Da guerra entre o rugir das tempestades, / Peito a peito lutando, braço a braço, / O olhar em fogo e os lábios espumantes, / Erguias o estandarte vitorioso / Na negra dentadura das muralhas / E fazias flutuar as santas quinas / No espaço azul das glórias que não morrem. // Ai, povo português, povo maldito, / De sangue envenenado, que circula / Nas veias duma raça decadente, / Que de sonhos esplêndidos desperto, / Acordado no charco onde apodrece / A carne vil dos povos condenados, / Embalde tentas, num impotente esforço / Ser digno dos avós que te ilustraram / E que da escuridão da morte fitam / O duro olhar na tua decadência. // Ai, povo português, que choras, gemes / E soluças na dor que fibra a  fibra / Convulsiona o teu ser abastardado . / Ao Céu erguendo os olhos rasos de água, / Imploras, desgraçado, o sangue novo, / A alma nova, que insuflada em estos / De arrojo e de bravura, revigore / Em ti o teu passado deslumbrante; / À força dos teus músculos de ferro, / A viva fé que enchia os olhos castos / Dos velhos Portugueses que lutaram / Sobre os oceanos e nos campos de batalha, / Onde com sangue e lágrimas teceram / Os versos de oiro, as rimas deslumbrantes / Das tuas epopeias imortais. // Ai, povo português, que Deus te salve / E, se puder, que os nossos peitos encha / Dessa luz, dessa fé consoladora, / Que as nuvens do futuro dissipando, / Entre de vez no mundo das estrelas… /  Luz que ilumine as páginas da História / E vá com estrelas escrever os feitos, / Exaltar tantos rasgos de bravura, / Que entre os povos da terra o mundo espantam! // Raça de heróis, que Deus se compadeça / De ti e te resgate a Providência.

 

Mário Quartin Graça

LÁ LONGE É BEM PERTO…

 

Minha Princesa de mim:

 

Vens estranhando, dizes, o meu silêncio. Porquê? Silêncio é silêncio. Nem meu nem teu, nem de ninguém. Só silêncio. É verdade que sinto, muitas vezes (exagero?) a minha ternura ferida nesse arame farpado que, para te protegeres, ergueste. Talvez por isso me aconteça evitar-me-te, mas isso nunca foi investimento a prazo. Ainda te disse "um dia terás saudades minhas"... Asneira! Nada ganharia eu só com teres saudades minhas. Ganho mais abrigo à sombra deste mistério onde um carinho invisível conforta o coração fiel. Respeito imenso - sabias?- esses encontros que acontecem na fidelidade do coração... Quem os sente, sabe. Ou vai aprendendo a dor na alegria, e vice-versa. Hoje, ao nascer do sol, saiu-me esta (quadra?) que me deixou feliz (porque sei e não sei o que ela diz...):

                                                                                                                                                              Como se a manhã acordasse

                                                                                                                                                              e eu lhe estivesse dentro

                                                                                                                                                              dentro e fora do tempo

                                                                                                                                                              onde nasce o dia...

   Como ontem,ao deitar-me sentindo a "Verklärte Nacht" do Schönberg, assim meditava:

                                                                                                                                                              Soltem-se as florestas e caminhem

                                                                                                                                                              em busca do chão onde a luz

                                                                                                                                                              se funde no silêncio

                                                                                                                                                              e fica quieta

Uma cuidadosa amiga minha observou que estas divagações seriam "haikai" com mais de três linhas... Ou foste tu que o disseste? No retrovisor, vejo agora que estão ali uns versos livres e desligados que Bashô, o mestre do "haiku" talvez apreciasse: mas em qualquer caso são mais de três e contam, juntos, muito mais de dezassete sílabas por poema. Mas concordarei contigo  - e não tinha dado por isso  -  em que são muito japoneses na inspiração: uma contemplação,um despojamento de mim,esse inesperado sentimento vindo do interior do silêncio, do mistério de um momento de comunhão com a natureza. Só que eu não sou poeta, ainda que me aconteça escrever umas linhas a que talvez se possa chamar versos. Nem sequer me envergonho de ver que nenhum dos que escrevi se podem comparar a estes do Matsuo Bashô:

                                                                                                                                                              "escurece o mar

                                                                                                                                                               os gritos dos patos

                                                                                                                                                               são timidamente brancos"

Assaltam-me memórias de amigos que morreram nestes dias e notícias de muitos outros que hoje se debatem com a fraqueza da saúde, a usura da idade e a proximidade de desfechos fatais,alguns bem dolorosos. Muitos dos meus "velhos" amigos já partiram, alguns bem novos, outros sempre jovens. Fazem-me falta,quiçá também por senti-los sempre tão presentes. Sinto-os sobretudo num sonho feito de muitos sonhos que quisemos construir juntos, com militante cumplicidade. Com o esvaziar-se a minha paisagem presente, cada vez mais me chama o isolamento do campo, como permanência antecipada na vida que me espera nesta estrada, depois da curva da morte. Vida já diferente daquela em que, por tantos anos, tantas coisas me agitaram...  
  

