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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Oscar Wilde

 

DE PROFUNDIS

 

De Profundis é, uma longa carta de Oscar Wilde dirigida a um companheiro e amigo da dourada boémia conjunta. Escreveu esta carta durante o tempo em que esteve preso, por ter perdido um processo que se iniciara de difamação e que chegaria a garras tortuosas. De Profundis, seu derradeiro trabalho em prosa.

Em 1897, este irlandês de origem, atravessa para sempre a Mancha e segue para Paris, Córsega, Sicília, Roma, Nápoles e regressa a Paris onde vem a falecer em 1990.

A versão correcta desta carta viria a ser publicada em 1962 no livro de cartas The Letters of Oscar Wilde. O original foi doado em 1909, ao British Museum com a condição de que não fosse apresentado ao público durante cinquenta anos.

Oscar Wilde, homem de bom gosto e senso estético invulgar foi também um diletante pensador dissidente do usual. Dandy nas opções, ocupa também o seu tempo em actividades ociosas e lúdicas e transbordantes de prazer, tanto quanto o vinho pode transbordar da taça como símbolo de excessos, máscara ou real obsessão pela procura da alma que afinal vai conhecendo ser repelida e abandonada em cruel solidão.

A sua delicada sensibilidade empolgada pela dor do silêncio da cela leva-o a traçar rumos de vida mais sã, mais humilde, mais ligada à Natureza. Este poeta que leu no texto grego as palavras de Jesus, também sofreu, pelo muito que lhe foi dado interpretar:

A vida da prisão faz-nos ver as pessoas e as coisas como realmente são. Por isso é que ela nos transforma em pedra.(…)

Do outro lado do muro da cadeia há umas pobres árvores de que estão agora a brotar botões dum verde quase gritante. Sei perfeitamente o que nelas se está a passar: estão procurando expressão.

E continua:

Onde há dor há terreno sagrado. Um dia os homens compreenderão o que isto quer dizer.

O lugar de Cristo é, realmente com os poetas. São seus companheiros Shelley e Sófocles.

E De Profundis é seguido da Balada Do Cárcere De Reading. Reading, o cárcere à beira da cidade de Reading.

E todos os homens matam a criatura amada – de todos seja isto ouvido !

Uns matam com um olhar acerbo, outros com uma palavra blandiciosa,

mata o cobarde com um beijo, com uma espada o valente !

Há páginas fundamente comovedoras e inevitavelmente realistas neste livro-frémito de uma vida. Há muito do inesquecível poema  “Ravenna”

Por muito tempo

Galopei, corri no crepúsculo

E outrora passei o carmesim no arrebol da tarde,

E finalmente estava dentro dos muros de Ravenna!

Com este poema foi Wilde laureado com o prêmio Newdigate em 1878. Ravena, a italiana cidade, obecessão de Oscar Wilde, por tudo o que estava relacionado aos Romanos e muito principalmente aos Gregos pelos quais lavravam os dias.

Sempre que releio Wilde pergunto-me por quanto tempo as cores lhe respiraram bênçãos? Por quanto tempo o bosque dos desejos lhe omitia as transgressoras paixões? E à hora certa terá havido sempre um ainda muito tempo?

 

M. Teresa Bracinha Vieira

Junho 2014

GARRETT NAS ORIGENS DO TEATRO BRASILEIRO

 

Voltamos a Garrett, agora na perspetiva da sua influência na formação da dramaturgia romântica brasileira. Mas começamos a análise numa época bem anterior ao início incontestado do romantismo no teatro do Brasil.`´

Com efeito, já em 1816, na primeira versão do “Bosquejo da Poesia e da Língua Portuguesa”, obra restruturada exatos 10 anos depois, Garrett confere à poesia brasileira um destaque de certo modo iniciático nos estudos literários entre nós. E esse interesse pela expressão literária do Brasil encontra como que uma “retribuição”, em termos da literatura e da criação dramática, na iniciação do romantismo no teatro brasileiro.

É certo que a prioridade romântica do teatro brasileiro é geralmente atribuída a Gonçalves Dias e designadamente á sua primeira peça, “António José ou o Poeta e a Inquisição”. De notar que Magalhães editou em Paris, em 1833, a revista “Niteroi”, iniciática para o romantismo brasileiro. E vamos encontrar já a seguir Garrett, também em Paris, em contacto com escritores brasileiros.

