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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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OS MAIS ANTIGOS TEATROS DE LISBOA - X


Rex

UM CINEMA TRANSFORMADO EM TEATRO
 

O Cinema Rex, nos limites da Mouraria, “na velha rua da Palma” de que falava um fado dos anos 40, foi inaugurado em 1936, no edifício onde desde 1929, tinha funcionado a Federação Espírita Portuguesa. “Com lotação de 500 lugares, diz-nos Marina Tavares Dias, o Rex possuía balcões e camarotes, tal como um cinema de estreia”. E refere que “a pouca distancia um do outro, o Lys e o Rex ocuparam uma das zonas mais importantes na história da exibição cinematográfica em Lisboa: o eixo Rua da Palma – Avenida Almirante Reis” (in “Lisboa Desaparecida” vol. 7 – 2001).

Em 1968/1969, Vasco Morgado “transforma” o Rex no Teatro Laura Alves, homenagem merecidíssima à grande atriz. E durante anos, aquilo que hoje é pouco menos do que uma ruina, vitima de incendio ocorrido em 2012, constituiu na época um dos centros urbanos de produção de espetáculo de qualidade: referimos já, nesta série, o antigo Cine-Teatro Império e os antigos Cinemas Max e Lys, que no exterior ainda perduram, com utilização variada. M. Félix Ribeiro assinala a transformação da sala do Rex em 1937 e em 1945 (in “os Mais Antigos Cinemas de Portugal” 1978).

O que restou do Rex transformou-se primeiro em hotel de baixa qualidade, e quase desapareceu no incêndio de 2012: perdura um resto de fachada de obscura utilização.

Mas em 1968/69, como já disse, tinha sido transformado em teatro: e Vasco Morgado soube conciliar o cariz popular da zona urbana, na época mais acentuado do que hoje, com uma boa qualidade de repertório e sobretudo, com uma excelente qualidade global de produção de espetáculos. Estreou-se como tal, com uma peça algo “cinematográfica”, “O Jovem Mentiroso”, de Keith Waterhouse e Willis Hall, tradução de Botelho da Silva, interpretada por grandes nomes da cena da época: nada menos do que Rui de Carvalho, Brunilde Júdice, Manuela Maria, Guida Maria, Fernanda Figueiredo, Célia de Sousa, e na estreia em palco, Vasco Morgado Júnior – numa encenação assinalável e assinalada de Jacinto Ramos.

Recordo esse espetáculo de qualidade: mas mais recordo, pela relevância do texto, a “Forja” de Alves Redol, estreada poucos dias depois da morte do autor (1969), numa encenação de Jorge Listopad, com Cármen Dolores, Jacinto Ramos, Manuela Maria e Sinde Filipe e música de Francisco d’Orey. Trata-se, como bem sabemos, de um drama rural: mas a arte de Redol como que ultrapassa quaisquer regionalismos, até porque a própria abstração do drama, passado em ”uma aldeia qualquer, junto a qualquer serra de Portugal”, coloca o espetador num ambiente humano que resultava bem no ambiente híper-urbano da sala… Pois o próprio Redol, na edição da peça (1966) esclarece que “ a forja desta tragédia é Hiroshima, tão distante e tão perto de cada um de nós”.

Mas em outubro de 1970, estreou no Laura Alves “O Preço” de Artur Miller. Interpretado por Varela Silva, Jacinto Ramos e Glória de Matos, destacou-se o retorno de José Gamboa, há anos afastado da cena. Escrevi então que a interpretação do personagem Salomon, ”misto de esperteza e ingenuidade, seriedade e manha, sabedoria e inconsciência, surge-nos vivo, viável, humano, na excelente interpretação”.

Em 1971, salientei a interpretação de Céu Guerra no papel de Ghris em “Só as Borboletas são Livres” de Leonard Gershe e em 1973 referi ainda dois espetáculos: “O Principio e o Fim” de Henry Denker e “O Príncipe e a Corista” de Terence Rattingan. Mais do que os espetáculos, interessa-me referir o cometário que, no programa, fez Jacinto Ramos, relativamente ao Teatro Laura Alves: “um pequeno teatro, sem condições técnicas e poucas possibilidades de as vir a ter – perdido num bairro popular e asfixiado entre uma garagem e um armazém de sapataria”!

Na altura, comentando esta apreciação, escrevi que “o encastoamento do teatro num bairro popular seria, não desvantagem, mas extraordinário desafio à formulação de um repertório popular” (in “Teatro em Movimento” – 1973). Mas em qualquer caso, o repertório escolhido por Jacinto Ramos, e os espetáculos que dirigiu no Teatro Laura Alves eram de qualidade.

Entretanto, desde 1972, o Laura Alves produzia espetáculos de revista. E em 26 de Junho de 1974 estreou, diz-nos Luís Francisco Rebello, a primeira revista - com texto de Eduardo Damas - não sujeita a censura prévia (in “História do Teatro de Revista em Portugal” vol. 2 -1985).

E em 1973, o Teatro da Cornucópia, dirigido por Jorge Silva Melo e Luis Miguel Sintra, leva à cena “O Misantropo” de Molière.

Mais peças e mais revistas foram levadas à cena no Teatro Laura Alves, até que fechou para o teatro e nunca mais para o teatro abriu.


Lys 

 
DUARTE IVO CRUZ