Camilo Martins de Oliveira 

Sonhei que me tinhas escrito uma carta, e que ao abrir o envelope, abria-se uma janela que dava para o mar.

 

Amada Luni:

Quero crer que a tua felicidade é em mim a perfeição a que tento aceder. Sei que sem o teu sorriso, a dourada estrela que me acorda, deixa de me interessar. Sem a tua alegria, sou um homem moído de pensamentos ásperos como a velhice imposta sem que o deus mande. Sou, a um tempo, a dar-te a mão para receber as folhas das flores que crias nos amores, e com elas me deleito pois que estou lá. E a outro tempo sou um desfecho sem muito para te ofertar.

Luni, minha querida, minha muito querida que de ninguém és, sendo.

Queria tanto que me colhesses entre a alquimia do som da poesia; da tinta da poesia; do único passo para mim evidente, que, o melhor de ficar vivo, é morrer junto ao teu peito, com uma saudade de ti tão imensa que me chegue ela, qual doença destroçadora de nós fragmento, e tanto me baste.

Piedade do céu? Por tua luz venci a treva. Que cegueira me trouxeram tantos anos? E não temer o fim não é valentia.

Luni, curso de los años en un dia. No sabe qué es amor quien no te ama.

Luni, rainha do meu aguardar-te, perdoa!, que me deste e dás doados  dias-primavera que não sei retribuir. Mas vem, aceita esta carta minha. Vem, abre o envelope, se noutras ocasiões sentiste a minha voz e me deste ouvidos. Trago-te, do céu, o mar através do ar, e tu, ó bem-aventurada, aceita-o e vai. Saberei que foste por teres vindo até mim, e que cumpriste o que o meu coração desejava ver cumprido, não querendo.

As brisas sopram, suave amante amada. Chamam-te as maresias. Aí, no teu quarto deves tomar em taça de ouro, tudo o que te salva de seres amada por mim ou por quem. Que jamais alguém te cause sofrimento. Tenho armas, crê, tenho armas e para te defender as terei sempre. Tenho também veloz mensageiro. É forte. É o mesmo que me recorda as coisas belas que experimentámos, as entretecidas grinaldas com flores em redor do teu perfume, das tuas ancas, dos teus olhos, num bosque de dança e canto, sobremaneira: amor.

Só não posso olhar-te agora, nem de relance. Saberás que deixaria de falar?, ou que te pediria que te lembrasses de mim amiúde?, ou que te impediria mesmo de seguires o meu conselho nesta carta?, que fecharia o envelope e dentro dele nada, nada, mas nada te diria, para ires mar dentro, ou não soubesse eu que conseguirias lá chegar

creando luz.

Y ahora  sé que la belleza no necesita ser pensada. No toques, Dios, mi corazón impuro: éste es un tren de campesinos viejos,

un día, no sé cómo, llego a mí.

 

Teresa Vieira

Outubro 2013

Sec. XXI

“FERNANDO AMADO E JOSÉ DE ALMADA NEGREIROS - A CONVERSA DO DIA SEGUINTE”

É este, rigorosamente, o título da comunicação apresentada por Ana Maria Freitas, professora da Universidade Nova de Lisboa, no Colóquio Internacional sobre Almada Negreiros, a que já fiz referência na última crónica, e a que tenciono voltar. O Colóquio constituiu na verdade um muito interessante conjunto de comunicações, estudos e debates sobre Almada, a sua arte e a sua época, que merece ainda vasta reflexão.

No caso concreto que hoje nos ocupa, Ana Maria Freitas abordou, precisamente, a colaboração artística e cultural de Fenando Amado e Almada, através da vasta correspondência de Almada Negreiros, conservada no espólio: trata-se de um acervo, vasto e variado, com escritores, artistas e individualidades do meio cultural, mas também com entidades oficiais, designadamente no que respeita às encomendas e aos projetos respetivos.

No caso concreto da correspondência com Fernando Amado, está-se perante uma óbvia situação de colaboração artística, de ponderação e debate sobre cultura e arte, mas também de uma expressão de velha e sólida amizade, como aliás aqui tenho referido e que tantas vezes testemunhei.

