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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A VIDA DOS LIVROS

Guilherme d'Oliveira Martins  
de 23 a 29 de dezembro de 2013 

 

Ao longo dos três volumes da «História Económica de Portugal» (Imprensa de Ciências Sociais, 2005), organizada por Pedro Lains e Álvaro Ferreira da Silva encontramos um conjunto de análises da evolução económica portuguesa, que nos permite compreendermos o modo como fomos respondendo aos exigentes desafios que nos foram lançados, ligando os constrangimentos à capacidade de encontrar soluções que têm permitido a afirmação de um Estado antigo, habituado longamente a resistir.

 


TENSÃO E INCERTEZA
A história económica de Portugal é reveladora de uma tensão entre elementos de continuidade e descontinuidade, entre fatores de progresso e atraso, entre referências internas e externas, singularizando-se neste último aspeto pela ligação muito forte, em especial nos momentos cruciais da expansão, às tendências inovadoras da mundialização. Dada a sua antiguidade e projeção internacional, a nossa história económica contribui positivamente para o estudo das transformações na longa duração de um espaço nacional nas suas relações com a economia mundial. A precoce participação de Portugal na economia internacional exige atenção à inserção europeia, devendo dizer-se que a importância das relações com o exterior foi crescendo, mas jamais foi dominante. Isto explica a existência de períodos de fechamento cultural, que alternam com momentos de abertura. E é interessante verificar que Portugal nasceu como uma nação europeia e é hoje ainda uma nação europeia, tendo tido três impérios que apenas constituíram parte da sua vida económica. Esta verificação não pode, porém, fazer esquecer uma significativa exposição da economia portuguesa às alterações globais, mas simultaneamente uma acentuada capacidade para encontrar alternativas.

 

AS ÚLTIMAS DÉCADAS
Atenhamo-nos ao período desde 1974, cuja análise cabe a João Confraria. Depois de uma significativa abertura ao exterior, a partir dos anos cinquenta, que correspondeu ao progressivo fim da autarcia e do protecionismo, à adesão à EFTA-AECL, à abertura ao investimento estrangeiro e ao lançamento de novos projetos de desenvolvimento (simbolizados pela opção de Sines), apesar do forte condicionamento político da guerra em África e da questão colonial, a institucionalização da democracia vai corresponder a uma tensão entre rutura e transição, bem evidente no «processo revolucionário» e no debate constitucional. Em 1976, apesar de uma tendência fortemente centralizadora, verifica-se que o Estado (envolvendo administrações públicas e empresas públicas) era diretamente responsável por cerca de 24% do valor acrescentado e 45% da formação de capital fixo na economia portuguesa, valores semelhantes a outros países europeus próximos de nós. De qualquer modo, a incerteza quanto ao direito de propriedade e à liberdade de iniciativa, em virtude do processo das nacionalizações (1975) e da consagração da sua irreversibilidade, suscitou desconfianças, que viriam a dar lugar (sobretudo depois da revisão constitucional de 1982) ao desenvolvimento de medidas compatíveis com a economia de mercado, que prepararam o processo de adesão às Comunidades Europeias. Note-se que já perante a versão original da Lei Fundamental de 1976, A. L. de Sousa Franco considerava que a Constituição material já consagrava o predomínio do setor privado, como setor regra da economia (ao ser definido por exclusão de partes), pela ligação intrínseca ao direito de propriedade e à liberdade de iniciativa. Depois do período revolucionário, assistimos a uma fase de normalização (1975-77), à estabilização (1978-79), à incerteza que se seguiu ao segundo choque petrolífero (1980-85), ao expansionismo da primeira fase da integração europeia (1986-95), ao cumprimento dos requisitos para a adesão ao euro num contexto de crédito barato (1995-2001), até aos efeitos da crise financeira e das dívidas soberanas, com especial incidência nos anos subsequentes ao «crash» de setembro de 2008… Até à concretização da opção europeia (1974-1985), começaram por fazer-se sentir as ruturas financeiras externa e interna, a ausência de mercados financeiros, o aumento do emprego, a acentuação de fatores de dependência externa, a forte exposição às crises internacionais, a alteração das estruturas institucionais (desde a evolução do protecionismo do Estado Novo à adaptação à integração europeia, passando pelo centralismo nacionalizador de 1975), o rejuvenescimento ocasional da população em virtude do regresso dos retornados de África, a liquidação formal da estrutura corporativa, com sobrevivência parcial do seu espírito em algumas áreas do setor público. No campo das finanças públicas, até 1985: acentuou-se o défice orçamental, cresceu o setor público, aumentaram as despesas correntes, a tributação sofreu um incremento, os encargos com a saúde e educação aumentaram, cresceu a dívida pública e o respetivo serviço, a máquina administrativa engordou, perdendo eficácia, e não surgiram políticas estruturais de desenvolvimento indutoras de rendimento e de nova riqueza. O défice externo tornou-se uma restrição na política económica, estando na origem de dois programas de ajustamento negociados com o FMI, em 1977-79 e em 1983-85. 

