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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

As irmãs Brontë

O fascínio e o mistério envolvendo as irmãs Charlotte, Emily e Anne  veio a desenvolver o chamado mundo Brontëano que nasce e logo se expõe nos tempos da rainha Vitória em Inglaterra.

Estas irmãs conseguiram a notoriedade no universo literário de então, não obstante serem mulheres e mulheres de vidas tremendamente sofridas. Entendem utilizar nomes masculinos nas suas obras literárias, pois receavam que o preconceito contra as mulheres escritoras, as vencesse numa luta tão profundamente desigual que coragem não bastasse.

Muitos rios de tinta correram já sobre a vida e obra destas irmãs, filhas de um austero reverendo inglês. Na verdade,  a despeito da rígida educação que receberam , exploraram estas irmãs, áreas do amor/paixão, da sombria natureza humana, como se tivessem habitado uma vida de convívio com a percepção das realidades  em liberdade, e não confinadas à pequena casa que habitavam e que se abria para o cemitério do lugar.

Na escrita das irmãs Brontë existe uma clara luta contra impossibilidades, luta que passa pelo físico e pela linguagem que escolhem para clarificar a consciência encontrada, e o desejo de a partilhar através da inteligência e da emoção. 

Principalmente conhecidas pelos seus romances como é o caso do livro de Emily “O Monte dos Vendavais”, ou o “The Tenent of Wildfell Hall” de Anne, ou ainda “Jane Eyre” de Charlotte, escreveram também poesia.

Foi pela chancela da Relógio D’Água, no corrente mês, e pela tradução de Ana Maria Chaves, que me chegou às mãos os “ Poemas Escolhidos das Irmãs Brontë”.

Tento a sugestão de os atravessar num comum verso, mas tão distinto poema, que, o índice de procurar estas irmãs pela poesia constitua também um desafio.

 

Às vezes penso que um coração apertado

Me faz assim chorar quem está ausente,

E mantém o meu amor tão arredado

Dos amigos e amizades do presente;

Às vezes penso que é só um sonho.

(…)E a Paciência, do jugo já cansada,

Rende-se ao desespero,

A Vida acabará e eu não vivi;

Onde está a minha juventude?

Trabalhei, estudei, ansiei, sofri,

Todo esse tempo de plenitude.

 

Ao encontro de Charlotte e por outro caminho Emely responderia:

 

Estava em paz, e vossos raios bebia,

Eles, que eram vida para mim;

E em sonhos inconstantes eu me comprazia,

Como o calca-mares no mar sem fim.

Ideias e estrelas, uma a uma,

(…) Enquanto vindas de parte nenhuma

(…) E por entre os olhos fechados.

 

E  Anne continuaria o diálogo solitário nas mãos destas palavras:

 

God! If this is indeed be all

That life can show to me ;

(…) While I go wandering on

(…) From earth, and air, and sky

(…) As in the days of infancy

Sweet Memory! Ever smile on me.

Pode a infância ter tanta glória?/Ou será prodígio da Memória/Que o passado vem dourar?/

Nem tudo é divino; os seus reveses/(Embora de pouca dura tantas vezes)

Custam mesmo assim a suportar.

 

Teresa Vieira

Abril 2014

ENSINO DO TEATRO EM PORTUGAL 5 – ALVARO BENAMOR OU O ENSINO DO PROFISSINALISMO


Em 1959, Álvaro Benamor é nomeado professor da cadeira de Arte de Representar e Encenação no Conservatório Nacional. Desde o ano anterior, frequentava eu, como aluno-ouvinte, as aulas até então ministradas por Fernando Amado, titular da cadeira de Estética Teatral, mas acumulando as duas disciplinas desde a aposentação de Samuel Dinis: na semana passada evoquei essa experiencia, que tanto contribuiu para aminha cultura teatral.
A nomeação de Álvaro Benamor revelou-se entretanto totalmente adequada na dimensão do exercício profissional, que Benamor prosseguia, com ator e encenador, desde 1928. Mesmo para um aluno - ouvinte, que não desejava seguir a carreira mas se iniciava então em trabalhos de crítica e de investigação na História do Teatro Português, a assistência às aulas de Benamor revelou os aspetos da representação e da encenação, na perspetiva da formação e do desempenho da profissão de ator.
Nesse aspeto, Benamor revelou-se um professor de grande qualidade. Vinha credenciado com uma carreira exigente no teatro declamado mas também no teatro radiofónico e, à época, nas primícias da televisão, que ia para o ar, recorde-se, em direto, o que exigia dos elencos um rigor exponencial. E Benamor, para além do seu talento e técnica, revelava-se, em cada espetáculo e em cada aula, um homem de cultura, de técnica de cena, e também um verdadeiro pedagogo
Uma excelente carreira como ator ao longo de dezenas de anos implica obviamente repertório à altura. É de notar, aliás, que o último espetáculo profissional de Benamor terá sido A Dança da Morte de Strindberg na Casa da Comédia, dirigido por Jorge Listopad. Na época escrevi que “Álvaro Benamor conseguiu por forma magistral comunicar o progressivo compromisso moral de Kurt, a sua psicologia algo fraca e hesitante”. E ao longo dos anos 60, destacam-se espetáculos e interpretações relevantes num repertório que incluiu designadamente Colette, Graham Greene, Eduardo de Filipo, Kleist, Shakespeare, Sheridan, Gogol…
Mas também no Trindade, Álvaro Benamor surge como encenador na Companhia Portuguesa de Ópera, com um repertório que deu devido destaque a óperas portuguesas – Serrana de Alfredo Keil, A Vingança da Cigana de Leal Moreira, A Condessa Caprichosa de Marcos Portugal – além do grande repertório operístico, que, na época, estava concentrado no Teatro de São Carlos e, com mais público em cada espetáculo mas menos espetáculos, no Coliseu.
Isto passava-se na atividade profissional. Porque no Conservatório, Álvaro Benamor selecionava, para os alunos, um repertório clássico português, a partir de Gil Vicente, percorrendo dos clássicos aos contemporâneos, e dando assim uma complementação das cadeiras teóricas, desde a História da Literatura Dramática à Filosofia do Teatro…
Mas dessas falarei a seguir.