Citamos aqui parte do texto referente à comunicação de Ana Maria Freitas:

“As cartas trocadas com Fernando Amado, objeto de análise mais atenta, constituem um diálogo continuado, onde a troca de ideias, a confissão de pontos de vista mais privados, e a discussão aberta de questões marcantes prolongam, de forma mais estruturada e ponderada permitida pela escrita, a conversa de um serão familiar ou das tertúlias na Brasileira do Chiado”.

 Tenho aqui citado o “Diálogo entre Almada e Fernando Amado”, designadamente a partir da recolha intitulada “A Boca de Cena” (prefácio Vítor Silva Tavares - 1999), que remete para a revista Cidade Nova (Coimbra 1951). Na edição da Obra Completa de Almada (organização Alexei Bueno, prefácio de José Augusto França - 1996 - ed. Nova Aguilar - 1999) assinalam-se o texto citado e mais dois textos de Fernando Amado sobre Almada publicados nas revistas Variante (1943) e Panorama (1947). Mas há muito mais referências, que iremos citando a propósito de um e de outro destas dois artistas, amigos e colaboradores durante décadas.

E basta lembrar A Casa da Comédia, o Deseja-se Mulher e a colaboração no Centro Nacional de Cultura, que também aqui temos tanta vez referido… 

 

DUARTE IVO CRUZ

LONDON LETTERS

JFK and The Lion, 1937-39
 


A capacidade de unir um povo, ancorar uma nação nos valores ancestrais dos pais fundadores ou genuinamente interessar-se pelas pessoas além da tribo não é algo ao alcance de todos. Exigirá filigrana de qualidades humanas, decerto de liderança, mas requer ainda a rara alquimia do poder com o saber em nobre laço de comum responsabilidade. O US President John Fitzgerald Kennedy (1917-63) personifica a esperança progressiva da geração do pós-guerra, ao alargar os horizontes da segurança atlântica com um patriotismo universal, lado a lado com a admirável centelha de “I Have a Dream” do Dr. Martin Luther King Jr. — A chaque saint son cierge! São suas algumas das palavras eloquentes do XX Century, a exemplo de leis como o Equal Pay Act ou a visão política que conduz ao Civil Rights Act de1964 e ao Voting Rights Act de 1965. Afronta o mais perigoso duelo da Cold War; naufraga no Vietnam. Paga o desígnio com a vida. — Lion-skins are never cheap. O 50th anniversary do dramático assassinato em Dallas revisitou agora o mito democrata, sem olvidar a etapa de West Berlin onde afirma “Ich bin ein Berliner”. Raramente dito é que JFK assiste in loco à sucessão de eventos que conduz à II Guerra Mundial e um dos postos de observação é a Strangers' Gallery na House of Commons. O primeiro livro do 35th President dos United States of America dialoga até com uma famosíssima antologia dos discursos de Sir Winston Churchill nos anos de Cassandra.

O tirocínio político de ‘Jack’ ocorre na Europe dos 30s. Segundo as páginas do diário pessoal, é em 1937 que viaja na primitive France, pára na cruel Spain e observa a liveliness de Italy. Várias vezes atravessa depois o Atlantic ocean, anotando a crescente preocupação sobre ”the likehood of another war”. Em December, o President Franklin D Roosevelt nomeia o pai como embaixador em London. Aqui assiste à exigência de Herr Adolph Hitler quanto às Sudetenland e à aquiescência britânica para impedir novo conflito militar. Com o acentuar das divisões nas chancelarias, desloca-se à Germany e chega a Kiev. O filho de Mr Joe Kennedy Sr circula por restritos corridors of power, lê telegramas secretos, dialoga com protagonistas ao mais alto nível e assiste aos acesos debates nas Houses of Parliament. Em 1939 conhece o King George VI, a Queen Mary e a Princess Elizabeth. Neste ano regressa a Rome, para a First Communion do irmão Teddy, com a família de Boston a receber sacramentos em missa privada pelo Pope Pius XII. Já em Berlin escreve ao pai sobre os planos nazis de anexação da Poland e elenca os pontos de vista sobre o rumo dos international affairs. A September 3 ouve Sir Winston ao vivo em Westminster. Daqui resulta a obra espelho de Arms and Convenant, cuja edição americana adota como título While England slept (considerado mais vendável que humorada alternativa da “Cassandra of the Commons” sobre as qualidades soporíferas da flor de lótus). Sendo uma tese escolar, Why England slept tem como tema central o Munich Agreeement e a road to war na ótica do estudante de Harvard.

