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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

REENCONTROS

 

Um dia, chegado a Veneza, caiu um amigo comum, o Luís, numa profunda e negra melancolia. Realçámos, eu e o António Alçada, que o que o tinha deixado a salvo de pior na estada, fora a ingenuidade que por lá não encontrou. Salvou-o que todas as gondoleiras fossem meretrizes. Salvou-o que a terra tenha sido originariamente um mar, ou o inverso. Salvaram-no as imprecisões lucidas, o eu vejo tudo, e o eu já não sou amante. Salvou-o a construção de um carrossel em forma de árvore numa das ilhas que visitou perto de Murano. Afinal, só assim e sem dono, nem eira certa, soube cuidar da dinastia dos cantores de rua que por lá encontrou de mão dada com a sua melancolia.

Lembrámo-nos, neste almoço perto de Sintra, que uma das canções dos cantores de rua, deixara o Luís muito impressionado pois que o refrão dizia numa generosa tradução «Ó amados meus, perdoem-me de que sou culpado? Que mais quer a vossa vida de preço trivial para me condenar depois de atado?»

Sorrimos à obediência de que todos somos capazes sem análise de culpa. Recordei as palavras de Pascal: «o género humano deve ser considerado como um mesmo homem que subsiste sempre e aprende continuamente». E, se assim é, ou fosse, como se explicaria as imensas capaciddes de hábitos que pesam e tecem a imensa massa que nos tolhe? E acrescentaste: e com o imenso peso da inércia a seu favor! Teresa, não alimentemos grandes ilusões sobre o poder das grandes estruturas sobre nós. Homens são seres acossados pelas necessidades, obcecados pela seguranç. A maioria estaria indiferente aos sentires do Luis em Veneza ou noutro local qualquer.

Contudo, modificam-se as estruturas a pouco e pouco, e à custa daquela meia dúzia que nada aceita do que está aceite, e também aqui está o sorriso de Deus, ou como dizias, Ele ri-se mas é daqueles que andam por aí a fazerem o mundo como está.

Olha querida Teresa, este bacalhau está bom. Ela assa-o muito bem nas brasas. A Lucia, que daqui a nada está aqui e depois dos beijinhos dirá: sr. Dr. quer mais azeitinho?, ou está mais desejoso de pão?

E a gente cala-se, claro!, para não entrarmos nas tais conversas de homem para homem, ou, neste caso de homem para mulher.É também esta a aventura dos livres, dos melancólicos, dos alegres filhos de Deus, isto sem ordem de prioridade.

Então o Luis deu-lhe para aquilo em Veneza e nada mais? Podia ser no Prior Velho? Faz parte da condição humana, é isso que queres dizer?

É . Ele sentiu-se parte de uma certa população activa e não gostou.

Ora ainda bem! Estou farta de ver matar o Mozart à nascença. Está a gente com muito jeitinho a ver se chama a atenção para Os Irmãos Karamasoff , a escrever livros que nada têm a ver com os hábitos e…

É  giro, contigo, muitas vezes, sinto-me um herói equestre a fugir da santidade ou à procura da palavra que a substitua.

Reencontros?

 

M. Teresa Bracinha Vieira

Julho 2014

( original de um texto retrabalhado e publicado em 2009)