ALMADA VISTO POR MIGUEL TORGA
Em 1993, Miguel Torga escreveu para a Fundação Calouste Gulbenkian, um curioso texto sobre Almada Negreiros, reproduzido em 2001 no belo volume sobre Almada editado pela Camara Municipal de Aveiro. É bem conhecido o caracter crítico de Torga, como bem conhecida é a sua extraordinária capacidade de criação e comunicação literária. Um texto de Torga tem em si mesmo, como bem sabemos, um valor criacional indiscutível: mas, repita-se, é bem conhecida a sua veemente capacidade de dizer e escrever o que pensa, sem contemplações….
Vale por isso e pena recordar esta apreciação de Miguel Torga ao talento e á obra de Almada, num texto que pensamos menos conhecido. É de facto o testemunho entusiasmado de um grande escritor português que, repita-se, foi sempre parco e exigente nas suas apreciações.
Diz então Torga, entre outras considerações: “Almada Negreiros faz parte da falange gloriosa dos homens do princípio do século que, por toda esta nossa crepuscular Europa, escancaram as portas pesadas e trancadas das artes, das letras e do pensamento. Génios versáteis, inquietos e inquietadores, que se riram como crianças grandes da solenidade académica dos pais e, como que a brincar, congeminaram, desenharam e deram nova fisionomia à cultura e à época modernas”.
Cita a seguir Marinetti, e prossegue com uma apreciação justa e categórica da relevância ímpar de Almada Negreiros no modernismo da arte portuguesa: ”Almada, em Portugal, foi o primeiro entre os primeiros apóstolos da boa nova. Nem o seu talento, nem o seu pincel, nem a sua pena tiveram mais descanso. E legou-nos dessa atividade criadora e inovadora a singularidade dos seus desenhos, dos seus poemas, do seu teatro, dos seus romances, e sobretudo, a riqueza sem par do seu fecundo exemplo. Depois dele, tudo na vida mental lusitana foi e será diferente ”.
A referência de Torga a “crianças grandes” lembra-nos desde logo “O Menino de Olhos de Gigante” poema de 1921, antecedido de uma indicação ao leitor, bem sintomática da criatividade e da subjetividade de Almada: “Dizem que sou eu, o Menino d’olhos de Gigante: e eu juro, pela minha boa sorte, que não sou só eu”… Mas as longas referências no próprio poema ganham uma extraordinária subjetividade: “ Meus olhos são de gigante/ eu sei, eu já os vi/ não é novidade nenhuma/ que tu me dás, oh gigante!/Bem sei que eu sou menino/mas esses olhos são meus/, se são olhos de gigante/ foram postos qui por Deus”…
Em abril ultimo, João Brites e Miguel Jesus adaptaram para a cena o poema de Almada (”Olhos de Gigante” - Teatro O Bando). E ressaltou aí, uma vez mais, a espetacularidade admirável da arte de Almada Negreiros. E o espetáculo, tal como muito bem refere Maria Helena Serôdio no Congresso Internacional de Almada Negreiros, “interroga(r) o radicalismo performativo de Almada na sua relação com formas do modernismo em teatro”….
DUARTE IVO CRUZ