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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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FOMOS EM BUSCA DO JAPÃO


Ryoanji (templo com a quintaessência de um jardim Zen) 


3. O BUDISMO ZEN 


O Budismo Zen resulta da reformulação chinesa do sentido de despojamento,de transcendentalismo e de renúncia à terra e às conquistas da vida terrena que inspirou o budismo indiano. O pensamento chinês do Budismo desenvolve-se por filósofos taoistas e reflecte a inclinação natural dos chineses para as coisas práticas,terrenas,activas. Os monges zen procuram, logo desde os seus primeiros mosteiros, a igualdade democrática e a contribuição de todos,pelo trabalho manual, para a economia comunitária. Diferentemente dos outros padrões monásticos budistas ou cristãos, não privilegiam a oração, contemplação e penitência, nem as obras de misericórdia, nem a leitura, recitação e estudo de textos sagrados. Antes se dedicam a assuntos práticos, manuais ou intelectuais, e escutam as ocasionais, curtas e crípticas prédicas dos seus mestres, que eles também interrogam: "Mestre, como será a tua vida futura?" Resposta: "Deixem-me ser um burro ou um cavalo, para trabalhar para os camponeses..." A meditação zen é silenciosa. O Zen desconfia das palavras porque receia que estas se destaquem das realidades e se tornem meros conceitos. E o Zen quer tratar das coisas, não das ideias. Não se perde na recitação dos sutras nem em discussões abstractas. E é por isso que encontra eco nos homens de ação, militares, políticos, empresários. Falamos do Zen apenas para melhor entendermos a sua influência sobre a cultura que os primeiros portugueses a chegar ao Japão ali encontraram. Sigamos agora a análise do Prof. Daisetz Suzuki (1871 - 1966) que foi correspondente e amigo de Carl Gustav Jung, Erich Fromm, Martin Heidegger, Karl Jaspers, Gabriel Marcel, Arnold Toynbee e Thomas Merton (o célebre monge trapista americano): "Pode parecer estranho que o Zen tenha sido,por qualquer forma, relacionado com o espírito das classes militares no Japão. Seja qual for a forma que o Budismo tome nos países em que floresce,ele é uma religião de compaixão,e na sua variada história nunca esteve empenhado em actividades guerreiras. Então como é que o Zen acabou por activar o espírito combativo do guerreiro japonês?" Seja-me permitido condicionar parcialmente esta afirmação do Prof. Suzuki,já que penso que o comportamento de muitos mosteiros e templos budistas ao longo dos períodos Kamakura e Muromachi foi de clara intervenção na vida política (Oda Nobunaga ou os jesuítas portugueses do séc. XVI que o digam!), conduzindo manifestações de rua e exercendo outros meios de pressão sobre os agentes do poder secular,sem excluir acções de carácter bélico. Mas voltemos ao Prof. Suzuki: "No Japão, o Zen esteve desde o início intimamente ligado à vida dos samurai. Embora nunca os tivesse incitado activamente a levarem por diante a sua violenta profissão,apoiou-os passivamente sempre que,por qualquer razão, a ele recorriam. Apoiou-os moral e filosoficamente. Moralmente, porque o Zen é uma religião que nos ensina a não olhar para trás, já que o curso se decide à frente;  filosoficamente, porque trata indiferentemente a vida e a morte. Este não voltar para trás vem afinal da convicção filosófica; mas sendo uma religião da vontade, o Zen apela ao espírito samurai mais pela moral do que pela filosofia. Dum ponto de vista filosófico,o Zen prefere a intuição à intelecção, já que aquela é o caminho mais curto para a Verdade. Portanto, moral e filosoficamente, há no Zen uma forte atracção para as classes militares. Sendo o espírito militar -- e esta é uma das qualidades essenciais do combatente -- comparativamente simples e nada atreito a filosofar, encontra um espírito congénito no Zen. Esta é provavelmente uma das principais razões da estreita relação entre o Zen e os samurai. Em segundo lugar, a disciplina Zen é simples, direta, autoconfiante, auto-renunciadora; a sua propensão ascética liga bem com o espírito combativo. O combatente deve ser sempre de uma só ideia, com um único objectivo em vista; para combater, não olha para trás, nem para o lado. Para seguir em frente,afim de esmagar o inimigo, só disso mesmo ele precisa. Não deve pois embaraçar-se de qualquer modo, físico, emocional ou intelectual. Dúvidas intelectuais, se forem alimentadas na mente do combatente, serão grandes

obstáculos ao seu movimento para e frente,enquanto que emoções e possessões físicas são os empecilhos mais pesados para a condução eficiente da sua vocação. Um bom combatente é geralmente um asceta ou um estóico. Isso, quando necessário, é algo que o Zen pode facultar. Em terceiro lugar, há uma conexão histórica entre o Zen e as classes militares do Japão. O Padre budista Eisai (1141 - 1215) é

geralmente olhado como o introdutor do Zen no Japão. Mas as suas actividades restringiram-se,mais ou menos, a Kyoto,que ao tempo era o centro das escolas budistas mais antigas. A inauguração, ali, de qualquer nova fé era quase impossível,pela forte oposição dessas

