Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

LONDON LETTERS

 

The Juncker affair, 2014

 

Lady Margaret Thatcher disse “No, no, no” a Monsieur Delors e deixa Brussels com um cheque na mala; Mr David Cameron repete a negativa mas regressa com um número de telefone local. Aceitemos: o PR style do honorável Premier revela arlanticismo. Chérie, celui la passe le jeu. A escolha do novo comissário-presidente da European Comission sofre igual tormenta. Por etapas. Os europeus votam forte na abstenção, seguida do centro-direita e este apoia um spitzenkandidaten cujo federalismo pragmático não é a cup of tea para o Number 10. Mr David Cameron diz do desagrado de London a Berlin. Mr JC Juncker ganha o posto por maioria qualificada e ratificação no European Parliament. Resultado ao intervalo: disparo na cotação popular do patriótico Prime Minister. Humm, this all could go badly wrong! O cenário de fundo é propício. O WW1 Anniversary vivifica a reinvenção do continente político a expensas das vidas do Archduke Franz Ferdinand of Austria e da Duchess of Hohenberg mais 10 milhões de mortos e 20 milhões de feridos. Os Scotties olham o calendário.

Mr Andy Murray soma e segue em Wimbledon, temperando o céu em dias com forçosa questão matinal — Summer, what Summer!? Imagens e cartazes da Great War 1914-18 dominam a envolvente. A rota para os Flanders Fields que aniquila uma geração europeia é cá diariamente recordada. A venerável Press reproduz o melhor dos arquivos, quando alguns na Academia experienciam as tentações virgilianas de St Jerome. Entre os hard facts vindos a lume distingue-se o papel singular que as public schools tiveram no conflito, tanto no massivo recrutamento para as fileiras, quanto no tratamento de retaguarda dos seus feridos, mas também no correio que os masters mantêm com pupilos em uniforme e metamorfoseiam até desatentos estudantes em ávidos leitores. Assim melhor se compreende a tradição literária das trincheiras.


Já a contagem minguante do Scotland referendum estimula equações binárias para o day after. Tudo permanece ainda em aberto. Caso derive o fim de The Scottish Act of Union of 1707, Westminster Hall sofrerá pesadas baixas. O tiro nas Houses of Parliament lê-se face ao Irish Precedent. A desunião extingue 59 lugares nos Commons e 62 nos Lords ‒ um pesadelo nas estratégias partidárias! A representação regional é ali fortemente assimétrica: os Conservatives têm um MP, os  Liberal Democrats possuem 11 e o Labour regista 41.

Seja como seja o voto outonal, seguir-se-á uma reforma da constituição. Isso propõe The First Minister of Wales, Mr Carwyn Jones. Também Mr Ed Miliband e o Labour preparam planos eleitorais para uma ampla devolução de poderes (e despesa) às cidades e regiões. Em London, hoje, os localismos ganham ainda outra e mais luminosa face. Ocorre o “pré póstumo” regresso ao palco dos gloriosos Monty Python e histórica lição. — Please, this is supposed to be a happy occasion. Let’s not bicker and argue over who killed who.

 

St James, 1st July

 

Very sincerely yours,

V

Oscar Wilde

 

DE PROFUNDIS

 

De Profundis é, uma longa carta de Oscar Wilde dirigida a um companheiro e amigo da dourada boémia conjunta. Escreveu esta carta durante o tempo em que esteve preso, por ter perdido um processo que se iniciara de difamação e que chegaria a garras tortuosas. De Profundis, seu derradeiro trabalho em prosa.

Em 1897, este irlandês de origem, atravessa para sempre a Mancha e segue para Paris, Córsega, Sicília, Roma, Nápoles e regressa a Paris onde vem a falecer em 1990.

A versão correcta desta carta viria a ser publicada em 1962 no livro de cartas The Letters of Oscar Wilde. O original foi doado em 1909, ao British Museum com a condição de que não fosse apresentado ao público durante cinquenta anos.

Oscar Wilde, homem de bom gosto e senso estético invulgar foi também um diletante pensador dissidente do usual. Dandy nas opções, ocupa também o seu tempo em actividades ociosas e lúdicas e transbordantes de prazer, tanto quanto o vinho pode transbordar da taça como símbolo de excessos, máscara ou real obsessão pela procura da alma que afinal vai conhecendo ser repelida e abandonada em cruel solidão.

A sua delicada sensibilidade empolgada pela dor do silêncio da cela leva-o a traçar rumos de vida mais sã, mais humilde, mais ligada à Natureza. Este poeta que leu no texto grego as palavras de Jesus, também sofreu, pelo muito que lhe foi dado interpretar:

A vida da prisão faz-nos ver as pessoas e as coisas como realmente são. Por isso é que ela nos transforma em pedra.(…)

Do outro lado do muro da cadeia há umas pobres árvores de que estão agora a brotar botões dum verde quase gritante. Sei perfeitamente o que nelas se está a passar: estão procurando expressão.

E continua:

Onde há dor há terreno sagrado. Um dia os homens compreenderão o que isto quer dizer.

O lugar de Cristo é, realmente com os poetas. São seus companheiros Shelley e Sófocles.

E De Profundis é seguido da Balada Do Cárcere De Reading. Reading, o cárcere à beira da cidade de Reading.

E todos os homens matam a criatura amada – de todos seja isto ouvido !

Uns matam com um olhar acerbo, outros com uma palavra blandiciosa,

mata o cobarde com um beijo, com uma espada o valente !

Há páginas fundamente comovedoras e inevitavelmente realistas neste livro-frémito de uma vida. Há muito do inesquecível poema  “Ravenna”

Por muito tempo

Galopei, corri no crepúsculo

E outrora passei o carmesim no arrebol da tarde,

E finalmente estava dentro dos muros de Ravenna!

Com este poema foi Wilde laureado com o prêmio Newdigate em 1878. Ravena, a italiana cidade, obecessão de Oscar Wilde, por tudo o que estava relacionado aos Romanos e muito principalmente aos Gregos pelos quais lavravam os dias.

Sempre que releio Wilde pergunto-me por quanto tempo as cores lhe respiraram bênçãos? Por quanto tempo o bosque dos desejos lhe omitia as transgressoras paixões? E à hora certa terá havido sempre um ainda muito tempo?

 

M. Teresa Bracinha Vieira

Junho 2014