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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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OS MAIS ANTIGOS TEATROS DE LISBOA – I – O PATIO DAS ARCAS E OUTROS TEATROS DOS SECULOS XVI- XVII

 

A evolução do teatro, no sentido de dramaturgia e espetáculo, liga-se obviamente à definição de espaços e à evolução da própria arquitetura e do urbanismo: sendo certo que a tradição de espaços/edifícios de vocação para espetáculo publico, documentada em Portugal no que resta dos teatros romanos – e é pouco, como temos visto no site e-cultura/e-teatros do CNC - perdeu-se ao longo de séculos.

Basta ver por exemplo as indicações dos locais de estreia das peças de Gil Vicente, recolhidas na compilação efetuada pelos filhos do dramaturgo, Luís e Paula Vicente. Foi por ocasião do nascimento do futuro D. João III, em 7 de Junho de 1502, que Mestre Gil consolidaria a tradição histórica do teatro escrito em português, com a representação, na câmara da Rainha, do Monólogo do Vaqueiro. E o que se seguiu, na obra vasta e variada de Gil Vicente, seus contemporâneos e sucessores imediatos, é uma pletórica de textos e espetáculos produzidos em Igrejas, em palácios, em ruas e praças das cidades, esquecidos que estavam, demolidos, arruinados, abandonados e tantas vezes soterrados, os vestígios dos teatros e circos romanos.

Até que em 1590, o empresário castelhano Fernão Dias de La Torre criou em Lisboa os primeiros espaços teatrais públicos permanentes, nos chamados Pátios das Arcas ou da Betesga, aquele no que é hoje a Mouraria, este na zona urbana onde hoje está implantada a rua Augusta. Curiosamente, a fixação destes espaços e, por consequência óbvia, a autorização para a produção de espetáculos, dependia do Hospital de Todos os Santos.  

De assinalar que o Hospital situava-se na área onde se foi construído e inaugurado em 1846 o Teatro de D. Maria II: curiosa vocação urbana ligada ao teatro…

Mas há notícia de outros Pátios em Lisboa, identificados pela localização: o Pátio das Fangas da Farinha, perto do Tribunal da Boa Hora, ou, mais curioso, o chamado Pátio das Hortas de Conde: trata-se da área urbana onde em 1765 se construiu o primeiro de três sucessivos Teatros da Rua dos Condes, no seculo XIX transformado no que viria a ser o Cine Teatro Condes e em 1952 no Cinema cujo edifício ainda lá está implantado, o Hard Rock Café.

E não é caso único desta implantação urbana dos teatros em zonas da cidade que mantêm até hoje, a vocação de recreio e de espetáculo. Vamos encontrar referencias consolidadas aos sucessivos Teatros do Bairro Alto, onde António José da Silva teria estreado, a partir de 1733, as peças ou óperas para bonifrates, com música de António Teixeira: ou mais tarde, o Teatro do Salitre, este mais ou menos onde hoje se situa o Parque Mayer. Ou, a partir de 1793, o Teatro de São Carlos. Ou a Academia da Trindade, situada num antigo convento, onde se ergue, desde 1867, o Teatro da Trindade. Desses e de outros, falarei mais tarde.

Mas diga-se desde já que aí se trata de teatros-edifícios, construídos numa estrutura vocacionada para o espetáculo, com frisas e camarotes, num modelo que duraria até meados do seculo passado, não obstante a transformação e adaptação ao espetáculo cinematográfico.

Por hoje fico na referência a dois documentos bem ilustrativos da tradição secular dos espaços de espetáculo.

Em 21 de Novembro de 1622, um documento do Município de Lisboa dá conta que o «Pátio da rua das Arcas estava em notável perigo de arruinar e cair com o peso da gente» pelo que «se ordenou ao vereador do pelouro das obras que com o arquiteto da cidade e mais ministros dela (…) fosse ver a fabrica do dito Pátio das Arcas»… (in Eduardo Freire de Oliveira “Elementos para a História do Município de Lisboa” ed.  1888).

E no meu livro intitulado “Teatros de Portugal” (ed. 2005) também recordo que «em 1771, sendo presidente do Senado de Lisboa o Conde de Oeiras, filho do Marquês de Pombal, é criada por decreto de 30 de maio a Sociedade para a Subsistência dos teatros Públicos da Corte, destinada a “sustentar os mesmos teatros com aquela pureza e decoro que os fazem permitidos”»…

Quais eram, tinham sido ou viriam a ser esses “Teatros da Corte”? É o que vamos ver em próximos artigos.

 

DUARTE IVO CRUZ