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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A força do ato criador

 

Forma (Order) e Projecto (Design).

 

 ‘O edifício antigo tem a luz da eternidade.‘

Louis I. Kahn, 1964

 

O texto ‘Monumentality’, de Louis Isadore Kahn (1901-1974), publicado em 1944, no New Architecture and City Plannig: A Symposium, traz consigo o tema da nova monumentalidade nos anos que se seguiram ao New Deal americano.

Monumento é a grande tentativa do Homem em construir a duração eterna. Ao estar associada à durabilidade e à vida pública, a produção monumental, tende a ter o valor de excepcionalidade, porque implica a construção de um objecto arquetípico.

A nova monumentalidade que Louis I. Kahn propõe e que surge nos Estados Unidos, como resposta à pressão económica do pós-guerra, pode ser definida como uma qualidade espiritual de uma estrutura que se quer eterna. A partir deste momento a arquitectura moderna confronta-se com o monumental.

As obras de Kahn têm elevação e severidade, com as suas formas geométricas elementares e as suas enormes superfícies lisas. A força da maior parte das construções de Kahn reside na interacção de espaço com massa. Espaço define-se de modo mais espiritual ao permitir a entrada da luz. Massa deve analisar-se sempre racionalmente como uma questão estrutural. Ao manipular conjuntamente a entrada da luz natural e a estrutura, é possível obter arquitectura.

 

‘Uma grande construção deve, em minha opinião, iniciar-se pelo imensurável para depois durante o processo de elaboração do projecto passar ao mensurável.’ (Louis Kahn, 1962)

 

Os monumentos de Kahn estabelecem-se assim, entre a dualidade forma e projecto, entre ideal e real. Kahn procurava definir espaços através da unificação da luz e estrutura. Para Kahn a génese da arquitectura está no momento em que as paredes se abriram e apareceram as colunas para permitir o trespassar da luz. Kahn persegue o classicismo mássico e o espaço escultural – admira o templo grego, o volume dentro do volume e a existência do espaço exterior como momento de transição.

Forma (Order) para Louis Kahn é lei, essência, crença, abstracção, existência, espaço e luz. É aquilo que um edifício deseja ser, é aquilo que de um edifício permanece com o passar do tempo. É essência que o arquitecto tem de descobrir antes de o contaminar com questões pragmáticas. Importante para Kahn é constituir uma ideia, suficientemente fluída, capaz de organizar todas as partes do projecto, capaz de manter um grau de neutralidade porque a imposição de modelos estritos por parte do arquitecto pode anular a espontaneidade – e Louis Kahn diz: ‘O homem vive para se expressar (…) A inspiração para expressar é aquela que cria a necessidade humana de procurar formas que não se encontram na natureza.’

Os monumentos de Kahn, como forma, desejam:

  • Ser manifestações históricas de aspirações de uma época – resultado da fusão de silêncio e luz. Silêncio do ideal, associada à forma essencial e à verdade. A luz forma espaço ao atravessar a massa construída: ‘A room is not a room without natural light’.
  • Seguir uma ideia condutora e encontrar espaço para desenvolver valores que não têm tempo e encontrar o absoluto eterno.
  • Cumprir um carácter social, criando lugares colectivos que permitam a inspiração no seio de uma comunidade.
  • Resolver o desejo humano de reunião e de assembleia (‘Um lugar de reunião debaixo de uma árvore’ dizia Kahn acerca do projecto da sinagoga não construída de Adath Jeshurum 1954-55).
  • Basear-se na ordem natural e tradição (no sentido da origem histórica) – Kahn admirava as ruínas antigas, libertas de imperativo. Quais formas históricas Kahn reinterpreta? A construção de pedra da Antiguidade Greco-Romana e o esqueleto estrutural da Catedral Gótica.

 

Projecto (Design) para Louis Kahn é pragmatismo, regra, recurso e presença. Projecto é, por oposição à Forma, tangível e circunstancial porque depende das exigências do lugar, do programa, do orçamento, da estrutura e dos materiais. A arquitectura, ao apresentar uma forma inicial que evolui de acordo com sucessivas exigências programáticas, é Projecto, é regra.

Os monumentos de Kahn, como projecto, são:

  • Componentes de uma herança histórica, que estão de acordo com as capacidades técnicas da sua época – a sua obra é expressão do seu tempo.
  • Cada material apresenta uma lógica construtiva própria – o tijolo, o arco; o betão, a arquitrave.
  • Definições de perfeição e de continuidade estrutural.
  • Afirmação da verdade dos materiais expostos – Kahn acredita numa arquitectura em bruto.
  • Kahn restaura o valor hierárquico e funcional de uma parede, de um pilar, de uma viga, de uma cobertura, de uma janela, estudando a sua relação com o espaço (uma parede exterior não tem a mesma importância que uma parede interior).
  • Hierarquização de formas, funções e materiais. Cada função específica tem uma unidade estrutural própria, cada material (agora exposto à vista) tem uma utilização adequada. 

Sendo assim, Kahn faz surgir a monumentalidade pela história, pelas formas geométricas perfeitas e pesadas, pelo silêncio e pela luz, pela ordem e pelos recursos tecnológicos avançados.

 

Ana Ruepp