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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Paul Bowles: podemos embelezar as feridas?

 

Paul Bowles nasce em NY e vem a falecer em 1999 em Tanger onde vivia desde 1947 , local onde escutaria Mozart durante um ano inteiro. A sua casa cedo passou a ser um acolher da geração beat, os novos boémios hedonistas que celebravam a não conformidade. A “Beat generation”, fez parte do grande movimento de “contracultura”, no qual os Beatles acrescentaram força e germinaram novos princípios de livre criatividade e generosa interpretação de uma solta sexualidade.

Tenesse Williams, Truman Capote entre outros, faziam da estada na casa de Marrocos de Bowles, uma viagem a viver e a partilhar como oração a uma liberdade em profunda mudança num especialíssimo caminhar pela estrada, na qual se encontraria gelo, deus e cada qual e todos:  os sailboats moving.

 

 

 

Paul era também compositor, para além de poeta e escritor de viagens, e quando li o seu livro “ O Céu que nos protege”( The Sheltering Sky),  obra adaptada por Bertolucci ao cinema com o título “Um chá no deserto”, senti o quanto a mensagem forte era, a de que é necessário, fazer o que é preciso. Sempre. E neste fazer o que é preciso, cabe o fazer de nós actores e espectadores da vida, e, conhecer de nós, a nossa ausência nela.

John Malkovich (Port) e Debra Winger(Kit), nos finais dos anos 40 chegam ao Norte de África com o comum amigo George. Surge-me neste filme, um modo de estar de Port e Kit nas suas deslocações, como viajantes e não como turistas, interpretando sons, cores e cheiros e luz, e agora numa exótica e mística atmosfera do deserto. Port e Kit viviam juntos, mas cheios de incertezas na sua relação. Kit procura-se perdidamente, e Port numa viagem muito própria e enroscada num campo aberto ao discernir, vem a adoecer e morre, confessando a Kit que afinal vivera para ela, como quem confirma da vida que dela fez um amor nómada e leal à infidelidade consentida.

A solidão do Saara, afinal, propõe-se esclarecer o casal que sempre buscou algo mais, viajando. Enfim, de modo estrangeiro e próximo, segredam-lhes as dunas tudo o que a vontade quer sob o garrote do sol.

Pela densa filosofia do livro «The Sheltering Sky», vai-se mais fundo no modo de conhecer este casal que, para se recuperar em paixão, defronta-se com o desespero isolado da morte que tudo mudará para sempre.

 

 

«Quantas vezes mais contemplarás a lua cheia a erguer-se? Talvez vinte. E, no entanto, tudo parece ilimitado».

«A morte vem sempre a caminho mas o facto de não sabermos quando chegará parece afastar a natureza finita da vida. É essa terrível precisão que odiamos tanto. Mas, como não a sabemos no seu inteiro significado, pensamos que a vida é um poço inesgotável.»

 

 

No poema de Bowles

Tudo é demasiado tarde
Não somos dignos uns dos outros.

(…)Deixa-me fazer-te compreender

(…)Deixa de lutar contra a verdade

 

SIDI AMAR NO INVERNO

Penso que nunca vi o teu rosto

(…)A água corre. Nunca te vi chorar.

Chegará o dia em que as linhas do céu
Se desprenderão das torres
E em que tu, que tremes pela noite
Partirás para os lugares sombrios ao lado de um desconhecido.

 

«Canção de amor»

Os lábios estão onde está o sangue
Os olhos são o que os dedos prendem
Sabendo agora o que podia ter sido
Dirão os lábios o que os olhos viram?

E temos vontade súbita de dizer

Leva-me.

Somos breves neste mundo e como tudo o que julgamos garantido tem um prazo limitado!

E redigo: talvez o idoso sentado à mesa do café às portas do deserto, nos aguardará sempre, para nos confirmar em silêncio, uma partida e uma chegada; deambulação e perda. Encontro, afinal contido, mas em que houve um tempo.

It is the only way out.

Em 2007 o CCB em Lisboa executou várias obras musicais de Paul Bowles. Dedicou a Paul Bowles, uma larga reflexão. Fui relendo blessed be god and I, blessed be all his angels and all my thoughts, we have ice god and I.

A Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa celebrou profundamente o centenário de Paul Bowles estendendo-se o evento à Cinemateca e ao Museu Oriente.

Foi-me aos poucos ressurgindo “Um chá no deserto” nas memórias também de nómada. E talvez tenha conseguido ver com claridade o céu da noite mudo de tanto milagre.

E Deus!, do deserto de sal, de estepe ou de areia, eu vi, que de todos, a noite cai, pétala a pétala, aproximando-se da terra.

E sim, sim fui com ela até ser manhã.

Poderemos embelezar as feridas?, ou secá-las como missão de um sol?

 À janela o tigre ri.

Responde-nos,  Paul Bowles.

 

Teresa Vieira

Obs. Saúdo a chancela Assírio & Alvim e a tradução de José Agostinho Baptista, ed. 2008.

Vasco Graça Moura

 

E no entanto nada se termina aqui: há que aproximar o tempo e através dele a obra na sua localização e intensidade.

O sofrimento é uma experiência solitária. Caminhá-lo é, por vezes, compará-lo e abreviá-lo até que, de chofre, a vida se afasta de súbito.

O primeiro livro de poesia que li de Vasco Graça Moura foi “O mês de Dezembro e outros Poemas”. Cerca de 10 anos depois conheci-o em casa de amigos comuns e quando lhe recordei este livro, o Vasco Disse-me:

Tem tanto tempo e a sua mística é jovem, mas trazemos sempre as coisas do passado.

Sim, trazemos o passado connosco, no dia-a-dia, mas revisitá-lo para assumir a surpresa, é um desafio, entre os muitos que aceitou este homem da Cultura.

 

M. Teresa Bracinha Vieira

27.04.14