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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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UM ENCONTRO INTERSECULAR…

 

 

Minha Princesa de mim:

 

Foste tu, ou terá sido essa Rainha cujo manto franjado de infinito cintila de estrelas, lantejoulas rápidas... quem foi que me murmurou este silêncio? Assim me entrou, pelo dentro da alma, um segredo de ternura...tão imensa que me fez teu pai, teu irmão, teu amigo, teu marido por ser, teu namorado sincero, venerador e solícito. Que me fez ser outro além de mim sem me deixar de ser. O amor oferece-nos, por isso rasga. Nisto concordam o Jesus dos evangelhos  -  aquele que chama ao despojamento de nós e à ruptura  -  e o Georges Bataille que, recordando a separação de um corpo vivo simples (como a amiba) que assim morre e fica dois, diz que " l’érotisme c´est l´affirmation de la vie jusque dans la mort"... Ambos estes morrerão, sabemos. Mas nesse momento erótico terão sido um. E outros terão nascido, ou virão. E somos estes e aqueles, e de nós só o mistério pressentimos... "De nada novo" diria ou disse uma mulher poeta, "do nada nasceu Deus", disse o místico mestre. Mas tudo pode Deus. E a mulher, coitada, pode só com a promessa. E poderá com a graça dela, quando essa lhe for dada.  Pergunta ao mestre uma mulher-poeta:

          "E quem terá enfim coragem

          De escrever

          Que o amor mudo

          É todo o amor que há no Mundo

          E deitar mão à palavra

          Depois?"

   E será ela que responderá,como se um salmo lhe saísse das entranhas:

          "Não, não é risco morrer num dia qualquer.

          A grande insatisfação, a grande intransigência,

          A avidez mais lata do que o universo,

          Oferece e revela aquilo que esconde no tecido dos olhos,

          Suspenso projecto.

          Não, não é risco morrer naquele outro dia, já que

          Nunca germinámos para além da luz, para além

          Desse pequeno ovo em sua tímida promessa!

          Oh!, escândalo do primeiro esboço inacabado

          Em oposição àquele outro intuído!

          Festejem, pois, os deuses e os heróis que o excesso

          Não foi nosso."

Quem num casarão grande se fecha, por pensar-se-lo, ele e eu, ambos pequenos, mesmo sem janela aberta já percebe que excesso é esta alma tão enorme que temos. E neste paradoxo se juntam o mestre-místico e a mulher-poeta: "Pareceu a um homem, como em sonho  -  era um sonho acordado  -  que ele estava prenho de nada como uma mulher com um menino, e no nada nasceu Deus". Assim se encontraram, em noite misteriosa de infinitas estrelas, Mestre Eckhart e Teresa Vieira. E vendo-os assim tão juntamente encontrados, te dei, Princesa, muito em segredo, a minha mão.


Camilo Martins de Oliveira