O US President John Kennedy atribui a American citizenship ao UK Prime Minister em 1963. Antes dele só tal sucede com o Marquis de Lafayette, o herói francês da American Revolution. A resistência churchilliana nos anos difíceis marca o statesman e as suas políticas, e o irmão Robert Kennedy deixa até uma cópia autografada do Never surrender speech no seu gabinete governamental quando é morto. — Because, at the end of the day, every why has its wherefore.


St James, 26th November

 

Very sincerely yours,

 

V.

A VIDA DOS LIVROS

Guilherme d'Oliveira Martins  
de 25 de novembro a 2 de dezembro de 2013
 


"Tempo da Música, Música do Tempo" de Eduardo Lourenço (Gradiva, 2012), com organização e prefácio de Bárbara Aniello, acaba de ser agraciado com o Prémio Jacinto do Prado Coelho de ensaio do Centro Português dos Críticos Literários – que assim reconhece um notável conjunto de reflexões pessoais sobre o fenómeno musical e o seu significado na criação artística.



REFLEXÕES DE GRANDE SENSIBILIDADE
A obra reúne 212 reflexões, escritas entre 1948 e 2006) sobre música e arte, que estavam dispersas em folhas avulsas, em agendas de bolso, páginas soltas ou juntas, algumas encontradas dentro de livros, que Barbara Aniello foi juntando, inventariando e catalogando no espólio do ensaísta. Numa reflexão emblemática sobre o tema, o ensaísta escreveu: «Certamente se um dia voltar para Deus, a nenhuma outra coisa o deverei senão a estas estradas de uma melancolia lancinante que, desde o canto gregoriano até Messiaen, devoram em mim o sentimento da realidade do mundo visível». A leitura desta obra inesperada deixa-nos porventura ainda mais cientes da importância fundamental de Eduardo Lourenço na moderna cultura portuguesa. Agora se entende por que razão compreendeu premonitoriamente tantos domínios nos quais poucos se puderam aventurar. E é na poesia e no seu entendimento que o ensaísta revela especial pujança. O seu ensaísmo é, assim, uma maravilhosa utilização das palavras, no seu genuíno uso poético. E só o elevadíssimo sentido musical pode levar a perceber muitas das suas geniais intuições e premonições. A genialidade de Camões compreende-a por um saber universal que se associa ao domínio dos ritmos, das cadências e das palavras. A força de Antero de Quental vem de uma capacidade única de ligar a sensibilidade às ideias modernas. A diversidade de Fernando Pessoa permite ultrapassar as leituras lineares de quantos não entendiam plenamente a desmultiplicação de atitudes, de estilos e de tempos que obrigava necessariamente a interrogar os mitos através da crítica. Nesse sentido, Eduardo Lourenço está na convergência entre a herança dos românticos (como Garrett e Herculano) e dos realistas (da Geração de 1870) e o apelo dos simbolistas e dos cultores críticos dos mitos do «Orpheu». Ciente da crítica emancipadora dos mitos da geração de Antero, o autor de «O Labirinto da Saudade» pôde chegar à sua desconstrução, ligando-os ao que designa como psicanálise do destino português, que procura ir além da visão agónica do «sentimento trágico da vida» de Unamuno, e do vitalismo orteguiano, completando-os numa espécie de otimismo trágico que sintetiza o romantismo de Garrett, o culto do movimento e da evolução de Antero e a interrogação moderna de Pessoa. «Inicialmente relutante (confessa Barbara Aniello), E.L. não queria tornar público um material tão ocasional e fragmentado, declarando-se um simples amador. Todavia, deixou-se convencer de que não é o seu rigor musicológico que se pretende aqui testemunhar, mas o lado intuitivo, arguto e iluminante de um pensador que respondeu por completo a todos os apelos da sua vocação estética. Assim, ao lado da Literatura, da Arte, do Cinema, estas páginas sobre Música são um “pretexto”, no sentido etimológico do termo “encobrindo” o verdadeiro tema, fio condutor de toda a obra lourenciana: o Tempo». Sim, é desse mistério do tempo, revelado por Agostinho de Hipona, que Lourenço sempre trata, procurando descobrir respostas sobre o seu significado.