DUARTE IVO CRUZ

LONDON LETTERS

 

The RHS Chelsea Flower Show, 2014

Uma esplêndida regalia para o olhar e ponto de encontro anual para os amantes da jardinagem. Desde meados do 19th century, 1862 creio, que o Great Spring Show marca a agenda londrina. HRM The Queen esteve já de visita à iniciativa, a elevar o perfil de uma exposição internacional com traço e sensibilidade a gosto inequivocamente britânico nestes windy days. Un temps tout à fait de saison! A edição de 2014 estará aberta ao público durante toda a semana e desperta os sentidos quando a reta final da campanha eleitoral se estreita no tema da emigração em troante crescendo de tons étnicos. Também por isso é recomendável a ida aos jardins de Chelsea, os quais nem a I World War cerrou. Na era do genoma, a raça é pobríssimo argumento político. Dear, dear me! A swallow doesn't make the summer! Amanhã é dia de ballot box. Sahelizado o centro, o sistema de Westminster testa os extremos.

A aprazível proposta primaveril da inspiradora Royal Horticultural Society soa ainda mais irrecusável em plena temporada de caça ao voto. A exposição tem sempre muito para observar, mas nesta edição há notas de interesse maior. Uma é a homenagem aos combatentes da Great War, com o espaço floral do Birmingham City Council a reproduzir ao vivo uma trincheira; e a segunda é a presença da Tibetan Blue Poppy, a meconopsis dos Himalayans, cuja cor contrasta com as abundantes papaver rhoeas vermelhas que beberam o sangue de 600.000 dos nove milhões mortos nos campos bélicos da Flandres. A por cá raridade suscita, algures, curiosa interrogação numa exibição destinada a proporcionar direta experiência com o mundo das sensações. Quantas tonalidades tem o azul? Cor conservadora, por definição, anda agora a revelar alta volatilidade na paleta partidária, um pouco como o mar, luminoso à tona e escuro nas profundezas. Acresce o interesse da localização do evento perto do Thames. Bairro de escritores, afluentes por sinal, como Mrs George Elliot ou Mr Henry James, além de residência eterna de Mr Thomas Carlyle, The Sage of Chelsea, o Flower Show apresenta-se desde 1905 no perímetro do Royal Hospital e é uma das causas de os Edwardians at war tomarem como etiqueta o arranjo floral na mesa e o jardim na casa.

O contraponto ao debate eleitoral é bem vindo. Após tantas profecias de um terramoto popular nas eleições europeias, que as locais são assunto estritamente das comunidades, aumenta o grau de curiosidade em torno dos resultados finais. Os otimistas acham que nada de essencial mudará. Ainda assim, recrudesce o ruído em torno das propostas isolacionistas do Independent Party de Mr Nigel Farage. Sinais abundam de talvez a indiferença escoltar também gélida abstenção. Frau Angela Merkel informou até o eleitorado de estar a sua chancelaria em Berlin a cuidar dos arranjos florais nas instituições europeias.

Por cá roda ainda caseira controvérsia que denota quanto a vida política dispensa hoje a memória e o entendimento, abreviada no aventureirismo da vontade. Ontem com Mrs Hilary Clinton em público e hoje com HR Prince Charles of Wales em privado, surgem expressões de desconforto face a ambos recordarem a similitude histórica de atos e argumentos no expansionismo de Herr Adolph Hitler nos 30s e Mr Vladimir Putin na Crimea. A diplomacia possui subtilezas e escusa aquilo que RH Harold Nicolson designa de "a misconception of human nature", mas não dispensa os valores. Assim, aliás, se escolhem votos e trincheiras. No alerta ao West do mestre: — The gap which has been created between reality and unreality constitutes a serious menace!