escolas. Eisai teve de assumir o compromisso de uma atitude conciliatória com a Tendai e a Shingon. Enquanto que em Kamakura,sede

do governo Hojo,não se verificavam as mesmas dificuldades históricas. Além disso, o regime Hojo era militar, sucedera ao dos Minamoto, que se tinham oposto ao clã dos Taira e às famílias nobres da corte. Os Minamoto tinham perdido a sua eficácia como governantes por excesso de refinamento,efeminação e consequente degeneração. O regime Hojo distingue-se pela sua severa frugalidade e disciplina moral, e também pelas suas poderosas estruturas administrativas e militares. As cabeças dirigentes de tão forte aparelho governativo abraçaram o Zen como seu guia espiritual, ignorando a tradição em matéria religiosa; o Zen pôde assim, não só apoiar, mas influenciar variadamente a vida cultural dos japoneses desde o séc. XIII e pela era Ashikaga fora, e até mesmo na era Tokugawa. O Zen não tem doutrina ou filosofia especial, nem um conjunto de conceitos ou fórmulas intelectuais, mas tenta livrar-nos da prisão do nascimento e da morte, por modos intuitivos de entendimento, que lhe são peculiares. É portanto extremamente flexível na sua adaptação a quase todas as filosofias e doutrinas morais,desde que estas não interfiram com o seu ensinamento intuitivo...  ...diz um ditado japonês:´o Tendai é para a família real,o Shingon para a nobreza,o Zen para as classes guerreiras, o Jodo para as massas. Este dito caracteriza bem cada uma das seitas budistas japonesas. A Tendai e a Shingon são ricas de ritualismo e as suas  cerimónias  celebram-se em estilo muito elaborado e pomposo,apropriado ao gosto das classes refinadas. O Jodo apela naturalmente mais às aspirações plebeias,pela simplicidade da sua fé e do seu ensino. Mas para além do seu método directo de atingir a fé final, o Zen é uma religião da força de vontade,e é de força de vontade que os guerreiros prementemente precisam,ainda que iluminada pela intuição." Este texto do Prof. Suzuki foi publicado pela primeira vez em 1938. Em Kyoto, visitámos vários templos Zen e seus jardins, e lembrámos as discussões filosóficas entre monges Zen e jesuítas que

ali tiveram lugar. Na parte oriental da cidade antiga, Nanzenji, o mais importante, edificado no último quartel do séc. XVI, perto do Pavilhão de Prata (Ginkakuji), construído em 1482 pelo shogun Ashikaga Yoshimasa. Em Kyoto ocidental,visitámos o Pavilhão Dourado (Kinkakuji), erigido pelo avô de Yoshimasa, o shogun Ashikaga Yoshimitsu (1358 - 1408) que aos 37 anos se fez monge budista.

E também o Ryoanji, templo fundado pelo daimyo Hosokawa Katsumoto em 1473,onde se encontra a quintessência do jardim Zen, desenhado por Soami. Myoshinji, perto do Ryoanji, foi fundado em 1337, e ainda hoje alberga o sino mais antigo do Japão (de 698) e um sino português (de 1577). O templo de Kiyomizudera, mais a sul, outra vez em Kyoto oriental,está ligado a uma escola budista de Nara : a Hosso,tal como o templo de Kofukuji,em Nara mesmo,que também visitámos. Este foi fundado,no início do sec.VIII por um Fujiwara,família da aristocracia aparentada à casa imperial. Os edifícios hoje existentes datam do sec. XIII. Em Nara ainda visitámos o já referido Todaiji,construído por ordem do imperador Shomu em 752. O Budismo Mahayana, sistema teísta e que preconiza a salvação universal,marcou o padrão das estruturas dos templos budistas no Japão: um pagode (to),um pavilhão principal (kondo),uma sala de aula (kodo),um depósito de sutras (kyozo). Protótipos que visitámos: Horiuji,fundado pelo príncipe Shotoku no sec.VII,e,já na era Nara e do budismo estatal, o Todaiji. O budismo esotérico organiza-se em volta do Buda Dainichi,força cósmica,rodeado de um panteão de divindades e manifestando-se por rituais elaborados. A sua forma artística característica é o Mandala,representação do cosmos e vários deuses. Os seus templos, das seitas Shingon e Tendai,erguem-se fora das cidades,em zonas acidentadas e arborizadas. O budismo da Terra Pura (Jodo),que também penetrará as seitas Shingon e Tendai,concentra a sua devoção no Buda Amida que habita o paraíso (Terra Pura). O Byodo-in, que visitámos, foi construído em1053 pelo nobre cortesão Fujiwara no Yorimichi,e é um belo exemplo da arte budista da era Fujiwara. Voltarei a falar dele. O Budismo Zen apresenta uma arquitectura que o diferencia das outras seitas,e em que se realça o jardim zen, com suas rochas e areias. A influência zen na cultura japonesa distingue-se na pintura e na caligrafia, tal como na poesia e estende-se do sec. XIII ao termo da era Edo, até aos nossos dias.


Camilo Martins de Oliveira