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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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FOMOS EM BUSCA DO JAPÃO

 
Castelo Nijo Jo em Kyoto

 

8. REFERÊNCIAS TALVEZ ÚTEIS

 

Folhetins ou lembranças em fascículos são como as cerejas: vêm-nos à mão e ao gosto da boca enlaçadas umas nas outras. Recordações e ideias, memórias e representações que nos encantam o coração. Mas contá-las  -  não em número, mas em partilha só, a tal que nos faz bem a todos  --  pode pedir-nos molduras, para que olhares e escutas se situem. Irei assim marcando, de quando em vez, o meu relato com noções e datas que ficariam bem num compêndio  - dirão alguns  - se sempre corretas e infalíveis... Mas tanto não posso garantir: planto apenas marcos que sinalizem um caminho de leitura. O primeiro registo militar da designação samurai data do século X, e refere-se aos guardas do palácio imperial em Heian (Kyoto). Mais tarde, samurai será a designação de uma elite guerreira, com estatuto social definido e difícil de adquirir. Os samurai estavam ao serviço do imperador, de um senhor feudal (daimyo), ou dum senhor da guerra. E tinham, a segui-los e servi-los, numerosos soldados de infantaria, de cujos nomes e feitos não reza a história, com excepção dos que, pela notoriedade da sua bravura, ascenderam à classe da nobreza guerreira que os samurai formavam. Shogun significa comandante em chefe para a supressão dos bárbaros, e o primeiro do título foi Minamoto Yoritomo. Título esse conferido, em 1192, pelo imperador que, desde então, se tornou apenas em símbolo da identidade japonesa, deixando o poder militar e político entregue ao shogun que, enquanto foi sendo membro da família Minamoto, se estabeleceu, longe de Kyoto, em Kamakura, perto da actual Tokyo. Tokyo, aliás, é o nome dado a Edo  -   sede do governo do shogunato Tokugawa  --   já depois da chamada restauração Meiji, quando a capital imperial (Kyo) passou de Kyoto para Edo ou Tokyo. Os kanji ou caracteres sino-japoneses, que aqui não reproduzo, no caso de Kyo, pronunciam-se, em ambos os topónimos, da mesma maneira, e ambos significam capital. Já To (em Kyoto) e To (em Tokyo) ´, tendo pronúncias similares, são caracteres diferentes e com distintos significados: o primeiro é miyako (cidade capital) e acentua o facto de Kyo (Kyoto, Heian ou Miyako) o ser; o segundo quer dizer oriente ou leste, pois Tokyo, a nova capital imperial, está a leste de Kyoto. Cabe agora referir que a história do Japão, cujo registo se inicia com a escrita, vinda da China, no sec.VI, se pode dividir pelos períodos ou eras seguintes:

                                     1. de 552 a 710: Asuka ou Kofun

                                     2. de 710 a 794: Nara, do nome da cidade que foi a primeira capital permanente do Japão

                                     3. de 794 a 1185: Heian, de Heiankyo, antigo nome de Kyoto, segunda capital permanente

                                     4. de 1185 a 1333: Kamakura, do nome da cidade em que se estabeleceu o governo (bakufu) do primeiro shogun, Minataomo Yoritomo

                                     5. de 1338 a 1573: Muromachi, período do shogunato da família Ashikaga

                                     6. de 1568 a 1600: Azuchi-Momoyama, período de reunificação do Japão, sob a égide dos generais Oda Nobunaga e Toyotomi Hideyoshi

                                     7. de 1600 a 1867: Tokugawa, do nome da família que, depois da vitória de Tokugawa Yeasu na batalha de Sekigahara, e da sua nomeação como                                                  shogun, em 1603, governou o Japão durante mais de 250 anos, fechado ao estrangeiro (a essa reclusão se chamou saikoku ou país dentro de si),

                                         período também conhecido por Edo, nome primeiro de Tokyo, onde se estabeleceu o bakufu Tokugawa

                                     8. de 1867 (data da restauração do governo imperial, com o imperador Meiji) em diante, as eras correspondem a cada um dos imperadores e desigam-se pelos respectivos cognomes: Meiji, Taisho, Showa ( que conhecemos por Hirohito), Heisei (o actual).