 

St James, 20th May

 

Very sincerely yours,

 

V

A VIDA DOS LIVROS

de 19 a 25 de maio de 2014

 

O livro é delicioso e o autor José-Augusto França aproveita duas décadas do século XIX para nos relatar em pormenor o Portugal desse tempo, com proximidade e distância relativamente aos nossos dias. O título é prometedor e o conteúdo é imprescindível para quem queira compreender melhor quem somos e donde vimos: «Memórias do Conselheiro Adalberto Martins de Sousa (1880-1890) – Estudo de factos socioculturais» (INCM, 2014).

 


UM PERÍODO CHEIO DE PERIPÉCIAS
Pode dizer-se que os anos oitenta e noventa do século XIX são decisivos para a compreensão da evolução política portuguesa, antes e depois desse tempo, nos constitucionalismos. Chegando ao fim a influência de Fontes Pereira de Melo e de Anselmo José Braamcamp, chefes dos regeneradores e dos progressistas, percebemos a fragilidade de uma situação que, à míngua de recursos, vivia do crédito e da dívida pública, na ilusão de que essa riqueza permitiria satisfazer a amortização e os juros, conseguindo fazer os melhoramentos. Poderia ganhar-se nos dois tabuleiros: o do progresso e o da satisfação dos credores. A história é conhecida: é verdade que houve uma relativa estabilidade política, baseada, porém, na ilusão do efeito da sementeira de libras. De facto, foi enterrado em 1851 o machado da guerra civil, sob a designação regeneradora. Cartistas, constitucionalistas e «tutti quanti» puseram-se de acordo em fazer um rotativismo. Faltou, contudo, a riqueza estável e duradoura (hoje diríamos, sustentável) que permitisse aliar o fomento à legitimidade política. E a história das finanças públicas tornou-se o drama da dívida, que acabou com o convénio com os credores de 1902, com a garantia humilhante das receitas das Alfândegas de Lisboa e do Porto e cinquenta anos fora dos mercados.

 

COM MUNDO E SENTIDO CRÍTICO…
José-Augusto França dá-nos oportunidade de seguirmos essas duas décadas, através dos acontecimentos mais marcantes, mercê da invenção memorialística de um Conselheiro, nascido em Viana do Castelo e falecido na capital (1829-1890). O autor explica minuciosamente como um longo manuscrito lhe chegou às mãos – a partir de uma zelosa Drª Genoveva de Sousa Almeida. Quando apresentei o livro no Centro Nacional de Cultura cometi a imprudência de dizer que se tratava de uma figura extraordinária; mas o Professor França obtemperou, com a razão e a determinação que lhe conhecemos, que nada de extraordinário tinha este Conselheiro, que apenas, em bom rigor, era um «honnête homme» do seu tempo. Atento, cultivado, dotado de senso comum, conservador aberto, com uma rede de amizades interessante (Ramalho Ortigão, Rafael e Columbano Bordalo Pinheiro, mas também Antero, Oliveira Martins e Eça), Adalberto Martins de Sousa é um bom cicerone do seu tempo. Não temos um Acácio ou um Pacheco, mas apenas estamos diante de alguém com mundo e sentido crítico, sendo funcionário do Banco de Portugal e leitor atento das novidades guardadas e fornecidas pelo «bom Gomes da Férin». Lá está tudo o que é fundamental: o «Portugal Contemporâneo» e «Os Maias», os «Sonetos Completos» de Antero de Quental, Camilo e Cesário, a surpreendente referência à morte de Karl Marx (1883), a «Vida Nova» e os «Vencidos da Vida», os Painéis de S. Vicente de Fora, Soares dos Reis, Fialho de Almeida e D. Pedro II, mas também desde a Conferência de Berlim ao republicanismo. O Conselheiro provinha de uma família que vivera na Rua da Bandeira, em Viana do Castelo, a mesma artéria que deu nome ao célebre banqueiro, o Barão de Porto Covo da Bandeira, Jacinto Fernandes, com Palácio em S. Domingos, à Lapa, e influência significativa no seu tempo, desde o velho Banco de Lisboa, padrinho do Conselheiro e daí uma ligação forte deste à realidade económica e financeira desse tempo. Se é certo que estas «Memórias» tiveram de sofrer uma redução para que pudessem ser dadas à estampa, a verdade é que podemos usufruir plenamente dos comentários fundamentais e dos acontecimentos mais marcantes – desde as comemorações do centenário da morte de Luís de Camões (1880) até ao «Ultimatum» inglês (1890). E lá está, assim, nas entrelinhas a explicação sobre a evolução pendular portuguesa entre a ilusão do sucesso e o peso dramático das dificuldades. Contando com o testemunho do genial Rafael Bordalo Pinheiro («espécie de seguro de bom-humor bem necessário nas tristezas dos dias»), temos a vida satírica do «António Maria», a que o visado achava graça («o Conselheiro era o primeiro a rir-se das imagens em que se via metido»…), apesar das naturais reservas aos comentários mais azedos. «Em 1884 (…) ele foi mostrado como arlequim, em boneco recortado, para armar, proclamado “o maior” em todas as línguas, por todos os jornais do mundo!»; e ainda viria a ser representado, depois de 1886, com uma «coroa de dentes», qual novo pequeno rei… Mas, mais célebre do que a do próprio Conselheiro Fontes, é a caricatura de Zé Povinho, em especial quando «se transforma em Povo, atirando os aparelhos ao ar», libertando-se da albarda…

