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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

As revistas luso-brasileiras

Na sua excelente obra As relações literárias de Portugal com o Brasil (Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Lisboa, 1992) João Alves das Neves, recentemente falecido após muitas dezenas de anos de porfiado serviço dedicado ao estudo do relacionamento cultural luso-brasileiro, dá conta da intensa e fecunda colaboração de escritores e jornalistas portugueses na imprensa brasileira a partir sobretudo do último quartel do século XIX e que, embora fosse decrescendo muito significativamente com o tempo, teve alguma expressão até para além de meados do século XX.

Fidelino de Figueiredo, em Um século de relações luso-brasileiras (1825-1928), escreveu que «muitas penas portuguesas têm mantido a ligação espiritual do Brasil com Portugal, por meio da imprensa brasileira, falando-lhe da velha metrópole, da sua cultura e de quanto do antigo mundo possa interessar os seus longínquos leitores: Eça de Queiroz, Maria Amália Vaz de Carvalho, Ramalho Ortigão, visconde de Santo Thyrso, Pinheiro Chagas, Mariano Pina, Guilherme de Azevedo, etc.» E deveria ter também acrescentado, entre outros, Raphael Bordallo Pinheiro. Já depois daquele período, impuseram-se na imprensa brasileira nomes como Carlos Malheiro Dias, Thomaz Ribeiro Collaço, o padre Sena Freitas, Filinto de Almeida, Jaime Cortesão e, já mais próximos do nosso tempo, Jorge de Sena ou Adolfo Casais Monteiro, além de, como fazendo parte do corpo editorial e redactorial d’O Estado de São Paulo, Victor Cunha Rego e Miguel Urbano Rodrigues.

Já quanto à presença de brasileiros na imprensa portuguesa não existe nenhum levantamento sistemático, sabendo-se no entanto que ela foi muito menor do que a verificada no sentido inverso. Poder-se-á, como exemplo, referir que Eça de Queiroz abriu as páginas da Revista de Portugal à colaboração do seu grande amigo brasileiro Eduardo Prado, com o qual conviveu diariamente nos seus anos de Paris.

Mas este intercâmbio não se esgotaria na imprensa diária ou periódica brasileira e portuguesa. Ele concretizou-se também de outra forma, através da criação de revistas luso-brasileiras. Não foi, no entanto, o caso de algumas revistas publicadas em Portugal, incluindo no título o nome do Brasil, mas que não contaram com a colaboração de autores brasileiros, sendo sim publicações portuguesas visando também o mercado brasileiro ou, no caso da Mala da Europa, criada e dirigida em 1894 por Delfim Guimarães e que se manteve até 1898, definindo-se como um hebdomadário para os portugueses de além-mar que, embora não mencionasse expressamente o Brasil, tinha o país-irmão  como principal alvo. Em 1 de Abril de 1859 deu-se o aparecimento da Revista Contemporanea de Portugal e Brazil, cujos proprietários e directores foram António de Brederode e Ernesto Biester, que se extinguiu em 1865, e teve como colaboradores Alexandre Herculano, Rebelo da Silva, Mendes Leal Júnior, Camilo Castelo Brancoe outros escritores de renome, além de contar em cada número com um retrato e uma estampa de Tomaz d’Anunciação. E de 1872 a 1875 circulou, dirigida por Rangel de Lima, Artes & Letras (revista de Portugal & Brazil), também com uma valiosa colaboração de destacados autores portugueses. Porém, as revistas luso-brasileiras propriamente ditas só chegariam muito mais tarde.

No dia lº de Dezembro de 1899 foi publicado em Lisboa o primeiro número de Brasil-Portugal, revista quinzenal ilustrada, que findou em 16 de Agosto de 1914, fará em breve cem anos, com a saída do seu número 301, persistente esforço levado a cabo sob a direcção de Augusto de Castilho (que faleceria em 1912), Jayme Victor e Lorjó Tavares, editado por Luiz Antonio Sanches, tendo como colaboradores literários «os primeiros escriptores de Portugal e Brasil» e como colaboradores artísticos «os melhores desenhadores de Portugal».

Por coincidência ou não, no ano seguinte ao desaparecimento de Brasil-Portugal, em 15 de Novembro de 1915, surgiu em Lisboa a revista Atlântida – mensário artístico, literário e social para Portugal e Brasil, dirigida pelo lado português por João de Barros e do lado brasileiro por João do Rio, nome literário do escritor Paulo Barreto. Publicação independente, lançada com o alto patrocínio do Ministro das Relações Exteriores do Brasil e do Ministro dos Negócios Estrangeiros e do Fomento de Portugal, da revista foram publicados 48 números, o último dos quais em 1920.