ALGUMAS PASSAGENS
Neste ano em que se recorda Proust e «Du Côté de Chez Swann», vem à baila: «Tal como a madalena, o instante proustiano não é alimento, mas o relâmpago que desmarca o esfomeado escondido, este “ser que não aparecia senão quando por uma dessas identidades entre o presente e o passado, ele podia se encontrar no único meio onde ele pode viver, gozar da essência das coisas, quer dizer, fora do tempo»… De como uma madalena, a doçura de um bolo, pode levar à invocação da compreensão do que está fora do tempo. E noutro passo: «Enquanto escrevo sobre Kierkegaard estou ouvindo uma música de Beethoven. As vozes perseguem-se num crescendo poderoso, arrependem-se, volvem, sobem, insistem, o grito faz-se mais grito, alonga-se, repete-se, ultrarrepete-se, grita ainda mais, como um grito que não procura Deus, mas a si mesmo se contempla e persegue como grito. Um movimento humano semelhante ao final da nona sinfonia» (1952). E como difere de Reis o A. de Campos? Eduardo vai buscar um exemplo musical: «Como um scherzo molto vivace difere de um largo na mesma peça de Chopin (da Sonata em si menor nº 3)». E sobre «Jeanne d’Arc au Bûcher»? «Fosse eu chinês, fosse eu, em verdade, descrente, a simples dimensão humana de um destino, que aceitou a morte por saber que “Deus é o mais forte”, ter-me-ia reduzido àquele ponto obscuro, nulo e liberto que fui hoje» (1953-2013)… «Só quando amei através das lágrimas amei como amo a música» (1953). E sobre Lohengrin: «como se compreende a explosão de Nietzsche ouvindo esta longa não velada oração a um deus vago mas mais poderoso ainda que o seu Deus morto» (1955).


A FASCINAÇÃO DA MÚSICA
Ao receber o prémio, Eduardo Lourenço lembrou que, perante a presente crise, tem de haver saída e sinais de determinação e de vontade. Um povo antigo não baixa os braços, não renuncia ao espírito crítico. Esperança não se pode confundir com ilusão, mas deve compreender o sonho, que há muito o ensaísta procura. E Pedro Calderón de la Barca revela uma chave, para podermos conhecer-nos e ao mundo, – em «La Vida es Sueño», Segismundo, filho renegado de Basílio, rei da Polónia, está fechado numa torre, desde que nasceu, e apenas comunica com o mundo (numa nova alegoria platónica) através do seu guardião, Clotaldo, fiel servo do pai… A música é uma via de iluminação: «A fascinação da música reside no facto de ela tornar a palavra humana uma decadência e uma degradação. Ser homem torna-se então uma melancolia» (1955).

Guilherme d'Oliveira Martins

NASCER É UM REGRESSO?

 

Minha Princesa de mim:

 

