JOSÉ VEIGA SIMÃO, HOMEM DE EQUIPA
Por Guilherme d’Oliveira Martins
Desde cedo, aprendi a admirá-lo, a compreender a vivacidade do seu espírito, sempre dotado da inquietação própria de quem combate todos os fatalismos, todas as tentações de indiferença e imobilismo. Sendo um homem de pensamento e de reflexão teve a capacidade de acreditar na transformação da sociedade, no sentido de um mundo melhor, de justiça e de conhecimento, de liberdade e de solidariedade. Em todas as funções que desempenhou deixou marca de movimento e de mudança – e, além dos impulsos que deu, soube, como poucos, partilhar responsabilidades e criar equipas em que estiveram por exemplo, Adelino Amaro da Costa e António Sousa Franco.
Ministro da Educação Nacional de 1970 a 1974, o Professor José Veiga Simão, crente na inevitabilidade da democracia, rompeu com a ideia de que o atraso educativo era uma fatalidade de um país atrasado e pobre. Idealizou, assim, um processo de transição, que retomasse a orientação da Primeira República, alargando a escolaridade obrigatória para oito anos, acabando com uma escolha prematura e discriminatória aos dez anos entre o liceu e o ensino técnico, abrindo o caminho para um ensino secundário, onde houvesse liceus clássicos, liceus técnicos e liceus artísticos e para novas universidades. Haveria que prosseguir com mais audácia o Plano do Mediterrâneo da OCDE em que se empenhara o Ministro Leite Pinto. A sociedade portuguesa tinha de se preparar.
Veiga Simão afirmou, por isso, emblematicamente: “Um princípio fundamental que não me canso de repetir (…) é o da necessidade de uma autêntica democratização do ensino que, sem exceção, permita a qualquer jovem ocupar na sociedade o lugar que lhe compete em exclusiva dependência da sua capacidade intelectual e sem condicionalismos sociais e económicos”. Não esqueceu o que Aquilino Ribeiro disse sobre “a inteligência congelada nos ribeiros do interior”. Havia que abrir as mentes e que dar resposta aos jovens das periferias das cidades.
E permitam-me que invoque a importância atribuída à política cultural de Veiga Simão. Tratava-se de entender a cultura como fonte de desenvolvimento e como fator de abertura e de liberdade, contando com a participação de pessoas de horizontes largos e com liberdade de espírito, como António Alçada Baptista, Ruben Andresen Leitão, Miller Guerra, Lindley Cintra ou Maria de Lourdes Belchior. O diálogo entre saberes foi para o Professor Veiga Simão uma exigência permanente, do mesmo modo que o seu humanismo universalista reclamava a cooperação internacional.
Licenciado em Ciências Físico-Químicas na Universidade de Coimbra, obteve os Doutoramentos em Física Nuclear pela Universidade de Cambridge no Cavendish Laboratory, pela Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra. Em 1961, assume a cátedra da Universidade de Coimbra. Dois anos depois é nomeado reitor da Universidade de Lourenço Marques, em Moçambique, cargo que desempenha até 1970. E depois de 1974 e em coerência com o seu empenhamento pela mudança do País, é embaixador de Portugal nas Nações Unidas – reconhecimento singular da sua independência e genuíno sentido de cidadania. Seria ainda, numa carreira exemplar de serviço público, Ministro da Indústria e Energia, Presidente do Laboratório Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial e Ministro da Defesa Nacional.
A história da transição democrática portuguesa tem de reconhecer o papel fundamental de Veiga Simão, que nos deixa inesperadamente, e que ainda tinha entusiasmo para continuar a servir Portugal.