 

A FIGURA IMPAGÁVEL DO CONSELHEIRO ADALBERTO
O Conselheiro Adalberto era regenerador, partidário de Fontes, sobre quem diz, no dia tristíssimo da sua morte, que era «estadista moderno, senhor de uma vasta visão reformadora, homem de reflexão e de ação, de criação e de organização, de um labor permanente, tudo sacrificando, de vida pessoal imaculada, ao que entendeu sempre ser uma missão nacional…». Ramalho considerou que com ele «abateu o eixo em que se mantinha e girava toda a evolução da política». E Oliveira Martins que «foi educado pelas ideias do seu tempo (hoje anacrónicas) e propôs-se modernizar Portugal e conseguiu-o. Sarjou o país de caminhos de ferro, inundou-o de capitais estrangeiros, nacionalizou a consolidação da dívida, implantando o livre-câmbio e fez-nos entrar em cheio no regime do capitalismo europeu». Mas o Conselheiro lamenta: «pena é, ou foi, ouso escrevê-lo, que duas personalidades assim (Fontes e O.M.) não tivessem podido entender-se neste país… E como já no reinado do Senhor D. Pedro V, num mal-entendido que perdurou! E vêm-me ao espírito as palavras com que o grande Herculano pretendeu orientar o golpe de Marechal (Saldanha) em 1851, prevendo abrir caminho aos portugueses «pondo-lhes nas mãos o mais eficaz e mais seguro instrumento de trabalho: a terra». E se o Conselheiro fala sempre do outro partido, como «progressista», entre aspas, não deixa de lembrar as qualidades de Anselmo José Braamcamp, com quem Oliveira Martins se entendera: «coube-lhe então (11.8.1869) a ingrata tarefa da pasta da Fazenda, e foi aí que mais diretamente, no Banco (de Portugal) tive a honra de o conhecer. A semana dramática de agosto de 1869, à beira da rotura de crédito, foi levada a bom termo graças ao empenho e à competência do ministro; e de tal modo ao seu empenho que comprometeu os seus próprios haveres, assinando pessoalmente muitas letras de suprimento do Tesouro». Ou seja, o próprio Braamcamp respondeu com os seus bens pessoais às obrigações do país. E o Conselheiro recorda ainda a atitude tonta do Marechal Saldanha no golpe de maio de 1870, as tensões entre a «unha branca» (de Loulé e Braamcamp) e a «unha preta» (do Conde de Valbom), e a união dos históricos e dos reformistas do Bispo de Viseu no Pacto da Granja (1876) e a continuidade do rotativismo… Os tempos repetem-se.  

Guilherme d'Oliveira Martins

TÃO IMENSA LUZ ME ALUMIA…

 

Minha Princesa de mim:  

 

Estou muito cansado, esta noite tem-me trazido mais motivos de inquietação, antes merecesse eu uma carícia que me trouxesse sombra de sono e de paz...  Que consolação poderei eu levar a outros, se não tenho nenhuma? De que me vale querer que se queira bem à alegria e se deseje a esperança, quando se insiste na permanência da ruína e na inexistência de janelas? Estendo a mão, e ela fica aberta, empalidecendo com o meu sorriso que nela me entregava. Era meu esse sorriso, é sempre minha a mesma entrega, minha essa mão suspensa, como quem respira em apneia. Recolho-me e penso nessa amiga que me falava da ausência, como se por ela marcasse presença. Presença mesmo, querida amiga, é só aquela muito íntima que trazemos, misteriosamente, no coração. Não há outras. As ilusões são óptimas, excitantes os desejos e projectos, tudo muito múltiplo, convencional, aldrabado e agradável, perfumado ou religioso... Mas verdade, verdadinha, certeza mesmo, é esta fidelidade, não ao próprio ser (cada um se apropria do que quiser), mas ao ser mesmo. E ser mesmo não é propriedade de ninguém. É despojamento: porque sendo, eu mesmo, nada, ninguém se apropriará de mim... Ocorre-me esse poema de um-dois versos de Ungaretti: M´illumino d´inmenso... que eu traduziria por tão imensa luz me alumia... porque, na verdade, eu não tenho luz capaz de me alumiar, só uma outra, estranha, misteriosa, claridade me inundará o caminho. Só nu de tudo, oferecido à transparência  --  que, quiçá, me fere muito  --  me poderei valer em meu sentido. Decorei, no texto grego original, recitei, no texto latino da vulgata de São Jerónimo, o prólogo do evangelho segundo São João: No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus... Concluindo: ... Nunca ninguém viu Deus; o Filho único, que está voltado para o seio do Pai, esse o deu a conhecer. Sabes que sempre considerei este texto um dos maiores de toda a literatura universal: E o verbo se fez carne e habitou entre nós, e contemplámos a sua glória, glória que deve a seu Pai, como Filho único, cheio de graça e de verdade... O evangelho de São João é o meu preferido, talvez pelo discurso directo, pelo testemunho da clarividência. Dizem os especialistas, que é , dos quatro canónicos, o que andará mais perto da verificação histórica. Pouco me importa. Para mim, é sobretudo um texto que respira verdade. Não somente a possível em afirmações teóricas  --  como o que é dito no belíssimo prólogo  --  mas no testemunho de factos que, contados de outro modo, seriam fabulosamente inacreditáveis. E, todavia, na narrativa joanina, eles ganham uma coerência consistente com uma afirmação inicial de fé. Assim, o verbo que se fez carne e habitou entre nós, é o mesmo Jesus que ressuscita Lázaro, porque, como diz a Marta, irmã do defunto, Eu sou a ressurreição e a vida... E porque Marta acreditou que Ele era o Filho de Deus, que havia de vir ao mundo, Jesus comoveu-se profundamente e perturbou-se. Depois perguntou. «Onde o pusestes?» Responderam-lhe: «Vem ver, Senhor». E Jesus chorou. Diziam então os judeus. «Vede como era seu amigo». E eu vou acreditar que Jesus, esta noite, chorará comigo. E que amanhã será um novo dia. E dou-te uma mão surpreendentemente serena.

