O TEATRO DE REVISTA EM PORTUGAL (IV)
André Brun, caricatura de Francisco Valença
ANDRÉ BRUN, DA COMÉDIA E DA REVISTA À TRAGÉDIA DA GUERRA
Há um paradoxo, e não é pequeno, nesta evocação das comédias e das revistas de André Brun: é que a oportunidade e a calendarização surge no contexto das comemorações do início da Primeira Grande Guerra: e no livro de recordações intitulado “A Malta das Trincheira - Migalhas da Grande Guerra – 1917-1918”, o capitão André Brun descreve, num realismo simultaneamente cómico e trágico, os dois anos que passou no Norte de França, nas trincheiras do Corpo Expedicionário Português.
Desde logo se diga que esta narrativa, sempre dura, tantas vezes cruel nos factos vividos que descreve, não raro irónica mas sempre humaníssima, concilia-se bem com a extraordinária obra teatral do autor, que nos deixou para cima de trinta peças, sobretudo comédias e revistas. E praticamente em todos esses textos, dos mais cómicos aos mais sensíveis, o que ressalta é um substrato humaníssimo de observação de comportamentos, de situações, geralmente cómicas mas sempre com um substrato que conduz à observação e compreensão psicológica - e isto, tanto nas formidáveis comédias, como “A Vizinha do Lado” (1913) que António Lopes Ribeiro transpôs para o cinema em 1945, ou sobretudo “A Maluquinha de Arroios” (1916) que constituiu, mais de 50 anos passados, um dos maiores sucessos do Teatro Experimental de Cascais: de ambas escrevi, na “História do Teatro Português” (2001), que “são modelares dessa textura do primeiro quartel do século XX português, com a problemática que a I Guerra reforçou”…
Ora precisamente: as memórias da guerra, vividas e descritas por Brun, transmitem um sentido simultaneamente trágico, condoído, irónico tantas vezes mas sempre solidário, da tragédia individual e coletiva da guerra. E sente-se, nestas descrições vividas, o sentido de dramaticidade, abrangendo situações trágicas mas também “cómicas” se tal se pode dizer na guerra…
Os exemplos sucedem-se, mas veja-se esta transcrição:
«Entrevisto a minha gente.-Ah! Meu capitão! Eles mandaram aí umas “garrafas de litro”; mas cá a gente não “cortou prego”…
A quem queira fixar o português da zona de guerra, direi que os projeteis eram então divididos, conforme o tamanho, em “barris de almude, garrafas de litro e copos de meio litro”. “Cortar prego” ficou sendo ”sem medo”». (André Brun, ob. cit. Pag.41)
Ora bem: o que aqui e agora quero salientar é este extraordinário talento que permite passar da tragédia da guerra, diretamente vivida, para a exuberância espetacular da ”revista à portuguesa” como enão se dizia, para já não falar das comédias. “Se é certo que fala do medo, do sofrimento e da morte, também é certo que procurou nas condições da natureza e da condição humana aquilo que um humorista sempre procura quando admite que o riso seja temperado com o sal das lágrimas” escreveu José Jorge Letria na reedição de “A Malta das Trincheiras”. E não será por acaso que Brun a certa altura escreve, na obra citada, que “ o grande Q. G. (Quartel General), tendo acordado em que um dos meios de promover as tropas do que se chama um bom senso moral é facilitar-lhes quanto possível o bom humor, organizou a Repartição dos Humoristas com delegações nas várias estâncias da papelândia”…
“Talento enorme de humorista,” refere Vítor Pavão dos Santos: e cita um diálogo entre a “Avenida da Liberdade” e as “Avenidas Novas”, na revista “Fado de Maxixe” (1909):
«AL – Eu sou desta aldeola em ponto grande/Desta Lisboa toda presumida/ Onde a tolice com rumor de expande/ A via mais seleta e concorrida.
“AN - Nós, Avenidas Novas/Meninas petulantes/ damos sobejas provas/ de ser- mos elegantes» …( cit. in “A Revista à Portuguesa” - 1978).
E Luís Francisco Rebello transcreve, da revista “O País do Vinho” (1909), uma “Cega – Rega do Ministério” em que o Diretor Geral, os oficiais e amanuenses, o contínuo, o porteiro, abandonam a repartição porque “O ministro foi a paço/Com certeza não vem cá/Portanto também me passo/ Que é mesmo um ar que me dá”…( in” História do Teatro de Revista em Portugal” vol. I – 1984.
DUARTE IVO CRUZ