AUGUSTO DE ATHAYDE: A MEMÓRIA DE UM GRANDE AMIGO
Em Outubro de 1958 entrei na recém-inaugurada Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Foi o primeiro ano iniciado no novo edifício, que servira já para exames de junho, nos cursos vindos do velho Campo de Santana. Os exames de aptidão foram lá: e recordo que, dadas as muito antigas relações familiares, tive o gosto de conversar com Almada Negreiros, ainda a orientar a execução dos frescos do pórtico da Faculdade.
Em suma, com 17 anos, “inaugurávamos” a Cidade Universitária: recordo que, nesse tempo, os carros dos alunos, alinhados em frente da escadaria da Faculdade de Direito, não passavam de 9 ou 10…
A colocação dos alunos nos anfiteatros fazia-se por ordem alfabética do primeiro nome. Assim, à minha esquerda tinha o meu amigo de sempre Duarte de Castro. E à minha direita, um aluno alto, que não conhecia, e a quem perguntei o nome: Diogo Freitas do Amaral.
E exatamente à nossa frente, na fila de baixo, um outro aluno, na altura com um farto bigode. Também não o conhecia, também lhe perguntei o nome: Augusto de Athayde. Começou assim entre nós quatro, uma amizade que vai a caminho dos 60 anos.
Em 1960/61 fui pela primeira vez aos Açores, para casa do Augusto em São Miguel. Voltaria lá, ao longo da vida, muitas vezes: mas não esqueci o espanto que constituiu a primeira chegada ao Jardim José do Canto, onde o Augusto residia no verão, herança de família, e à casa em que o Pai Athayde, como os amigos do filho lhe chamavam, fizera construir no topo da colina daquele imenso parque particular, onde se albergava ainda a antiga residência, mais um pavilhão de festas, instalações de serviço, tudo isto dominado pela estátua do próprio José do Canto. E ainda uma capela, onde o Augusto foi velado…
Em 1970, Augusto de Athayde toma posse como Subsecretario de Estado no Ministério da Educação, sendo Ministro o Professor Veiga Simão. Deixei então a Comissão de Coordenação Económica e o gabinete do Ministro da Economia para ir ocupar funções na direção no então criado Secretariado para Juventude, organismo que motivou melindres políticos a certa ultradireita da época, pois era visto como um ataque e uma ofensa à Mocidade Portuguesa… Como estamos hoje longe dessas querelas: e no entanto, o Augusto tinha já na altura perfeita noção das dificuldades da política que mal se adivinhavam.
Em qualquer caso, pouco mais tarde, quando o Augusto foi nomeado Secretário de Estado do Ensino Superior, era eu Secretário-geral da Universidade Técnica de Lisboa. Trabalhei então diretamente com ele, como Adjunto de Inspetor Geral da Educação. E quando fui para a Segurança Social, deixei a colaboração direta, mas manteve-se uma colaboração informal, por exemplo no programa da previdência e assistência aos profissionais de ensino, ou na extensão da segurança social aos sacerdotes, o que implicava um vasto corpo de professores de moral. Isto, além do convívio familiar, e de amizade extensiva até hoje às nossas mulheres e aos filhos.
Augusto casou em São Miguel com a Margarida, ela também integrada numa família açoriana tradicional. Por razões inesperadas, não pude assistir ao casamento, mas poucos anos depois pude convida-lo para padrinho do meu casamento - e já nessa altura a amizade era extensiva às nossas mulheres, como o foram, ao longo dos anos, aos nossos filhos. Fomos, até hoje, muitas vezes hóspedes do Jardim José do Canto e associamo-lo a datas referências - por exemplo, os 25 anos de casados do Augusto e da Margarida, festas numerosas de aniversário, eventos de família, casamentos de filhos.
Entretanto, em 1975 segui para São Paulo, onde permaneci até 1981. O Augusto fizera uma brilhantíssima pós -graduação do INSEAD em Fontainebleau e recomeçou, no Rio de Janeiro, uma não menos brilhante carreira universitária, tendo-se doutorado na Pontifícia Universidade Católica. Desempenhou funções do mais alto nível de administração na Banca, primeiro em bancos brasileiros e no Grupo Espirito Santo, no Rio de Janeiro e depois em Lisboa, até á sua morte.
Circulando nós ambos, por deveres de ofício ou por amizade das famílias, entre o Rio e São Paulo, muitas vezes ficamos hospedados em cada uma das casas, ou em casa do Mário Quartin Graça, no Rio, onde passávamos férias de verão (em Janeiro) num grupo que englobava também a família do Alberto Xavier e do Leonardo Ferraz de Carvalho no Rio, ou da minha irmã Maria e do Miguel Pupo Correia em São Paulo, entre outros mais.
Já de retorno a Lisboa, as famílias mantêm um relacionamento de grande amizade, o que justificou as deslocações periódicas a São Miguel. Acompanhamos assim a recuperação do Jardim José do Canto, uma das grandes prioridades do Augusto, que via naquela casa, com toda a razão, um símbolo dos trabalhos de estabilização pessoal e de tradição familiar.
Augusto publicou um interessantíssimo e extremamente sensível e sentido livro de Memórias, que denominou “Percurso Solitário”, onde tudo isto vem descrito. E publicou também uma série de livros inovadores na área do Direito Bancário e Financeiro, recordados por Guilherme dOliveira Martins em artigo no “Público:” “Curso de Direito Administrativo da Economia”, estudos sobre o Contrato Administrativo, “Direito Económico,” “Direito Bancário”...
Claro que essas obras ficam: mas o que mais fica, para todos os que o conheceram, e sobretudo para os seus amigos mais diretos, é uma enorme memória de amizade, de alegria, ironia e humor, de respeito, admiração e saudade.
DUARTE IVO CRUZ