 

A ABERTURA LIBERAL
As revisões constitucionais de 1982, 1989, 1992 e 1997 marcaram uma abertura progressiva à liberalização económica, num contexto europeu, pondo termo ao protecionismo e abrindo caminho à união monetária europeia e às privatizações. Saliente-se que, em 1982, a aprovação do Orçamento de Estado deixou de ser partilhada entre a Assembleia da República e o Governo, num sistema dualista, passando a um sistema monista parlamentar, cabendo ao Governo o exclusivo da iniciativa originária da Proposta de Lei do Orçamento de Estado e ao parlamento o poder também exclusivo da aprovação da Lei do Orçamento. O sistema passou assim a registar o predomínio da Assembleia da República ou do Governo conforme este último disponha ou não de maioria absoluta da câmara legislativa. Se, entre 1987 e 1995 e entre 2005 e 2009, com maioria absoluta de um só partido, o predomínio coube nitidamente ao Executivo, entre 1995 e 2002, com um Governo homogéneo mas sem maioria absoluta, o parlamento ganhou maior protagonismo. Em 1976-77, em 1978-79, assim como em 1985-87 e em 2009-11, também sem maioria, prevaleceu a Assembleia. Nos casos de coligações (1978, 1980-83, 1983-85, 2002-2005 e 2011-…) tem havido um balanceamento entre as influências dos poderes legislativo e executivo. Por outro lado, como afirmou Sousa Franco: «deve acentuar-se ainda que a Constituição assumiu e a prática confirmou – em parte por efeito do modelo impulsionador, em parte por um cero fracionamento não programado do Estado unitário e centralizado do regime corporativo – uma feição claramente descentralizadora no domínio financeiro: descentralização política nas regiões autónomas, descentralização administrativa nas autarquias locais (esta última baseada num modelo relativamente original, inspirado pela ideia de correção das assimetrias, assente na transferência automática do orçamento para os concelhos de «participações» legalmente fixadas, o que atribui aos municípios ampla latitude de poderes no campo das despesas, sem ónus da repartição tributária dos encargos, que é transferido para o Estado em termos de decisão global)…». Isto, além da previsão constitucional da regionalização, não concretizada, que mereceu a convocação de um referendo, que recusou o avanço nesse domínio. Refira-se, a terminar, que depois do Tratado de Maastricht (1991) e da concretização da União Económica e Monetária no projeto europeu, bem como da adoção do Tratado Orçamental, as Constituições materiais dos Estados-membros da União Europeia passaram a consagrar os limites para o défice orçamental (3% do PIB) e para a dívida pública (60 % do PIB). Neste sentido, e apesar de se discutir se as Constituições devem consagrar um mecanismo específico de controlo das Finanças Públicas, prevaleceu entre nós a inclusão numa lei reforçada (a Lei de Enquadramento Orçamental) da chamada «nova regra de ouro», que prevê o respeito de exigências específicas para se atingir o equilíbrio.    


Guilherme d'Oliveira Martins