 O  “António José” de Magalhães  foi estreada no Rio de Janeiro em 13 de março de 1838: o  garretteano “Um Auto de Gil Vicente” é estreado em Lisboa cinco meses depois, quase dia por dia – 15 de Agosto de 1838. Ora, se formos comparar a qualidade e “modernidade” das duas peças,  há que reconhecer  desde logo a muito maior expressão cénica e literária da peça de Garrettt.

E mais: Gonçalves de Magalhães, aliás escritor de grande expressão, só voltaria ao teatro em 1839 com a peça “Olgiato”, esta passada em 1470 em Milão, com uma curiosidade: o protagonista-motivador da intriga, o Duque de Sforsa, nunca entra em cena!...

Por esta época, Garrett relaciona-se em Paris com o dramaturgo e artista plástico Manuel de Araújo Porto Alegre, o qual, em 1833, pintou um retrato de Garrett fardado de Voluntário Académico, ao serviço do futuro D, Pedro IV. Como dramaturgo, Porto Alegre inicia carreira com um “Prologo Dramático” (1837) a que se seguiram algumas peças, designadamente “Angélico e Firmino” (1845) e  “A Estátua Amazónica” ( 1851).  Mas na já citada revista “NIteroi”, Porto Alegre publicou em 1851 um estudo que curiosamente se aproxima da análise economicista contida no prefácio de “Um Auto de Gil Vicente”.

Diz  Garrett : ”O Teatro é um grande meio de civilização mas não prospera onde a não há. Não têm procura os seus produtos, enquanto o gosto não formar os hábitos e com eles a necessidade. Para principiar, pois, é mister criar um mercado fictício”. 

!3 anos decorridos, Porto Alegre escreveu: “Sem público não há arte alguma que vigore; sem público não há artistas que progridam (…) o público é o grande educador de todas as artes e seu juiz de facto”…

E mais: em 1843, Porto Alegre empreende a criação do Conservatório Dramático do Rio de Janeiro, consagrado por “Aviso Imperial” datado de 24 de Abril daquele ano. E novamente aí podemos encontrar ecos da reforma de Garrett, consagrada na Portaria de 15 de Novembro de 1836, que criou o Conservatório Geral de Arte Dramático e reformulou toda a atividade institucional do teatro português.

E finalmente, temos Gonçalves Dias,  estudante em Coimbra, afirmando-se expressamente “discípulo” de Garrett e autor, entre mais peças, de um interessante drama histórico, “Leonor de Mendonça” (1847).

Em 1 de janeiro de 1836, o Marquês de Loulé, Ministro dos negócios Estrangeiros na época,  escreve a Garrett, propondo-lhe a nomeação para a Legação de Portugal no Rio de Janeiro  num cargo hoje correspondente ao de Embaixador. Garrett  desempenhara essas funções em Bruxelas, junto da então recente Corte belga (1834-1835/36) . Exerceu também cargos e  funções  diplomáticas diversas: mas terá recusado, com alguma alacridade, essa nomeação para o Rio.

E no entanto, podemos imaginar a influencia que viria a ter na formação e renovação do  teatro romântico brasileiro!  

 

DUARTE IVO CRUZ

SOPHIA, SÍMBOLO INDELÉVEL…


Desenho de Ana Ruepp

 

Por Guilherme d’Oliveira Martins

 

