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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

O tempo dirá tudo à posteridade. É um falador. Fala mesmo quando nada se pergunta.

 

Foi Eurípides um poeta grego que nasceu no ano 480 a.C. no dia da batalha de Salamina  - o célebre combate entre persas e gregos – ou em 485/84 a.C. como parece resultar do conhecido Marmor Parium,  incrustação cronológica feita em mármore e que nos reporta inúmeras datas da história grega.

Foi Medeia de Eurípides representada pela primeira vez nas Dionísias Urbanas (as mais novas das festividades e de grande contributo para o desenvolvimento cultural da polis) no ano em que começou a Guerra do Peloponeso - conflito armado entre Atenas e Esparta.

Eurípides, o mais jovem dos três grandes expoentes da tragédia grega, já se debruça nesta data, em maturidade, particularmente, sobre a inquietação extrema da alma humana feminina.

Medeia surge-nos como uma mulher não consumida pelas lágrimas do seu sofrimento, mas antes promessa a si mesma de gerir num tempo só, amor e ódio, enquanto esposa repudiada e sedenta no desejo de não aceitar o tradicional conformismo feminino.

Tomada de fúria terrível, examina cuidadosamente os detalhes dos seus planos de vingança. A verdade é que nem a existência de seus filhos a conduz a não exultar os seus violentos pensamentos, e a culpa, que, quer fazer crer, residir, principalmente na princesa de Corinto, por quem, Jasão, seu esposo, a trocara.

Vem Medeia, também, a carecer de refúgio, quando, expulsa da cidade. Contudo, nada a demove da vingança maior: a de tirar do homem a sua descendência.

Quando pede um dia para encontrar outro lugar onde supostamente iniciaria nova vida, esse dia é-lhe concedido. Porém nesse dia todos os acontecimentos terríveis acontecerão.

Medeia mata os filhos que teve com o marido para dele assim se vingar, e não, sem que antes, por eles enviasse à princesa de Corinto um véu e um diadema, presentes envenenados que a matarão, bem como a seu pai, rei de Corinto, que expulsara Medeia por a temer em violência contra a sua filha.

Medeia é vista como uma das figuras mais impressionantes da dramaturgia universal. Coberta de sentimentos irracionais para os gregos, decide resolver as dores que a atormentavam.

Medeia, aquela que depois de todas as mortes às suas mãos, foge pelo ar em carro guiado por serpentes aladas.

Medeia a feiticeira conhecida em toda a Grécia pelos seus poderes.

Jasão

Ó filhos, que mãe perversa vos coube em sorte!

Medeia

Ó filhos, como a loucura paterna vos perdeu!

Jasão

Não foi contudo a minha dextra que os imolou.

Medeia

Mas a tua insolência e as tuas novas núpcias.

Jasão

Ó filhos tão queridos!...

Medeia

À mãe, não a ti.

Jasão

Que depois mataste?

Medeia

Para te castigar.

 

  • De notar que a condição de feiticeira de Medeia esteve sempre diluída. Mímicas posturas? Medeia desumaniza-se com o que sofreu como mulher , mas regressando ao mítico, levou-a, as serpentes aladas, a poder transformar-se numa personificação da vingança, deusa nunca mais, e afinal impassível, como os deuses.
  • Existe algo de heróico nesta protagonista? Pode um escravo que sobrevive em ódio, ser um homem livre na sua alforria ? Muitíssimo gritante é a ironia dos vínculos dos afectos no estudo do irracional do comportamento humano. Analisando as perturbações do espírito, encontramos enfim, os temas dos dramas de onde, o juízo ético, tende a ser excluído sempre, o que nos leva a não querer aceitar o carro guiado por serpentes aladas, como se fosse um prémio dos deuses, reconhecidos a uma torpe coragem. Todavia, não se descuide a solução interpretativa proposta por Barlow *«a minha raiva impele-me com mais poder do que o cálculo das suas consequências.»
  • Nem se invoquem os deuses que protegem os juramentos com amarras nas popas dos barcos!,  quais guardas temíveis, dos céus, finas foices.
  • Como se sabe, nas tragédias gregas, os Mensageiros, são geralmente figuras compassivas, mas aqui, um deles classifica de louca a alegria de Medeia e distancia-se perante as terríveis notícias.
  • A dificuldade persiste no conflito entre paixão e razão, entre os elementos da alma e seu sentido. Afinal é tão difícil lutar contra a fúria. Tão difícil o sentido do conhecimento do bem e do mal, tão insuficiente ao do custo da acção da dor.

 

M. Teresa Bracinha Vieira

 

Barlow, S.A.1989.«Stereotype and reversal in Euripides’Medea»,Greece and Rome 36, 158-171

Rickert, G.A. 1987. «Akrasia an Euripide’s Medea», Harvard studies in Classical Philology 91,91-117.