Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
É um grande amigo que perco, que conheço há cerca de quarenta anos e com quem tive sempre uma relação de admiração e estima pessoal. Membro ativo do Centro Nacional de Cultura deixa-nos um lugar insubstituível. Sempre nos encontrámos numa ligação muito próxima e de confiança mútua. É uma das grandes referências da cultura portuguesa contemporânea. Não podemos esquecer o poeta e o ensaísta dotadíssimos. Foi um escritor de todos os ofícios e sempre com elevadíssima qualidade e sensibilidade, capaz de abranger de um modo amplo e compreensivo a identidade portuguesa e a sua ligação universal desde os clássicos aos modernos. O recente ensaio sobre as identidades europeia e portuguesa é de uma grande lucidez e pertinência, devendo constituir um motivo sério e obrigatório de reflexão. Era um humanista dos tempos de hoje - frontal, corajoso, determinado. Não podemos compreender a leitura moderna de Camões sem o contributo de Vasco Graça Moura - daí que a sua versão fidelíssima de «Os Lusíadas» para os jovens seja fundamental quer nos domínios cultural e literário, quer pedagogicamente. Como tradutor, basta lembrarmo-nos de «A Divina Comédia» de Dante e de toda uma obra inultrapassável. Foi, nesse sentido, um espírito do Renascimento nos nossos dias - e nunca o esqueceremos por isso. Não há palavras neste momento. Apenas o silêncio de uma sentida homenagem a um dos nomes maiores da cultura portuguesa.
No meio de tanta aflição, procuro estar sereno, afasto angústias... Vim, pela manhã de fim de inverno a prometer primavera, apoiar-me na bengala de velho para caminhar à beira-mar. Aqui, onde o sol faz respirar a terra e subir do mar esta neblina que enche de misteriosa graça a transparência do ar. Adivinho no horizonte próximo o recorte familiar das serras que hoje não vejo e a transpiração telúrica de tudo me esconde, como promessa de noiva. Também pode ser bom sentir o que não temos nem vemos... Talvez seja mais livre o braço cuja mão não prende mais do que o fugidio ar, e no vago só alcança a vaga esperança de saber que um dia há - esse dia,sim, tão certo que já o sentimos antes - em que tudo há-de alcançar... Será, quiçá, imaginação minha, ou estranha saudade de não sei o quê, mas pensossenti agora - cântico épico ou prece malinké, ao som gemido de uma korá - o conto magoado do guerreiro que sofreu o esquecimento da sua amada. Não foi traído, nenhum rival, possível ou impossível, lhe roubou um coração atento ao seu. Foi, só e simplesmente, esquecido. Preterido pelo sossego pretendido por quem, ao risco doloroso de se dar a querer bem, preferiu o dogma silencioso de ficar bem consigo. É fácil amar para fora, e tão difícil amar por dentro. E todavia... o amor só é verdadeiro quando a verdade é essa íntima certeza, tão fiel, do coração. Amar é, sempre, procurar a reunião, e pode o caminho do amor, por isso mesmo, ser sempre uma procura. Da primitiva divisão celular - que inspirou Georges Bataille a afirmar que l´érotisme c´est l´affirmation de la vie jusque dans la mort, - até à morte, todos procuraremos, sejamos Don Juan ou S. João da Cruz, essa transformação do amor na cousa amada. Mas o que diferencia um frade carmelita ou um monge cartuxo dum courreur de jupons não é o objecto, mais ou menos feminino, sexual, sublimado ou carnal do seu amor: é a fidelidade. E não se é fiel por convençaõ ou obrigação. A fidelidade é interior à alma. O amor de Deus, como o amor humano - e há tantos amores surpreendentes! - não pode ser calculado ( calculista nunca!) : dizia Pascal que le coeur a des raisons que la raison ne connait pas ... Não se referia,presumo, a arrebatamentos... E se uma ascese interior for mestra do nosso amor, é ao pensarsentir o querer bem que nos descobriremos. Mais livres, mais puros, mais verdadeiros. Esta carta talvez coubesse num bilhete postal. Ou talvez seja maior do que muita escrita. Como a aragem da manhã... Dou-te a mão