Enigma seria eu me ter esquecido de tão bizarra forma de tratamento: "Minha Princesa de mim"... é fórmula tão enigmática como o esquecimento. Pois quem entenderá em qualquer dia que o esquecimento, afinal, é ontologicamente aquilo cuja lembrança perseguimos, o enigma que sucessivamente não deciframos,uma enervante contradição da saudade. Esta, mais do que lembrança, é presença. Tal como a memória dos mistérios no-los traz até nós. O esquecimento, quando muito, será, na melhor das hipóteses, e por fortíssimo esforço cerebral, o sacramento da morte. Se alguém ousar entender que pode salvá-lo assim. Sinto-me, nesta noite quente e quieta, um pobre de Deus que se silencia por não se encontrar já mais no apagão da memória da sociedade em que vive. Donde vimos? Donde chegámos aqui? Como nos constituíram os que foram a nossa vida antes de nós? O que nos dizem os nomes que nos deram, e aqueles que damos às coisas? O que é o amor? Esta tarde, aqui em Florença, nos Uffizi, contemplei com vagar duas pinturas de Sandro Botticelli: "A Primavera" e o "Nascimento de Vénus". Neste, pareceu-me  -  até pelo semblante e as flores que lhe alegravam o tecido do vestido, ou as que, ainda, se juntavam em colar ao seu pescoço  -  que a moça oferecendo um manto à Vénus desnuda que, sobre uma concha, nascia das ondas do mar era Flora, que Ovídio identificou a Clore, filha de Deméter (ou Ceres, em Roma). A tal que Hades (Plutão) raptou e arrastou para o reino das profundezas, onde passou a chamar-se Perséfone (Prosérpina). (Por ela voltaremos a Stravinsky)." A Primavera", essa é certamente Flora, vestida, coroada e enfeitada de flores. Mas Zéfiro, o vento que a levou, esse também aparece soprando no "Nascimento de Vénus". Reunidos estão a deusa do amor, a da primavera que significa esse amor como efeméride e ressurreição, o vento que em pétalas sopradas a leva, mas que a conduzirá ao altar de Zeus. E lembrada é a mãe de Flora, Deméter (Mãe da Terra) ou Ceres, deusa das culturas, dos cereais e frutos que alimentam os mortais. A narrativa mitológica de Deméter e do rapto de sua filha Clore  -  que se chamará Perséfone quando Hades (Plutão) fizer dela rainha do mundo subterrâneo  - tem muitos registos. Talvez por estar em Itália, tenho aqui à mão uma canção de Calíope, no Livro V das "Metamorfoses" de Ovídio, em latim. Por isso é Deméter Ceres, e Perséfone Prosérpina. A Clore sempre chamei Flora (onde?  - procuro  -  disse-o Ovídio?) e sempre me sugeriu "éclore" (desabrochar, nascer do ovo ou da terra). E Flora são flores que se abrem ao sol e ao vento, que lhes rouba e espalha a semente, e as desflorará. O mesmo vento, Zéfiro, que soprando sobre as ondas do mar delas ergueu a espuma donde Vénus surgiu. O sopro inicial que levanta o amor de sobre as águas, e beija as flores e depois as desflora para que delas nasçam os frutos de Ceres, da mãe terra. Esta precisa da primavera, de Flora, sua filha, para que não morram as culturas dos cereais (de Ceres) e frutos que dão alimento à vida. Têm os mitos muitas versões, são, como os pensamentos dos homens, muito vagabundos. Por cada narrativa deles, poderá, irrequieto, percorrer-se o labirinto mágico das nossas imaginações. Em cada um de nós se mexe um caminho, e nele nos deixamos mover. Lembro-me de Bora-Bora, quando a onda vaga da maré nos conduzia ao abandono maravilhado a um visionário percurso por primaveras submarinas... De nós só sabemos o que sempre vamos descobrindo. Longo foi o percurso de Ceres em busca da Primavera, sua filha. Sem esta, secavam-se os campos à míngua de rebentos. E quando a descobriu no reino subterrâneo... com Plutão,senhor das profundezas,acordou que Flora ali estaria três meses do ano, que nos outros nove seria necessária à alegria! Raptada, talvez ainda, mas por Zéfiro, o deus do vento que tudo leva, mas semeia e traz de volta. Na "Perséphone" de Stravinsky, a rebuscada prosódia de André Gide é declamada pela protagonista, sobre a música, mas cantada pelo coro. Talvez porque só a música saiba contar-nos mistérios.

  
Camilo Martins de Oliveira 

ONDE HABITARÁ O SEGREDO?...

 

Minha Princesa de mim:

 