 

Camilo Maria

   


Camilo Martins de Oliveira 

A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

 

Agnes Martin e a alma visível.

 

‘There are two endless directions. In and out’, ‘The thinking Reed’, Agnes Martin

 

O trabalho meticuloso que Agnes Martin (1912-2004) desenvolveu a partir de 1960 revela a imaterialidade que habita o interior do sujeito que cria. Os seus textos revelam a alma como sendo o único elemento necessário para a criação. Agnes Martin acreditava que através dos meios mais simples poderia atingir uma possibilidade de revelação. Martin utilizava várias palavras para descrever a experiência ilimitada que a arte poderia indicar: ‘infinity’, ‘joy’, ‘bliss’, ‘the sublime’. E identificava o seu trabalho com a tradição metafisica de Rothko e Newman – nascida em 1912 – estes eram os artistas da sua geração.

 

‘When the mind is untroubled, is when inspiration is most possible

Life has passed me by and I am content

I would like my work to represent the Ideal in the Mind. ’, ‘The Untrouble Mind’, Agnes Martin, 1971

 

As pinturas de Agnes Martin, a partir de início dos anos sessenta, relacionam-se com o estado puro e limpo da mente do criador. Para criar Martin acreditava ser necessário viver experiências profundas e intensas. Depois de viver em Nova Iorque Agnes Martin mudou-se para o Novo México onde passou a viver quase como ermita - e ai dava sobretudo importância ao lado espiritual e reflexivo da arte. Acreditava que a alma se revelava através da matéria sendo independente dela e que a alma ao libertar-se do corpo do sujeito poderia ser devolvida à sua origem divina. Assim Agnes Martin conseguia criar uma alma visível nas suas telas através do uso de rectângulos, linhas horizontais, o branco e o preto.
 

Ora o infinito no trabalho de Agnes Martin é entendido como imaterial, ilimitado, revelação, insubstancial, repetição e diferença. É a imensa expansão do sujeito transcendental. Para Martin o necessário era reconhecer a inspiração e representá-la. O seu sentido visionário de infinito já está presente no final dos anos cinquenta, a partir de experimentações que lidam com o efémero e com o quotidiano, através da utilização do ready-made. Só no Novo México, abandona esta realidade mais material. E a partir de então os seus trabalhos passam a explorar a lógica da grelha e sugerem o sentido do todo infinito mas também do fragmento limitado. Os seus desenhos e as suas pinturas equilibram-se assim entre a regularidade e a irregularidade, a precisão e a imprecisão, o ritmo e o intervalo. Apesar de cobrir a superfície na totalidade com linhas que se repetem infinitamente e através de intervalos contínuos, as grelhas apresentam sempre um limite e são executadas manualmente, onde as diferenças e as irregularidades aparecem. As suas telas podem ser vistas como sendo o espaço do seu espírito. Alguns dos trabalhos apresentam títulos como Leaf ou Wood – Agnes Martin insistia na existência do infinito num grão de areia. Martin escreveu 'Look between the rain, the drops are insular.'(The Untrouble Mind’, Agnes Martin, 1971) - na realidade exterior Agnes procura entender o mistério infinito da vida. Os seus desenhos e telas revelam o entendimento subjectivo desse mistério. Esse entendimento e revelação intensifica a profundidade do sujeito sobretudo através da execução de cada trabalho - a demora e a repetição associam-se a um intenso monólogo interior.
 

'Experiences recalled are generally more satisfying and enlightening than the original experience.', 'What is Real?, Agnes Martin, 1976
 

E a repetição no trabalho de Agnes Martin é usada como um processo de sublimação e igualmente como uma maneira de mostrar o interminável trabalho de um trabalho. Os desenhos e as pinturas são espaços de contemplação e de imaterialidade mas também de trabalho meticuloso e monótono. E dependem sempre da subjectividade e profundidade do sujeito de modo a serem integrados e interpretados.

