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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

TEMPO DE FÉRIAS…

As feiras, festas e romarias eram uma presença inesquecível do tempo de férias. As louças de barro são sempre uma perdição para os amantes do artesanato popular. Os pratos pintados com os mais diversos motivos, os canjirões, os jarros, as bilhas (para as cangalhas dos burros ou para transportar à cabeça), os alguidares, as assadeiras, as arrozeiras (para os magníficos malandrinhos), as púcaras para os frangos, os tachos e os potes – tudo para vender, com palha espalhada para proteger as quedas. E lembramo-nos do pote de azeite à cabeça de Mofina Mendes: «Vou-me à Feira de Trancoso, Logo nome de Jesu e farei dinheiro grosso…». E ainda Lianor: «Leva na cabeça o pote,/ O terço nas mãos, de prata. / Cinta de fina, escarlata, /Sainha de chamalote. / Traz a vasquinha de cote, / Mais branca que a neve pura! / Vai formosa, e não segura!». Ali, Lianor junto das louças…  Tudo vem à memória com este homem de Eduardo Viana e tanto, tanto para cultivar da nossa nostalgia… 

 

Homem das Louças, de Eduardo Viana  "O HOMEM DAS LOUÇAS" (1919) de EDUARDO VIANA

 

Vendido cedo para a Bristol-Clube (1919-1928, Lisboa), grande casa de jogo, restaurante e clube onde se reuniam as celebridades da época, este quadro da autoria de Eduardo Viana (1881-1967) foi vendido diretamente pelo dono do Clube ao Arquiteto Carlos Ramos. Não deve ter sido nunca repintado, ao contrário de outros quadros do mesmo autor, e, por isso, testemunha com fidelidade a capacidade expressiva do pintor em 1919. Nesse ano imediato à Guerra de 1914-18, atravessava-se um momento em que por toda a Europa devastada se proclamava, tanto no domínio político como no cultural, a necessidade de um retorno à ordem, que foi contrário ao radicalismo das vanguardas artísticas. No meio mais restrito de Portugal, o quadro apareceu como cabeça de série da redescoberta do pré-cubista francês Paul Cézanne (1839-1906) que marcou a tendência construtivista dos anos vinte, em compromisso com o dominante gosto naturalista.

Eduardo Viana, formado pela Academia de Belas Artes de Lisboa, faz a confrontação das práticas pictóricas numa só imagem, nomeadamente os cromatismos tonal de Columbano (1857-1929) e o tímbrico de Robert Delaunay (1885-1941), mostrando também que o modernismo não é incompatível com o gosto popular. À esquerda, um grande disco de delaunianas cores puras corporiza-se num alguidar, sobraçado por tons acastanhados columbanescos. À direita, a mão segura num boneco de barro popular, que Delaunay ensinara Viana e Amadeo a observar, durante a estada do casal Delaunay no Minho, em 1915-16. Tanto num braço como noutro, os volumes são facetados, sendo as facetas marcadas por saltos de claro-escuro (à esquerda) ou por contrastes de cores puras (à direita).

A composição é perfeitamente conseguida, na sua ambição de conjugar unidade e diversidade. Nos cantos superiores do quadro aparecem linhas retas horizontais e verticais, bem integradas na superfície do suporte, enquadrando a cabeça e outras formas arredondadas. No canto esquerdo predominam as cores escuras, num plano frontal que contrasta com os redondos volumétricos. No canto direito, o fundo liso e claro contrasta com cerâmicas de barro preto. Esse canto é o ponto de chegada da diagonal ascendente, marcada pela parte superior de uma das pernas, passando pelo alguidar e pela cabeça.

Rui-Mário Gonçalves (in CNC – Obras de referência).


> Em inglês / in english

OS MAIS ANTIGOS TEATROS DE LISBOA – III

O TEATRO DA RUA DOS CONDES – SÉC. XVIII   

 

O TEATRO DA RUA DOS CONDES – SÉC. XVIII

A rede teatral de Lisboa, no ponto de vista do desenvolvimento histórico da expansão da cidade, apresenta um referencial curioso na sucessão de Teatros e Cinemas Condes, desde o século XVIII, mais ou menos na localização onde o último foi inaugurado em 1952, edifício que perdura hoje com outras finalidades.


A designação de Condes ou Teatro da Rua dos Condes, em sucessivas salas de espetáculo decorre da edificação do primeiro, na zona da cidade onde se erguiam os palácios do Conde de Castelo Melhor e de outros Condes, todos destruídos no terramoto de 1755. Dez anos decorridos, o Teatro inicia atividade regular de teatro declamado e ópera, num edifício abarracado erguido a partir de projeto do italiano Petronio Manzoni.  Por ali funcionou também episodicamente um Pátio.


Foi neste velho Teatro da Rua dos Condes que se iniciou, no ponto de vista de espetáculo, a reforma do teatro português elaborada por Garrett em 1836: aí se instalará a chamada Companhia de Teatro Nacional e Normal, dirigida pelo ator francês Emile Doux, que mais tarde se fixaria no Rio de Janeiro. Mas é de assinalar que a categoria de Teatro Nacional já vinha pelo menos desde as reformas de Pina Manique: Ana Isabel M. T. de Vasconcelos cita as razões do Intendente a favor do Condes – “por ter a largueza que é bem manifesta” designadamente nos “corredores que dão acesso aos camarotes” e ainda “por ter decência a casa onde se vão refrigerar alguns espectadores, para beberem os seus cafés e buscarem outros socorros que nela há”! (in “O Teatro em Lisboa no Tempo de Almeida Garrett”, ed. MNT pág. 24). 


Mas apesar disto, as descrições deste primeiro Teatro da Rua dos Condes não abonam nem da sua qualidade arquitetónica, nem das condições de produção: aliás basta ver as gravuras e ler as referências da época. William Beckford, escrevendo em 11 de outubro de 1787, considera o Condes “baixo e estreito, o palco uma pequena galeria e os atores, pois não há atrizes, abaixo de toda a crítica”. Exatos 50 anos depois, em 1837, José Agostinho de Macedo fala no “pingado, esfarrapado pano”, nas “teias de aranha” e “no denso e fedorento vapor de sebo e azeite de peixe” da iluminação… E em 1872, Costa Cascaes refere-se ao teatro como “espelunca imunda e carunchosa”. (cfr. Duarte Ivo Cruz “Teatros de Portugal” pags. 30, 31) 


A gravura que se reproduz confirma esta apreciação. E note-se que o Teatro Nacional de D. Maria II funcionava desde 1846. Daí que, em 1888 é inaugurado o novo Teatro da Rua dos Condes, em terrenos pertencentes a Francisco Grandela, já no contexto da abertura da Avenida da Liberdade. O projeto arquitetónico é de Dias da Silva, e para viabilizar a construção, diz Sousa Bastos, “houve uma emissão de títulos de dez mil reis, amortizáveis em dez anos” e acrescenta, no “Diccionário do Teatro Português (1908), que “estão todos pagos”!...

Mas desses teatros e depois cinemas Condes, falaremos para a semana.

 

DUARTE IVO CRUZ