O tempo dirá tudo à posteridade. É um falador. Fala mesmo quando nada se pergunta.
Foi Eurípides um poeta grego que nasceu no ano 480 a.C. no dia da batalha de Salamina - o célebre combate entre persas e gregos – ou em 485/84 a.C. como parece resultar do conhecido Marmor Parium, incrustação cronológica feita em mármore e que nos reporta inúmeras datas da história grega.
Foi Medeia de Eurípides representada pela primeira vez nas Dionísias Urbanas (as mais novas das festividades e de grande contributo para o desenvolvimento cultural da polis) no ano em que começou a Guerra do Peloponeso - conflito armado entre Atenas e Esparta.
Eurípides, o mais jovem dos três grandes expoentes da tragédia grega, já se debruça nesta data, em maturidade, particularmente, sobre a inquietação extrema da alma humana feminina.
Medeia surge-nos como uma mulher não consumida pelas lágrimas do seu sofrimento, mas antes promessa a si mesma de gerir num tempo só, amor e ódio, enquanto esposa repudiada e sedenta no desejo de não aceitar o tradicional conformismo feminino.
Tomada de fúria terrível, examina cuidadosamente os detalhes dos seus planos de vingança. A verdade é que nem a existência de seus filhos a conduz a não exultar os seus violentos pensamentos, e a culpa, que, quer fazer crer, residir, principalmente na princesa de Corinto, por quem, Jasão, seu esposo, a trocara.
Vem Medeia, também, a carecer de refúgio, quando, expulsa da cidade. Contudo, nada a demove da vingança maior: a de tirar do homem a sua descendência.
Quando pede um dia para encontrar outro lugar onde supostamente iniciaria nova vida, esse dia é-lhe concedido. Porém nesse dia todos os acontecimentos terríveis acontecerão.
Medeia mata os filhos que teve com o marido para dele assim se vingar, e não, sem que antes, por eles enviasse à princesa de Corinto um véu e um diadema, presentes envenenados que a matarão, bem como a seu pai, rei de Corinto, que expulsara Medeia por a temer em violência contra a sua filha.
Medeia é vista como uma das figuras mais impressionantes da dramaturgia universal. Coberta de sentimentos irracionais para os gregos, decide resolver as dores que a atormentavam.
Medeia, aquela que depois de todas as mortes às suas mãos, foge pelo ar em carro guiado por serpentes aladas.
Medeia a feiticeira conhecida em toda a Grécia pelos seus poderes.
Jasão
Ó filhos, que mãe perversa vos coube em sorte!
Medeia
Ó filhos, como a loucura paterna vos perdeu!
Jasão
Não foi contudo a minha dextra que os imolou.
Medeia
Mas a tua insolência e as tuas novas núpcias.
Jasão
Ó filhos tão queridos!...
Medeia
À mãe, não a ti.
Jasão
…Que depois mataste?
Medeia
Para te castigar.
- De notar que a condição de feiticeira de Medeia esteve sempre diluída. Mímicas posturas? Medeia desumaniza-se com o que sofreu como mulher , mas regressando ao mítico, levou-a, as serpentes aladas, a poder transformar-se numa personificação da vingança, deusa nunca mais, e afinal impassível, como os deuses.
- Existe algo de heróico nesta protagonista? Pode um escravo que sobrevive em ódio, ser um homem livre na sua alforria ? Muitíssimo gritante é a ironia dos vínculos dos afectos no estudo do irracional do comportamento humano. Analisando as perturbações do espírito, encontramos enfim, os temas dos dramas de onde, o juízo ético, tende a ser excluído sempre, o que nos leva a não querer aceitar o carro guiado por serpentes aladas, como se fosse um prémio dos deuses, reconhecidos a uma torpe coragem. Todavia, não se descuide a solução interpretativa proposta por Barlow *«a minha raiva impele-me com mais poder do que o cálculo das suas consequências.»
- Nem se invoquem os deuses que protegem os juramentos com amarras nas popas dos barcos!, quais guardas temíveis, dos céus, finas foices.
- Como se sabe, nas tragédias gregas, os Mensageiros, são geralmente figuras compassivas, mas aqui, um deles classifica de louca a alegria de Medeia e distancia-se perante as terríveis notícias.
- A dificuldade persiste no conflito entre paixão e razão, entre os elementos da alma e seu sentido. Afinal é tão difícil lutar contra a fúria. Tão difícil o sentido do conhecimento do bem e do mal, tão insuficiente ao do custo da acção da dor.
M. Teresa Bracinha Vieira
Barlow, S.A.1989.«Stereotype and reversal in Euripides’Medea»,Greece and Rome 36, 158-171
Rickert, G.A. 1987. «Akrasia an Euripide’s Medea», Harvard studies in Classical Philology 91,91-117.