O século cristão ou português situa-se nos últimos vinte e cinco anos do período Muromachi e, sobretudo, durante a era Azuchi-Momoyama, ainda que abrangido, no seu final, pelo começo do shogunato Toikugawa. Mas a era Momoyama encerra quarenta anos de vitalidade e intercâmbio cultural, com os generais Oda Nobunaga e Toyotomi Hideyoshi a substituirem-se aos shogun Ashikaga e a iniciarem o movimento de unificação e centralização política e administrativa do Japão. Foi nesse tempo que muitos daimyo edificaram esplêndidos castelos, e se desenvolveram cidades onde uma nova burguesia de comerciantes ricos surgiu do intercâmbio económico e cultural com os estrangeiros portugueses. Inspirados nestes, no seu trajar, usos e costumes tão diferentes, bem como nas obras, artefactos e produtos que eles trouxeram de fora, artistas e artesãos japoneses inovaram nas artes decorativas, na pintura de biombos, portas e paredes, na escultura, no seu modo de vestir, nos seus hábitos alimentares, e até na representação do mundo e nos cuidados de saúde... Esplendor, exuberância e criatividade, adjectivam as obras de arte desse período, chamado Azuchi (topónimo de um castelo de Nobunaga, que Luís Fróis descreve) e Momoyama (por associação topográfica com o castelo de Hideyoshi em Fushimi). O padre Luís Fróis nos apresenta também o castelo-palácio de Nijo-jo, que visitou, em 1565, fortaleza edificada no centro de Kyoto pelo 13º shogun Ashikaga, de seu nome próprio Yoshiteru. Localizava-se o mesmo castelo (jo) na segunda avenida (ni jo), via principal de ligação entre as duas partes da Kyoto imperial. Destruído, foi logo ali levantado outro, mesmo ao lado, pelo shogun Ashikaga Yosiaki, irmão de Yoshiteru, mas já sob a direcção de Oda Nobunaga, sendo esse também destruído. Mas ,antes disso, Nobunaga oferecera-o ao príncipe herdeiro Kotohito, em 1579. Assim ficou esse Nijo gosho conhecido por palácio de baixo, em referência ao palácio de cima, residência do imperador Ogimachi, ao qual Nobunaga queria que sucedesse Kotohito, já como símbolo do Japão unificado.É esta a  "versão" abaixo descrita por Fróis, quando conta a entrega da carta do vice-rei da Índia, D.Duarte de Menezes, assinada em 1587, pelo padre Valignano, visitador da província japonesa da companhia de Jesus, a Oda Nobunaga.  O magnífico Nijo-jo que visitámos, decorado com pinturas da escola de Kano, foi erigido, um pouco mais a norte, pelo shogun Tokugawa Yeasu. Fosse qual fosse o edifício, mostra que a insistência de shoguns e generais em reerguê-lo naquele lugar corporizava a afirmação, no coração da capital imperial, de um novo poder político no Japão moderno. O Nijo-jo foi o primeiro castelo  -  fortaleza e residência  -  a ser erguido numa zona urbana  -  ainda em tempos de reinos guerreiros (sengoku jidai), iniciados com as chamadas guerras onin (1467-1477)  -  como sinal da afirmação do poder político-militar na capital e da sua ambição de unificação do país... Mais tarde, jokamachi ou cidadelas serão construídas pelos shogun Tokugawa em Edo e Kyoto, como sedes e símbolos do seu poder. E os senhores feudais terão residências obrigatórias  --  eles mesmos ou suas famílias  --  no regaço, por períodos definidos, desses centros. Quanto às suas próprias fortalezas, em terras suas, só mediante autorização… Mas já que este folhetim nos fala de referências, aqui transcrevo trechos de uma das maiores referências da história do Japão no sec.XVI: vamos ao capítulo 40º (1591-1592) da Histótia de Japam do padre Luís Fróis. E depois que acabou de sujeitat a seu império todo Japão, não contente com o que tinha feito, fez outra fortaleza e paços muito maiores e mais nobres e avantajados dentro da cidade do Miaco, aonde estão esses paços que arriba tratamos, e ordenou que todos os senhores de Japão fizessem ali ao redor da sua fortaleza as mais ricas casas que pudessem. E porque o Miaco estava repartido em duas partes, de maneira que pareciam duas cidades  --  a uma lhe chamavam o Miaco de Riba e a outra o Miaco de Baixo  --  fez essa sua fortaleza no Miaco de Riba, aonde determinou de fazer uma nova cidade e a mais sumptuosa que se pudesse fazer em todo Japão...   ... E quase toda aquela parte, em que se continha o Miaco de Riba, repartiu à sua vontade os senhores de Japão, dando a cada um o sítio que lhe pareceu conveniente para suas casas, e deixando uma ruas mui largas, compridas e direitas,...   ... E assim fizeram as paredes das ruas todas, que são cercas de suas casas, mui limpas e fermosas, cobertas com telhados, que tem na frontaria suas telhas douradas, feitas em madeira de rosas; nas quais fizeram em cada casa duas portas mui grandes e magníficas, com suas fronteiras e frontespícios de mui gentil e curiosa arquitectura, guarnecidas e chapeadas todas com diversas lâminas de cobre douradas maravilhosamente bem feitas, como costumam fazer em Japão; das quais uma serve para a entrada comum e ordinária da casa, e a outra está sempre fechada, feita de propósito para entrar por ela somente Quambacudono, quando for por eles convidado ou quisesse entrar a ver suas casas: porque, como em Japão estão tão postos em cerimónias exteriores, tem todos esse respeito ao senhor da Tenca, que fazem para ele uma só porta, pela qual possa entrar em suas casas...   ... E dentro das cercas fizeram depois todas suas casas à maravilha limpas e sumptuosas. E porque as casas são de madeira e em Japão há grandes tremores de terra, e eles também tem outra maneira de arquitectura muito diferente da nossa de Europa, não são suas casas de muitos sobrados, mas acomodadas a seu uso. E assim fazem diversas casas, umas disjuntas e outras continuadas, com que ocupam muito maior quantidade de chão do que em Europa se ocupa. E porque eles fazem uma maneira de sobrados mui altos e soberbos, e sem dúvida tem muito maior magnificência e arquitectura que os nossos, posto que estas casas sejam comumente térreas e sem sobrados, sobem os telhados tão altos que ficam quase tão alterosas como as nossas. E assim a cumieria, como as telhas que estão ao redor daquelas casas, estão todas guarnecidas com diversas laçarias e folhagens douradas; e como em cada casa estão diversos telhados, fazem toda esta parte da cidade uma coisa mui nobre e sumptuosa. E quanto ao que toca a limpeza do interior destas casas, é cousa que com razão poderia pôr espanto em toda a parte de Europa. Também nós nos espantámos, todos, com o asseio por toda a parte no Japão. E com  a acuidade da observação e descrição das coisas por Luís Fróis. Tudo o que vimos surge, nas suas formas essenciais, com as qualidades que ele tão bem apontou... 

   
Camilo Martins de Oliveira