Cheguei a esta idade em que dizer "lembro-me de que...quando...etc..." já não será garantia de qualidade e origem, e até talvez tenha ultrapassado o prazo de validade. Mas, decrépito reacionário que seja, talvez por isso goste sempre muito deste recordar que é viver, e, mais ainda, do avivar da memória que só a confiança da nossa confidência (perdoa-me o aparente pleonasmo) pode oferecer-nos. Pois que, na verdade, do que lá vai não será nunca a memória intelectual  -  que é seletiva  -  o mais verdadeiro testemunho. Antes permanece o que o nosso coração guardou. E bem percebeu Pascal as razões do coração. E sábia era minha Mãe ao pedir para este filho um coração puro, pois só um coração assim quanto possível guardará na memória o trigo  -   que é, singelamente, o bem que outros nos quiseram e o bem que mesmo a inimigos conseguimos desejar. Esquecendo o joio. Passadas sete décadas, todos os dias recorro, apesar de muitos fracassos, a esse exercício de limpeza do olhar íntimo, pois só no coração nos é legítimo pensarsentir. Hoje ainda, uma amiga, pessoa de curiosas sintonias, me desejou um dia com a cor que eu desejasse. Não lhe respondi, mas dir-lhe-ia que todos os dias quero o arco-íris. Não como Calígula a pedir a lua a sua mãe, mas para sentir as cores de todos. Como Noé viu a paz universal num feixe de tons. A harmonia não tem sentido possível na uniformidade, mas só no acontecimento das diferenças que unem a terra ao céu. Quando, depois da tempestade, a incidência da luz reúne as cores numa aliança. Falava-te de lembranças? Talvez dessa, de um encontro com Stravinsky e Cocteau, por via dos Maritain (há quantos anos?), em Paris, por ocasião de um "Oedipus Rex". Escrevi-te a referi-lo e, rio-me eu agora, já não te lembras? Desde que conheço a sua música, ouço, escuto, Stravinsky com atenção indivisa. Os primeiros discos que comprei, daqueles que facilmente se riscavam e partiam, foram, um de Beethoven, outro de Stravinsky. Do primeiro,a 5ª e a 8ª sinfonias (que ainda hoje, em silêncio, canto de cor, imitando instrumentos). Do russo, "O Pássaro de Fogo" e a "Sagração da Primavera". Se tivesse ensurdecido, como Beethoven, Stravinsky teria deixado de compor. Era um artesão, precisava de martelar e ouvir o piano, o instrumento produtor de sons, para trabalhar com eles. O que verdadeiramente o prendia ao exercício de fazer música era, não só o gosto inato pela organização matemática dos sons, mas sobretudo a massa sonora, como o barro para o oleiro ou o metal para ourives ou ferreiro. Ter-lhe-á sido certamente útil o rigor técnico obrigado pela sua professora de piano, mas foi crescendo pelo seu gosto da procura dos sentidos possíveis dos sons, através das improvisações a que se entregava. E deve muito ao acolhimento que o grande orquestrador que Rimsky-Korsakov era lhe reservou, com paternal amizade. Gosto de pensar na música como peregrinação por caminhos desconhecidos e, todavia,tão percorríveis no íntimo de nós. O coração da música não está tanto nessas melodias divertidas e fáceis, que superficialmente captamos, por qualquer reflexo nervoso (como, aliás,  nos, também necessários, copito a mais ou anedota pícara). Estará mais nessa atenção à possibilidade de tirar, das matérias que compõem as coisas várias deste mundo, um som inesperado, revelador da milagrosa essência do ser. Recolhi-me há pouco, por uns nove minutos, com as sinfonias para instrumentos de sopro, compostas por Stravinsky aos 38 anos (em 1920). Chamam-se sinfonias, com sentido etimológico: fonemas que soam simultâneamente (e perdoa-me mais um pleonasmo...). Foram compostas em homenagem a Debussy, mas são "vintage Stravinsky", e do mais puro. Tocam vinte e três sopros (doze madeiras e onze metais), a sinfonia é compacta, estruturante, nada há nela de estridente ou vadio, é intimamente hierática, mas para reunir. Dez anos mais tarde, ainda em movimento místico que o trouxe de regresso à Igreja Ortodoxa Russa, para celebrar o 50º aniversário da Boston Symphony Orchestra , Igor Stravinsky apresenta a Sinfonia dos Salmos, composta com textos em latim, tirados da tradução "vulgata" de S.Jerónimo. Diz-se que a ideia lhe teria ocorrido em Pádua, em 1926, quando ali assistia às comemorações dos 700 anos de Sto. António de Lisboa. Mas, Princesinha, disso e mais te escreverei se me refrescar a memória. Por agora, vou escutar o "Oedipus Rex", com texto francês, para o narrador, que Jean Cocteau foi buscar a Sófocles, e traduções latinas, para o recitativo e canto da ópera-oratório, devidas ao padre jesuíta Jean Daniélou, mais tarde teólogo no Vaticano II e cardeal. Olha: talvez te fale também dos (des)entendimentos de Stravinsky com Cocteau, e sobretudo com André Gide (no caso da "Perséphone"): ou de como nem sempre é imediato o acordo das palavras e da música. Será que vou escutar o Édipo, só porque te falei na memória e penso que o nosso maior enigma é o esquecimento? Dás cabo de mim, Princesa.

Camilo Martins de Oliveira 

Antonio Gamoneda

 

Este Verão também passará Gamoneda!, saberás tu, que, desiludindo, a minha espera de Junho, vai esta ser incauta? Não vou ser como Penélope. Quero desfazer a teia para me decidir. Eu, da minha parte, aguardo o som da tecla do piano que adie para amanhã o que devo repensar, serena, o mais possível.

                                 Afinal, tudo aconteceu e os motivos do esvaimento também. Até parece que só Hamlet raciocinou com as sombras.

Ouves-me Antonio? Para qué las palavras desecadas.? Sou Luni, mas uma Luni diferente: veo la vida en el centro de la luz.

Sim escuto-te Luni e não entendo como podem existir corações amontoados pelo amor. A nossa sorte é difícil, é aprisionada. Não te sei dizer ainda se entendo as tuas palavras quando me dizes que não tens medo nem esperança. E eu ainda tenho o rouxinol para ti. Luni amor que duras en mis labios

Amor que duras: llora entre mis piernas

Ten piedad en mi boca

Eu dei-te uma arvore, Antonio, para apoiar as costas e o mundo atrás e à volta. Antonio, meu Antonio sem calendário. Quem afinal decidiu esta inquietação? Não te falo de outros barcos. Digo-te deste num mar sem fundo. E de que valeu?

