UM EXEMPLO DE SERENIDADE E DETERMINAÇÃO
Falar da pessoa do Cardeal Patriarca Emérito, D. José da Cruz Policarpo, sob o impacto da notícia brutal e inesperada da sua morte, é muito difícil, sobretudo por se tratar de um Amigo, com quem tive uma relação de grande admiração e estima pessoais. Não posso, por isso, limitar-me a palavras de circunstância, incompatíveis com os elos que nos ligavam. Antes do mais, devo recordar o homem de Igreja, que soube plenamente assumir o espírito do Concílio Vaticano II, numa sociedade em profunda mudança como a portuguesa, com tensões contraditórias. O seu ministério foi exercido com serenidade e determinação, constituindo-se num fator de coesão, de abertura, de equilíbrio, de diálogo, de compromisso, de verdade e de justiça. D. José foi em Portugal fundamental para a Igreja e para a democracia. Soube continuar a ação extraordinária do Cardeal D. António Ribeiro, abrindo portas e horizontes - bem evidenciados na tese de doutoramento que defendeu, e que é um dos ensaios mais importantes, no panorama da historiografia e da teologia universais, sobre o Concílio Vaticano II, a Constituição Pastoral Gaudium et Spes e o impulso profético de João XXIII na renovação da Igreja Católica. Como Cardeal Patriarca de Lisboa contribuiu decisivamente para o diálogo com o mundo contemporâneo e com a modernidade cultural. Lembramo-nos do diálogo com Eduardo Prado Coelho e a admiração que granjeou junto do intelectual e académico. Acrescente-se ainda o empenhamento do Cardeal na criação de um espírito de respeito mútuo e de diálogo e de liberdade religiosa; Ao lermos a sua vasta obra, reconhecemos um espírito culto, aberto e disponível para o diálogo, em nome de uma laicidade saudável, por contraponto a qualquer dogmastismo laicista. Os gestos de abertura, de respeito, de hospitalidade para com todos os homens e mulheres de boa vontade são dignos de destaque. Importa ainda salientar o homem de fé e de esperança. Ambas as qualidades têm presença bastante evidente no testemunho de D. José. Acrescente-se o percurso académico e de homem de cultura. Foi Reitor da Universidade Católica e seu Magno Chanceler, num período em que a instituição registou um notável impulso de imagem de conhecimentos e na internacionalização. O que ficará da sua memória? O incansável diálogo com a sociedade portuguesa; a abertura às diferenças e à complexidade; a colegialidade e o trabalho em equipa; o incentivo à vida e à qualidade académica e universitária; a consciência da incerteza e do risco; a plena consciência da fragilidade do actual contrato social. Homem de Igreja e de fé; de cultura e solidariedade, de ciência e de educação, D. José é uma das grandes referências da cultura portuguesa e da Igreja, constituindo seu desaparecimento uma grande perda para a sociedade portuguesa e para a Igreja Católica».
Guilherme d'Oliveira Martins