GRUPO FERNANDO PESSOA NO BRASIL - REVELAÇÕES DRAMATÚRGICAS
Pode-se afirmar que os espetáculos promovidos em 1962 pelo Grupo Fernando Pessoa no Brasil muito contribuíram para a afirmação e consagração, hoje generalizada, da obra de Pessoa junto do público, mas também junto da criatividade e intelectualidade brasileira: e isto sem pôr obviamente em dúvida o conhecimento e o culto pessoano de nomes indiscutíveis, cá e lá, como Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Morais ou Cecília Meireles, que vimos na fotografia já aqui publicada com Glória de Matos, João Ávila, Isabel Ruth, Norberto Barroca ou Augusto César.
Com efeito, em 1962, a consagração de Pessoa junto do público brasileiro seria obviamente menor do que hoje é. Mas já não nos meios culturais, como os nomes aqui evocados o demonstra: em qualquer caso, esta deslocação, a sete cidades brasileiras, do Grupo Fernando Pessoa, criado dois anos antes no âmbito do Centro Nacional de Cultura, terá sem dúvida contribuído para uma afirmação da obra e, sobretudo da então ainda menos conhecida dramaturgia pessoana.
E foram duas as obras dramáticas de Pessoa apresentadas pelo Grupo, O Marinheiro e O Primeiro Fausto, esta só publicada em 1956 com um estudo de Eduardo Freitas da Costa. O Marinheiro, como sabemos, foi escrito em 1913 e publicado dois anos depois no primeiro número do Orpheu. Ora registe-se que a iniciativa do Grupo Fernando Pessoa, na sequência das comemorações do 25º aniversário da morte de Pessoa levadas a cabo no CNC, revelou um sentido abrangente de divulgação e afirmação cultural, em termos internacionais, e designadamente na prioridade cultural do Brasil.
O Marinheiro não é uma obra teatralmente facil, e inscreve-se, no quadro universal da criação pessoana, num contexto próprio e muito específico: inclusive pelas questões puramente estéticas que envolve. Sabemos bem: tudo o que Pessoa escreveu é de qualidade indiscutivelmente superior. Mas importa verificar e realçar, neste caso concreto, a opção estética claramente simbolista. Trata-se de uma longa meditação praticada por três Veladoras que especulam, em sucessivos diálogos de notabilíssima expressão poética e literária - ou não fossem de quem são! - numa teatralidade, essa sim, ortodoxamente integrada nos cânones simbolistas.
O que sobretudo caracteriza a expressão dramática é a natureza onírica da criação. De tal forma que as Veladoras admitem, elas próprias, constituir uma mero sonho do Marinheiros. “porque não será a única coisa real - nisto tudo o Marinheiro e nós, e nós e tudo isto apenas um sonho dele?”
E mais: o Marinheiro “cansou-se de sonhar…quis então recordar a sua pátria verdadeira…mas viu que não se lembrava de nada, que ela não existia para ele”…
E esse ambiente onírico é retomado em O primeiro Fausto, também aqui marcado por uma expressão de recusa ou de dúvida existencial: “sonho inútil, ou de alguma terra, mais do que o eterno (amar) de eterno sofrimento”…
E em ambas as peças encontramos como elemento aglutinador de expressão também claramente simbolista, a evocação da morte. O Marinheiro traz-nos o ritual do velório de “uma donzela de branco”. E O Primeiro Fausto representa “a Morte , a falência final da inteligência ante a vida”: “Eu quereria… Ah! Pudesse eu dizê-lo - não o sei - nem viver nem morrer”…
Não estão fora deste registo os restantes textos dramáticos de Fernando Pessoa.
DUARTE IVO CRUZ