A homenagem nacional a Sophia de Mello Breyner Andresen é um ato de elementar justiça e de reconhecimento artístico e cívico! A poeta é uma das grandes referências da cultura portuguesa. Clássica e moderna, encontra e prolonga Fernando Pessoa por um caminho próprio e diferente. E Eduardo Lourenço afirmou que “desde os tempos de Pascoaes, a poesia portuguesa esforçava-se por conciliar Apolo e a sua mítica expressão solar da vida com Cristo, sombra sob tanto excesso de sol, deus morto para que a morte não fosse confundida com a vida digna desse nome. Se essa conciliação teve lugar em algum lugar foi na poesia de Sophia”. Sentimos a coexistência de Atenas e Jerusalém. Daí ter nascido “precocemente clássica”, talvez fora de uma modernidade, por definição em crise, mas ciente da importância dos novos caminhos em busca da dignidade do Ser. E assim Sophia chega a Nietzsche e à ligação dionisíaca, através de um “Cristo Cigano” – que não espera que o crucifiquem e que se oferece nu ao esplendor da vida que misericordiosamente o assassina – “mas a sua morte despe-o da sua aparência solar e esculpe-o em redentora agonia onde o rosto do Ausente se revela”. E sentimos a sede de justiça, que leva a não fechar os olhos ao “espantoso sofrimento do mundo”. Francisco Sousa Tavares disse, na melhor fórmula que conheço, que Sophia "tinha sinais do seu Deus na confusão dos homens". Eduardo Lourenço diagnosticou "uma espécie de milagre, de raro e quase incrível privilégio" que deve "ter preservado cedo a jovem Sophia, católica e portuguesa, daquela obsessão culpabilizante que encharca por dentro a lírica nacional". Sophia foi com a sua escrita e o seu exemplo, uma referência forte que fica para além dos jogos de palavras e das circunstâncias. "Depois de tantos séculos de pecado burguês, a nossa época rejeita a herança do pecado organizado. Não aceitamos a fatalidade do mal. Como Antígona a poesia do nosso tempo não aprendeu a ceder aos desastres. Há um desejo de rigor e de verdade que é intrínseco à íntima estrutura do poema e que não pode aceitar uma ordem falsa" (Arte Poética III, 1964). Todos quantos se cruzaram com Sophia, são unânimes em reconhecer que a capacidade criadora e a sensibilidade artística excecionais se aliaram sempre a uma inteligência política arguta. Os seus discursos políticos mostram-no. Os seus combates recusavam a ambiguidade. “No Centro Nacional de Cultura fiz de tudo” – confessa-nos. Então “discutia-se tudo: os sistemas políticos, os problemas sociais, os problemas religiosos, o Corbusier, a pintura moderna, o surrealismo, o Fernando Pessoa, a literatura portuguesa, a literatura brasileira, a literatura americana, a guerra de África. À discussão cada um trazia o que sabia e também o que era”. “Às vezes a polícia política (PIDE) aparecia: um dia fez uma busca à procura de uns papéis que não encontrou porque o Francisco os tinha escondido no frigorífico”. Vemos, ouvimos e lemos – não podemos ignorar. Contra a ambiguidade, “sempre a poesia foi para mim uma perseguição do real (disse um dia). Um poema foi sempre um círculo traçado à roda duma coisa, um círculo onde o pássaro do real fica preso. E se a minha poesia, tendo partido do ar, do mar e da luz, evoluiu, evoluiu sempre dentro dessa busca atenta. Quem procura uma relação justa com a pedra, com a árvore, com o rio, é necessariamente levado, pelo espírito de verdade que o anima, a procurar uma relação justa com o homem”. E lembremo-nos do entusiasmo posto por Sophia na tradução de «Anunciação a Maria» de Paul Claudel. Sente-se a proximidade relativamente ao artista de «Arte Poética». «Esta é a noite / Densa dos chacais / Pesada de amargura / Este é o tempo em que os homens renunciam». Longe da exclusiva busca de doçura, o que há, sim, é a permanente demanda de uma vida de drama, de dúvida e de contradição. Tomé e Pedro estão sempre presentes, antes e depois de pôr a mão na ferida aberta ou de ouvir o galo cantar, sempre perante o medo terrível que leva Mara ao ato de desespero perante Violaine. «Aquele que partiu / Precedendo os próprios passos como um jovem morto / Deixou-nos a esperança». É aqui que a poética de Sophia se aproxima e se afasta de Claudel. Aproxima-se porque há a procura silenciosa da esperança no equilíbrio da palavra e da justiça, nunca a confusão com qualquer certeza intolerante. Mas distancia-se, uma vez que não pode haver ambiguidade na luta agónica. Violaine é símbolo, a um tempo, da incerteza e da força, num gesto inusitado e necessário do beijo ostensivo ao leproso.

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