 

Ana Ruepp

QUANDO EU VI O ARCO-IRIS…

 

Minha Princesa de mim:

 

Por ter passado uma noite insone, adormeci esta tarde na cadeira austera do meu gabinete. Na verdade, já estaria de olhos fechados, escutando minuetos de Haydn... É música de dança, serviu em salões principescos dos Estherhazy da Hungria e noutros de Viena de Áustria, de Londres também. Mas estes minuetos não são só música de salão, divertimentos fúteis para sedas e rendas, pó de arroz e perfumes. Não se quedam em convencionalismos ritmicamente calculados, antes procuram harmonias por vir, e vão às melodias e danças camponesas  -  como a sons urbanos e mesmo militares  -  buscar uma dança mais inspirada e universal. Já te disse e repito: Joseph Haydn é a harmonia como procura, um primeiro Mozart, clássico entre a regra já ousada do barroco e a explosão "autista" dos românticos. Como quem é contido e, todavia, estende a mão num convite à dança... Assim embalado, dormi mesmo, e sonhei. Sonhei-me no balançar da arca de Noé, no meio das águas revoltas do Dilúvio. Lá estava eu, não por ser o patrão nem qualquer dos seus três filhos, nem nenhuma das respectivas mulheres, menos ainda  -  presumo  -  qualquer dos animais transportados. Nem pedi licença fosse a quem fosse para encolhido me acolher à nave salvadora. De pouco me serviria, aliás, o OK! de Noé ou da serpente (e respetivas cônjuges): mas Yahvé sabia que eu estava ali, invisível e atento a tudo, feito transmigrante fantasma. Era eu, mas inconsciente de mim, todo olhos bem abertos que vêem tudo e não contam nada. Afinal, penso agora  --  já acordado e com o whisky-soda à mão  --  talvez seja assim a eternidade: o contentamento de ver. Mas volto ao sonho que tive. Quando da encobridora, castigadora, nuvem surgiu o arco polícromo, e cristalinamente desceu até beijar a terra que se desanuviava, Deus disse a Noé (e eu ouvi muito bem!) : Eis o sinal da aliança que estabeleço entre mim e toda a carne sobre a terra!  E vi então o esplendor das cores todas unidas descendo dos céus. E pensei: se vêm juntas, única será a sua origem; mas algures terão de se separar, seria horrível um mundo em que todos fossem pintados de todas as cores (como pretendem os relativistas e políticos do nosso tempo) ou todos da mesma (como exigem os fanáticos, chamados integristas ou fundamentalistas). Imaginei então o mundo como jardim florido de cores e perfumes vários, como se a glória de Deus fosse o múltiplo esplendor da liberdade da sua criação. No termo desse dilúvio de quarenta dias, ao fim de quarenta noites de trevas, a paz do Senhor regressava, dita por esse arco multicolor, saído do escuro, como o próprio sol que o criava,  o mesmo divino sol que iluminava  -- pondo em cada coisa um traço especial da sua luz  -  o universo inteiro... Da sombra diluviana, espessa e escura, despertava uma claridade nova, a pôr vivas cores diversas em todas as coisas! E eu também despertei, a lembrar-me do padre Louis-Bertrand Castel (1688-1757), inventor de um cravo musical óptico ou cromático, que nunca conseguiu fabricar, tal como o recorda Claude Lévi-Strauss: ... Castel percebera muito bem que cores e sons são de natureza diferente: «É próprio do som passar, fugir, estar imutavelmente preso ao tempo, e dependente do movimento...  ... A cor, sujeita ao lugar, é fixa e permanente como ele. Brilha em seu repouso...» Por outro lado, se « o tom está para a cor, como o grave-agudo para o claro-escuro», este existe independentemente da cor (podemos representar uma cena em preto e branco), enquanto «que ambas as diferenças se reúnem no som, pois não é possível emitir sons graves e agudos que não sejam tonais.» Já mais desperto, melhor percebo porque é que Yahvé quis dizer a aliança através de um arco de cores: para que cada uma delas brilhasse e permanecesse no coração que a recebera, e todos se amassem na diferença. Pois, na verdade, da escuridão inicial viémos todos. Diz o padre Castel (cito-o a partir de Des sons et des couleurs  de Claude Lévi-Strauss: « O negro é uma abundância de cores...  ...E há boas razões para do negro fazer derivar as cores». Que razões? Se o branco resulta da mistura de todas as cores, o negro contem-nas em potência, é, de certo modo, o seu gerador. Assim o prova a matéria, que é, só por si, «tenebrosa e inanimada». Aquecido, o negro ferro vai tomando todas as cores, até ficar branco. Para obterem o negro, os tintureiros vão sucessivamente mergulhando o tecido em banhos de três cores primitivas. Enfim, se o negro é uma tinta, o branco não o é: define-se como a privação de uma riqueza que o negro em si contém: «Tudo vem do negro para se perder no branco». Na minha arca de Noé, eu não era, nem luto negro, nem fantasma pálido e branco. Era invisivelmente transparente, e por isso me foi dado ver, através de mim, esse arco de luz vindo de um negro céu, unindo-se na divisão das suas cores que, dispersas pela terra dos homens, em distante dia de novo se reuniriam na brancura da luz... Dou-te a mão para que contes sete notas, sete cores...

