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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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O Direito e a Poesia (continuação)

 

A peregrinar desde o primeiro momento da história da humanidade, chega-nos o Direito numa tentativa constante de fazer brilhar essências. A peregrinar vem também o Poeta repleto de emoções e contradições buscando pedaços de luz. Enfim, ambos nos vão chegando dentro daquilo que são e na medida dos costumes, dos vícios e das virtudes, perguntando-se um ao outro se viveriam, caso neste mundo não estivessem ambos em concomitante mudança.

Mas mesmo o Poeta pode esquecer-se da vida que o rodeia. Quando existe esse esquecimento, a Poesia não cumpre o seu papel e merece reprovação. E como é pertinente quando quem reprova o Poeta é o Poeta:

 “Ao ver uma rosa branca o poeta disse: Que linda! Cantarei sua beleza como ninguém nunca ainda! E a rosa: - Calhorda que és! Pára de olhar para cima! Mira o que tens a teus pés! E o poeta vê uma criança suja, esquálida, andrajosa comendo um torrão da terra que dera existência à rosa.” (Vinicius de Moraes).

Assim, não se ajoelhe o Direito aos pés da deusa apenas por necessidade de dizer que a viu. A ineficiência jurídica é o despudor face às conexões consequenciais que ligam as liberdades às obrigações. É a força sem alcance, é a privação fundamental do verdadeiro, do bem-estar e do dever, é o não domínio da fantástica utopia das palavras. É o nepotismo do nada.

Só o conhecimento dos rostos e dos dramas humanos que transparecem nesses rostos, pode permitir humanizar a lei, ou seja, fazer com que a lei conheça o olhar amplo do núcleo da Poesia. E o cuidado nas palavras nunca será excesso. Uma palavra a mais e o pano será crestado. Como afirmava Cícero, um adjectivo basta para fazer baixar um voo soberano.

Recordemo-nos de Leónidas de Tarento, poeta zeloso da coroa de cada texto, e que a avaliar pelo que nos chegou e que remonta aos século VI-Va.C, tinha um cuidado no limar da poesia, como se qualquer hífen pudesse não salvaguardar o cerne da realidade, e se assim não fosse, que diria dela o Direito?

E tudo afinal, à distância de séculos e tão aqui. E sempre o tempo dirá tudo à posteridade. E sempre o tempo será um falador mesmo quando nada se pergunta.

Assim nos disse o texto/poema de Eurípides, poeta grego que nasceu no dia da batalha de Salamina (480 a.C.) – o célebre combate entre persas e gregos. E foi Medeia representada pela primeira vez nas Dionísias Urbanas, no ano em que começou a guerra do Peloponeso (sec.V a.C.) e, se deste conflito armado, entre Atenas e Esparta não resultasse o que acompanha o conceito do triunfo em causa justa, não teríamos registado o quanto o Direito evoluiu também e por destruição de mundos. Acrescentamos ainda que se Medeia vingasse como justa, no retirar ao homem a sua descendência, então diríamos, que nenhum recurso do amparo bastaria, para unir uma realidade que deveria ser incidível, nó górdio, distante o suficiente de qualquer espada.

Recorde-se que um aedo é também estranho herói se acredita na superação dos perigos das ignorâncias. Como pode o homem agir? Sem núcleo até o Poeta não é princípio nem valor. O número da Escola Pitagórica deixa de se sustentar.

O mundo abraça-se lá onde tudo é fonte. Pensar é resistir, pensar é devir, pensar é metamorfosear, pensar é o exercer o direito à diferença.

Um poema nunca é terminado, apenas abandonado. A manutenção de uma ordem jurídica encontra a sua pura paz na evolução a que está condenada. Talvez por isso o tempo nunca precisará de ser morto: é ele que mata e renasce em todos os livros das ideias livres.

Com a leitura de Castoriadis compreendemos melhor o quanto estar liberto da tirania de ser o próprio, é admitir a manta de retalhos do individuo de todos os dias. É, igualmente, não compreender o princípio da subsidiariedade como herdeiro legítimo de uma autonomia em maturidade. É não conhecer a razão como mestra.

Cícero no livro De Legibus diz-nos que deverá deduzir-se a explicação da natureza do Direito da própria natureza do homem e não da vontade dos povos ou das autoridades que fazem a lei.

E que dizer da existência da força criativa do Direito e da Poesia?, quando a nau e os dias clamam

Dante! Dante Alighieri: signore, sono felicíssimo di verdevi; però credo che il tempo cambi.

 

De facto, muito do que existe é estorvado por tudo quanto a ausência domina.

Direito e Poesia sabem-no!, em limbos sem nome de onde não há regresso, apenas o andar.

 

M. Teresa Bracinha Vieira

(Fevereiro 2014)