Muito mais tarde, entre 1942 e 1945, deu-se a publicação em Lisboa e no Rio de Janeiro da primeira série de Atlântico – revista luso-brasileira, criada pelos Governos de Portugal, através do S.P.N., e do Brasil., através do D.I.P., mais tarde designados por S.N.I. e D.N.I., respectivamente. Foram seus primeiros directores António Ferro, pelo lado português, e Lourival Fontes, pelo lado brasileiro. Em 1946, teve início uma nova série, dirigida por António Ferro e por Oscar Fontenelle, terminada em 1948, a que se seguiu uma terceira e última série, até 1950, num total de 16 números, tendo entretanto havido várias alterações nos seus directores portugueses e brasileiros. Apesar de se tratar de uma publicação governamental, há que reconhecer que nela sempre foi preservada a liberdade intelectual e crítica dos seus colaboradores.

No âmbito de revistas dedicadas a estudos de temas luso-brasileiros e lusófonos, sem pretender ser exaustivo na sua enumeração, merece destaque a existência no Brasil de duas publicações em curso, ambas semestrais: Convergência Lusíada, editada pelo Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, já no número 29, e Via Atlântica, editada pela Área de Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa da Universidade de São Paulo, com 22 números já publicados.

Não será possível dizer com justeza que as relações literárias e intelectuais entre Portugal e Brasil sejam hoje menos intensas do que foram em tempos idos. Mas elas desenvolvem-se agora de modo diverso, muito menos através da imprensa diária e cultural (excepção feita ao JL), e muito mais através do contacto directo dos autores com  a gente de letras e os públicos em geral de ambos os lados do Atlântico, nas feiras, congressos, seminários, conferências e lançamentos de livros. No entanto, creio que ainda teria sentido um regresso ao diálogo luso-brasileiro através de uma revista daquele tipo, de carácter independente, ou então, melhor ainda, a criação de uma publicação aberta a todo o espaço da lusofonia – que, tratando-se de uma publicação on line, não parece ser um projecto dificilmente realizável. Aqui fica a sugestão.

 

Mário Quartin Graça

PAUL CELAN

Um sábio de flores

 

Nasce na Roménia em 1920 e apesar de seus pais terem sido deportados para um campo de extermínio, onde morrem, Celan sobrevive ao Holocausto apesar de se encontrar até 1943 preso num campo de trabalho.

Mais tarde vem a fixar-se em Paris.

Este poeta romeno também traduz, nomeadamente Shakespeare e Pessoa. Em 1970 suicida-se no Sena.

João Barrento numa tradução e posfácio de um livro de Celan – A Morte É Uma Flor, editado pela Cotovia, dedica

Para a Yvettte Centeno, que sabe, como Celan, que a morte é uma flor.

No poema de Celan:

 

A morte é uma flor que só abre uma vez.

Mas quando abre, nada se abre com ela.

Abre sempre que quer, e fora da estação.

E vem, grande mariposa, adornando caules ondulantes.

Deixa-me ser o caule forte da sua alegria.

 

A professora Doutora Yvette Centeno, professora da Universidade Nova de Lisboa,  entre outros autores, também traduziu Shakespeare Brecht, Goeth, Fassebiner, Paul Celan.

Imagino-a em Celan num campo aberto à batalha dos pensamentos. Imagino-a hóspede de caminhos de Paul Celan, onde habitou a própria linguagem das coisas últimas, das coisas quase, quase silenciosas.

Para mim, ler Celan, sempre significou, morar numa oficina onde inacabadas peças se casam com obras de uma completude quase total e, não necessariamente dramática, já que a escrita, quando nua, é também esperança e história de uma linguagem, que se escreve a cada dia.

Por essa mesma razão entendo que ler Celan passará sempre pelo entendimento de que a disponibilidade da sua poesia à revelação, não é silêncio; é mesmo a necessidade do que o poema tem de ser: registo de circunstâncias, memória e prece.

Leia-se neste livro a que acima me refiro:

(…)

Com os olhos de uma criança, com

os olhos da sua mãe

encontro eu a minha segunda,

a minha primeira janela.

 

E eis também a possibilidade de o poeta ter conhecimento do quanto o universo é um brinquedo dos deuses, ou coisa já criada, na qual, quem joga é quem é jogado, e a mutação do jogo é afinal a quase imobilidade da vida, ou sua inicial esperança.

E não se terá conformado Celan com a condição da vida que lhe coube, nem com a morte prematura de Walter Benjamin – ensaísta, filósofo e sociólogo judeu alemão - que coincide com o pulsar literário de Celan.

A este respeito leia-se João Barrento referindo-se às obras de Benjamin e de Celan, numa impressionante e prodigiosa digressão sobre a relação virtual entre Benjamin e Celan nas palavras de Eduardo Prado Coelho.

Enfim,

quando Celan visitou heidegger, e passearam
pelo bosque antes da chuva, ao despedir-se escreveu
no livro da casa sobre a esperança de uma
palavra a vir no coração

Afinal pedia Celan uma palavra, apenas uma palavra, e que fosse ela tudo, sem sonhos que a confundissem, nem exigissem uma alma junto ao Sena.

 

Teresa Vieira

Sec:XXI