 

Camilo Maria

 

Camilo Martins de Oliveira 

Por uma nesga soberana

 

A manca era uma mulher amputada. Fora ferida em tempos. Andara numa

guerrilha, e um dia abriu guerra ao mundo quase todo. Depois colocou-se

no melhor ponto de vigia, reentrância generosa aos que acediam. Nunca ninguém lhe perguntou se, a ela, a vida, lhe tinha acenado com o medir-forças. Todos ficaram distraídos do suposto acontecido. Os “todos” eram gente a correr, gente bifurcada, gente que nem sabia como se jogava o jogo da eventual última hipótese do entendimento. Submissos e ainda assim, xaroposos, agitavam os poderes, rindo sem higiene.

A manca passara a escutar a força vital dos pontos distantes. Entendia que as estrelas lhe projectavam cones de luz como um abat-jour que apenas ilumina as arestas das palavras e tanto basta. Tornou-se claro que transportava uma paixão. Uma paixão de infância, uma prímula sem par, que se abandonava a um tango de tempo. Tinham-se criado dentro dela elos estranhos e poderosos aos momentos do intuído. A interpretação, sua primeira grande alegria, era a sua árvore-mãe plantada em terra ditosa.

Naquela tarde a sua memória reviu-se no timbre do belo. Aquele belo que abre braços que recompensam em ternura infinda a inexprimível inquietude. Depois, à noite, devolveu-se a si, mergulhada no mundo que vivera, distraída da morte, liberta da máscara e volteando no ar:

«Eu sou uma promessa antiga.»

Quando rompeu a manhã, ainda escrevia: «Eu sou o meu transtorno, o meu

carimbo, o meu teatro, o meu romance, a noite e o dia a descodificar horas e fios debaixo de um manto de caramanchão; eu sou a que recebe o beijo em casa que me desincumbe de mancar, e enfim, volto ao meu acampamento, aquele, no qual faço o balanço das baixas e dos danos, aquele que me entende desactivada, aquele que me olha como uma desforra e ainda assim dobra-se para me amparar do solo; aquele que me vê partir na bolha de uma lágrima e espreita a minha surpresa a sorrir surpreendida face a face ao olhar de um pássaro.»

Nem forma, nem nítida face, nem visita, nem assalto, nem daqui, nem dali, afastada do quando em quando, e já a manca se preparava, atenta, ao porte e à temida marcha.

Um dia, um dia colocou num boião alquímico o limite que afinal lhe não pertencia.

Uma vez mais divergia. Então, na concha das suas mãos, insuflou uma força às puras pérolas, aquelas mesmas que são casa dos afectos sem “se”. Aquelas que por um olhar amado na clareira de um feriado fazem corar o coração.

O céu tão baixo, acenou-lhe com uma escada. A manca reflectiu na condição dos canteiros também se regarem na terra dos mal-entendidos e das rosas colhidas não obstante o cansaço. Subiu o primeiro degrau de mão dada com o cortejo das dúvidas e da condição relativa das coisas. Sabia que a direcção era outra. Fitá-la-ia de frente, ai de si

por uma nesga soberana.

 

Teresa Vieira

Abril 2014

O ENSINO DO TEATRO EM PORTUGAL 4 – FERNANDO AMADO, PROFESSOR

 

 

Já nos referimos longamente a Fernando Amado como dramaturgo. Agora, faremos a referência a Fenando Amado como professor. E essa deve ser entendida em duas dimensões, digamos assim: porque professor foi ele a vida inteira – e a atividade e colaboração direta no Centro Nacional de Cultura comprova-o amplamente. Mas estas crónicas situam-se especificamente na atuação no Conservatório Nacional, onde aliás, como já foi dito, fui seu aluno na cadeira de Estética Teatral e aluno-ouvintes na cadeira de Arte de Representar e Encenação – estávamos na transição dos anos 50/60 do século passado, há mais de 50 anos!...

Já tive ocasião de lembrar a extraordinária pedagogia de Fenando Amado, no sentido múltiplo da cultura que transmitia e na formação técnica aos atores que ministrava: e isto, tanto num sentido teórico, estético e filosófico, como sum sentido direto, prático, de encenação de exercícios, que eram verdadeiros espetáculos, e de direção de atores. Fernando Amado era professor, encenador e até, não raras vezes, nas aulas e mesmo em exercícios públicos, ator.

As aulas de Fernando Amado eram um misto de ensino teórico, de exercício prático e de ensaio de espetáculo. Explicava e exemplificava, naquele seu tom pausado e profundo. Orientava os alunos, subia para o palco, representava com talento e profundidade. O repertório utilizado em exercícios era preferencialmente contemporâneo, pois entendia que é mais fácil começar por obras nossas coevas, sem deixar para trás a abordagem do teatro clássico – mas mesmo essa numa perspetiva da sua própria modernidade.

