CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE COM O GRUPO FERNANDO PESSOA
Vemos Carlos Drummond de Andrade na fotografia do Grupo Fernando Pessoa no Brasil, e uma vez mais confirmamos o prestigio desta viagem dos artistas portugueses: para além da tournée propriamente dita, temos os contactos que desenvolveu e os espetadores que selecionou, entre o melhor da literatura e da intelectualidade brasileira da época.
E entre esse grupo notável da fotografia, temos então o “poeta Drummond”, como por vezes era e é designado, o que mostra desde logo, não só a projeção em si, como o significado específico que a sua criação poética alcançou e alcança ainda hoje… Mas que não pode ser limitativa.
Quer isto dizer que Drummond deixou-nos dezenas de livros de prosa e poesia, numa base biográfica profissionalmente dispersa, do jornalismo ao funcionalismo mas mesmo aí ligado ao património histórico e à gestão cultural: e desde cedo destacadíssima na geração que se seguiu à Semana de Arte Moderna de 1922.
São de facto dezenas de títulos, sobretudo de poesia mas também de ficção e de estudos de literatura e de cultura, num estilo que se vai depurando na expressão - o que ele próprio reconhecerá:
«À medida que envelheço vou-me desfazendo dos adjetivos. Chego a ver que tudo se pode dizer sem eles, melhor que com eles: Por que “noite gélida”, “noite solitária”, “profunda noite”? Basta “a noite”. O frio, a solidão, a profundidade da noite estão latentes no leitor, prestes a envolvê-lo, à simples provocação dessa palavra “noite”»…
E se transferirmos para certo quotidiano de linguagem, encontramos por exemplo este texto curioso:
«Em Portugal era assim, não sei se ainda é: ao passar uma cachopa risonha, vestida de cores alegres, dizia-lhe o paquera: “Estás uma Páscoa” ou “És uma Páscoa”. Deu-me vontade de dizer o mesmo, trocando o tu por você, à garota pascalíssima, parada em frente à vitrina. Certamente ela não entenderia, pelo que me remetia ao silêncio. E fiquei olhando a garota que olhava ovos de Páscoa”.
Note-se, não sabemos nem quando nem onde em Portugal se chamava a “uma cachopa” “uma Páscoa”…! Mas foi o que escreveu Drummond!
Carlos Drummond de Andrade não deixou uma obra dramatúrgica assinalável. Mas a sensibilidade, a profundidade psicológica e sentimental, e a espetacularidade intrínseca da sua poesia justificou diversas adaptações e dramatizações, que refletem também “o mundo de sempre, com problemas de hoje” como próprio autor reconhece nos seus poemas. E citamos justamente, a propósito de teatro, o poema denominado “Um Nome João”:
«Era um teatro/e todos os artistas/no mesmo papel/ciranda multívoca?/João era tudo?/tudo escondido, florindo/como flor é flor/mesmo não semeada/Mapa com acidentes/deslizando para fora, falando?/Guardava rios no bolso,/cada qual com a cor de suas águas?/sem misturar, sem conflituar/e de cada gota redigia/ nome, curva, fim,/e no destino geral/seu fado era saber/para contar sem desnudar/o que não deve ser desnudado/e por isso se veste de véus novos?»
DUARTE IVO CRUZ