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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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UBI EST CARITAS?

 

Minha Princesa de mim:

 

Transforma-se o escritor na coisa escrita,por virtude do muito maginar. Assim, já não sei bem se é Camilo Maria, 15º Marquês de Sarolea, que te escreve esta carta, ou se é este Camilo, que afirma traduzi-las e diligentemente as vai "batendo à máquina", como se dizia... Este, o operário, deu-se finalmente conta de que tem vindo a apor directamente o seu nome como assinatura das cartas que te escrevo. Como se fossem elas dele,imagina tu! Ainda não "flaubertiou", exclamando "Camilo Maria c´est moi!", mas cá desconfio de que terá feito pior: pensará que ele é, sou, eu! Usurpa-me. Insidiosa usucapião esta, de tanto me imaginar quase me incarna, ou ele em mim... Que confusão! Qual de nós, ele ou eu, ou ambos, poderá sair dela? Nenhum tratado da alma nos explicou bem o que ela é. E tu, Princesa, Princesa, quem és tu? Uma musa? uma aparição? uma mulher real? um amor secreto? uma personagem epistolar? ou, na lhaneza da nossa condição humana, a destinatária destas cartas será o momento de Princesa que se sente uma qualquer leitora delas. Enfim: somos todos desconhecidos uns dos outros, mas, por vezes, um milagre nos comunica e comunga, e sabemos então que intimamente nos pertencemos, mesmo sem saber bem a quem. Ao demónio cujo nome é Legião se confronta a multidão dos santos,dos que respondem. A santidade dos homens não é um estado, é uma vocação correspondida, o caminho da procura de um encontro. O nome do amor não é posse, é paz. A posse conquista-se, a paz é dádiva. A posse é jugo, a paz é partilha. A posse é afirmação, a paz é procura sempre. Nada nos será, no tempo, definitivamente dado. Tudo, por nós, connosco e em nós, é procurado. Mesmo a palavra inicial, que perseguimos até poder dizer o indizível. Talvez não seja possível, nem sequer necessário. Entendemo-nos melhor no misterioso silêncio, nessa tão íntima interrogação em que comungamos todos, do que nas explicações que pretendemos dar às coisas. E, afinal, quem veio escrevendo este bilhete. Que Camilo? Ele ou eu, este ou o outro? Mas que é o outro? Será o Outro que nos chama? Fica em paz, Princesa. E nós contigo!...


Camilo Martins de Oliveira