Ah!, sim perguntas?,de que valeu ?,  não saberás ainda que o mundo não é uma ideia. O mundo tem fome e adoece se lhe formos empestando o ar.

Fizemos deste o ano da necessidade ? ou só eu o fiz?

              Si , Y la advertência de tu música explica todas las pérdidas y me acompaña.

Habla de mí como una vibración de pájaros que hubiesen desaparecido y retornasen.

Puedo …

Antonio que os teus espelhos não guardam as coisas reflectidas.

Yo permaneci… preciso de te ver, só assim me acordo por dentro e te escrevo uma carta.

Que dizes? O meu piano e o teu jornal completam-se? São apenas estrelas em desalinho?

Si, en tu niñez habitada por relámpagos.

Leio o jornal, sim leio o jornal e

Oigo tu llanto que nunca tuve en mis manos. Mas também quero permanecer desconhecido em ti,

y, cualquier dia,

de mi corazón.

 

Teresa Vieira

Sec. XXI

O COLÓQUIO INTERNACIONAL ALMADA NEGREIROS

 

Cerca de 50 especialistas participaram na Fundação Calouste Gulbenkian nos passados dias 13, 14 e 15 de Novembro, no Colóquio Internacional Almada Negreiros. Perante centenas de espetadores, houve ocasião de percorrer, em plenário ou em sessões simultâneas, a obra multifacetadíssima, sem exagero, de Almada, nas suas variadas vertentes de criação e de análise crítica. Aliás, mesmo para quem conheça ou pense que conhece em detalhe o conjunto imponente dessa grande obra geral, foi empolgante descobrir aspetos específicos, detalhes e/ou novas perspetivas de Almada Negreiros.

E é de assinalar a dimensão universitária do Colóquio, na medida em que reuniu representantes de quase  todas as Universidades portuguesas e de diversas Universidades estrangeiras. E nesse aspeto se diga ainda que o Colóquio foi intergeracional e representativo de uma dimensão universitária de estudos sobre a vida e a obra. 

Participei com muito gosto nesta iniciativa, ocupando-me, como seria de esperar, do teatro de Almada Negreiros, mas também de algumas das perspetivas digamos “espetaculares” ou para-teatrais da sua obra em prosa ou do seu pensamento e doutrinação. E assim, no que me diz respeito, além de referir e analisar o conjunto da sua criação e doutrinação dramatúrgica, citei passagens de outras obras marcantes pelo sentido cénico e pela descrição, insista-se, “espetacular” …

Referi por exemplo, o pequeno texto que serve de introdução ao Ultimatum Futurista, que Almada publicaria com a designação de “1ª Conferencia Futurista de José de Almada Negreiros - compte-rendu pelo conferencista - Teatro Republica - Sábado, 14 de Abril de 1917, às 5h da tarde”. Escreveu Almada:

“À minha entrada no palco rebentou uma espontânea e tremenda pateada seguida de uma calorosíssima salva de palmas que eu cortei de um gesto.

Reduzida a plateia à sua inexpressão natural tive a glória de apresentar o futurista Santa-Rita Pintor, que o público recebeu com uma ovação unânime. Comecei então o meu ultimatum à juventude portuguesa do seculo XX e a plateia, costumada a conferencias exclusivamente literárias e pedantes, chocou-se nitidamente com a virilidade das minhas afirmações pelo que executava premeditadas e cobardes reprovações isoladas mas sem efeito de conjunto.

Tendo sido concedido à plateia, segundo a orientação futurista, interromper o conferente, todas as contradições foram visivelmente ineficazes, a não ser no que dizia respeita à incompetência dos contraditores.(…)

Consegui, inspirado na revelação de Marinetti, e apoiado no genial otimismo da minha juventude, transpor essa bitola de insipidez em que se gasta Lisboa inteira e atingir, ante a curiosidade da plateia, a expressão da intensidade da vida moderna, sem dúvida, de todas as revelações, q a que é mais distante de Portugal”. 

Votaremos a este Colóquio Internacional, e tanto nas referencias a Almada como também nas referencias a Fernando Amado que, muito justamente, foi citado e analisado na colaboração direta com Almada e designadamente na estreia do “Deseja-se Mulher” na Casa da Comédia, como sabemos ocorrida no âmbito do CNC.

 

Duarte  Ivo Cruz 

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