VINICIUS DE MORAES COM O GRUPO FERNANDO PESSOA
Voltamos a evocar a tournée do Grupo Fernando Pessoa no Brasil, em 1962. E olhando para a fotografia aqui já publicada, em que os artistas portugueses convivem com alguns dos mais representativos (ainda hoje) escritores brasileiros, logo se destaca um deles - e por ser o inico que não veste “paletó”… isto é, não se apresenta na formalidade de casaco e gravata…
Trata-se de Vinicius de Moraes. E nada que espante, dada a especificidade da sua extraordinária obra literária, cobrindo a poesia, com destaque para a colaboração, em textos e em espetáculos, com o melhor da música popular brasileira - João Gilberto, Tom Jobim, Baden Powel, Edu Lobo, Francis Hime e tantos mais.
Mas o mais curioso é que Vinicius foi diplomata de carreira durante mais de 20 anos, representando o Brasil, como Secretário de Embaixada, Ministro e Embaixador, entre 1943 e 1964 - ano em que foi exonerado por motivos políticos - em postos importantes e/ou mesmo prioritários para o Itamaraty e para a política externa do Brasil: Los Angeles, UNESCO, Montevideo.
Mas já desde 1933 se afirma como um poeta modernista, ainda de certo modo no rescaldo do Movimento iniciado com a Semana de Arte Moderna de São Paulo (1922) mas desde logo marcando uma autonomia temática e estilista que o singulariza ao longo de uma carreira literária de dezenas de títulos e centenas de textos.
E basta atender à cronologia para verificar como as duas atividades profissionais, digamos desse modo, de Vinicius de Morais, durante duas décadas, coincidiram e se conciliaram: pois é de facto habitual encontrarmos escritores diplomatas e diplomatas escritores - entre nós, desde logo, Garrett ou Eça de Queiroz, além de dezenas de outros, até hoje, entre ficção, memorialismo ou estudos históricos e políticos: mas poucos poetas - letristas da música popular - e logo com o altíssimo nível tanto dos poemas de Vinicius, como dos que os musicaram, como acima vimos.
Acrescente-se então que Vinicius não é apenas um extraordinário poeta popular: a sua criação poética assume, também, uma tonalidade trágica, do dia a dia difícil no ponto de vista socioeconómico - não era fácil (como não é hoje, apesar dos enormes progressos)l o Brasil da segunda metade do século passado - mas de uma expressão lírica e trágica do amor e do sentimento em geral, erudita e culta, ou da interpretação poética, cosmopolita, da sua longa existência de viajante.
Essa mesma convergência do popular e do erudito, assume-se no teatro, e desde logo na sua peça mais referencial, o Orfeu da Conceição (Tragédia Carioca), que recria num morro carioca a tragédia de Ésquilo, num apelo direto a personagens que conservam a função dramática e poética da matriz clássica - “Orfeu da Conceição, o músico - Eurídice, a sua amada - Clio, a mãe de Orfeu, Apolo, o pai de Orfeu, Plutão, presidente dos Maiorais do Inferno - Gente do Morro - o Coro e Corifeu” - mas transpondo-a para a realidade do Rio de Janeiro dos anos 60 e dos anos de hoje.
Da peça foi extraído o filme Orfeu da Conceição (1959), de Marcel Camus, em cujo texto Vinicius colaborou, numa retoma de participação e criação cinematográfica que vinha de 1941 e que se prolonga pelos anos 60 (por exemplo na adaptação filmográfica da Garota de Ipanema de Leon Hinzman).
E refiram-se ainda mais algumas expressões e criação ou adaptações teatrais de Vinicius de Morais: “Às Feras - Tragédia Pau de Arara”, “Cordélia e o Peregrino” (1965-1970), “Procura-se uma Rosa”, este passado numa delegacia de polícia, além de adaptações, designadamente em espetáculos para a juventude.
Não ficam por aqui os grandes nomes da literatura e da cultura brasileira que conviveram com o Grupo Fernando Pessoa: a seu tempo os iremos evocando.
DUARTE IVO CRUZ