Sobretudo nos exercícios práticos, a orientação era para a contemporaneidade, mesmo quando se tratava dos textos clássicos. Assim aprendemos todos por exemplo a modernidade de Gil Vicente… Mas o repertório de exercícios práticos revelou aos alunos um conjunto de autores e peças que, no final dos anos 50, início dos anos 60, eram pouco conhecidos entre nós.

 E é interessante pensar que foi no Conservatório, em tantos e tantos casos, o primeiro contacto público – pois as audições eram abertas á critica e ao público – com dramaturgos praticamente inéditos, ou quase, em Portugal. Recordo Thorton Wilder (A Longa Ceia de Natal), Artur Miller (cenas de A Morte de um Caixeiro Viajante), Eugène ONeill (cenas de Longa Viagem para a Noite) Lorca (Amores de Don Perlimpim com Melisa no seu Jardim) … além de clássicos com Shiller e os autores portugueses.

Tudo isto, repita-se, no Conservatório Nacional, em textos por vezes adaptados diretamente pelo Professor: e tudo isto sem necessidade de exame prévio da Censura, que não abrangia a Escola, mesmo em audições abertas ao público.

E finalmente: todo este exercício de espetáculo era fundamentado e enquadrado pelas aulas e pelos ensinamentos na cadeira de Estética Teatral: e aí, Fernando Amado revelava-se imbatível!

 

DUARTE IVO CRUZ  

LONDON LETTERS

 

 

The Un-credible Shrinking Man, 2014

 

Jolly good, indeed! Bastam 3,45 minutos de Coalition Cabinet Meeting com ementa de trabalhos em austerity mode para suscitar sorriso no mais azul dos azuis. A campanha eleitoral trabalhista abre com curtíssima metragem sobre o executivo do dueto Cameron-Clegg. A película é a preto e branco, mais cinza, aliás, com diálogos rápidos, tea, cookies & The Tory Thinking. Caso de batalha naval: Quer o Cleggie governar para as famílias ou fazer amigos úteis? — Explique-moi, chérie, c’est quoi leur politique?! O debate político apresenta-se para já apostado nas legislativas de 2015 e não nos resultados das eleições locais e europeias de May 22. Partidas da imaginação, conservadora decerto, os programas partidários liquidificam-se na chuva mediática. — While the government is dinning, the parliament watches without saying a word! Vede vós o canal do Labour no YouTube em: The Un-credible Shrinking Man. As semelhanças são mera coincidência.

Dias solares, intermitentes chuveiros e planos avulsos em doce batalha do voto. Os primeiros dias persistem em dizer aos eleitores como devem pensar e não o que cada partido se propõe fazer. O rasgo vem do Labour. Think like a Tory! O clip é todo em sólido 50’s style, respeitando até a integridade do B movie que o inspira. O guião ameaça antologia. Momento alto é a promessa eleitoral dos liberais democratas de abolir as propinas. O Premier (actor Dominic Coleman) concorda com a eliminação da taxa de £3,000 university tuition fees; advoga subida para £9,000. O Deputy Prime Minister of the United Kingdom e Lord President of the Council (actor Kevin Hand) preenche o peito com entusiasmo. A discussão é memorável. Clegg: "I am just worried about the figures, sir." Cameron: "You mean the huge amount the students will owe?" Cle: "No, my ratings in the opinion polls. One has one's image to consider." Cam: "Think like a Tory, Clagg." Cle: "It's Clegg." Cam: "Being £30,000 in debt is an excellent incentive for a life of jolly hard work. Twenty five years is not a long time to pay off a loan." Cle: "So what you are saying is that we'd be doing the graduates a favour." One Tory cabinet minister: "You would be a hero." Cle: "I would quite like that.".

 

Humor à parte, no ar andam ilustres ecos de Brussels sobre naked and blatant hypocrisy: declara uma coisa o governo na mesa negocial e afirma outra diferente ao press corps. Também soam advertências ao avanço de racist populism nas sondagens. Algumas dão vantagem aos conservadores de Mr David Cameron — ocupado em personalizar o common man com clever small talk para domésticas sobre o so nice TV show das vésperas. Já o líder da oposição de esquerda Mr Ed Miliband antes brilha com nota para jornalistas sobre decidir com “facts and not polls.” Nas alas, ukippers e liberals jogam em doorstep strategy. Ora, se confirmam não serem instrumentos de cientistas, mas antes aparelho de manipulação de massas, eis números espalhados pelos media em ensaio de reinvenção da realidade. ICM/The Guardian, o qual no sufrágio de 2010 precisamente declarou apoio aos liberais democratas: Con – 33%, Lab – 31, Ukip – 15, Lib-Dem – 13. Porém, no indy YouGov: Lab 36%, Con 35, Ukip 14, LD 9. Algo apenas um pouco divergente.

Uma dúvida há. Acaso o sistema eleitoral representará o pluralismo do voto sob pesada abstenção? — That is the beauty of the way they do it!

 

St James, 13th May

 

Very sincerely yours,

 

V.