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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

Nikias Skapinakis e Os Quatro Críticos (José-Augusto França, Fernando Pernes, Francisco Bronze, Rui Mário Gonçalves)

Nikias Skapinakis e Os Quatro Críticos
(José-Augusto França, Fernando Pernes, Francisco Bronze, Rui Mário Gonçalves)

 

Nikias Skapinakis (1931) começou por estudar Arquitectura na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Insatisfeito acabou por desistir. Começou então a pintar a partir de final dos anos quarenta. Durante o período que foi desde de 1948 até 1955, marca presença nas Exposições Gerais de Artes Plásticas (EGAP), que eram importantes para si porque representavam a oposição à política do Estado Novo e determinavam o neo-realismo como tendência a seguir. Por estes anos, Nikias associou às preocupações realistas um tratamento expressionista melancólico – a sua percepção do mundo cruzava as paisagens que pintava. Para Nikias não bastavam as preocupações de índole social. Por isso colocou-se um pouco à margem, durante o período em que a arte portuguesa se dividiu entre abstractos e figurativos. O imaginário tinha de cruzar o real e por isso buscava interesse nas ruas desertas, introduzindo figuras, ainda que raras, destorcidas, solitárias e imóveis. Nikias parecia estranhar o mundo pelo desolamento, pelo fechamento, pelas ausências. Estes trabalhos fazem lembrar as cidades de Dominguez Alvarez (1906-1942), também desoladas descritas com geometrias elementares e sintetismos de cor, de tonalidades cinza e térrea.

A necessidade de apreensão do real levou Nikias também a trabalhar o retrato, cuja modernidade mais ortodoxa tinha posto de lado (em oposição a esta ortodoxia Nikias chega mesmo a fazer a apologia do artista tradicional). Nikias acredita na ideia de que a pintura não depende exclusivamente dos esforços individuais dos artistas. Para Nikias a pintura começa assim que existem condições de unidade entre o público e povo e os artistas e só fazendo sentido se for feita por todos. (Rodrigues, 2006)

‘Os Quatro Críticos’ fazem parte da série Para o Estudo da Melancolia em Portugal e pela primeira vez Nikias Skapinakis utilizou uma linguagem que faz lembrar os cartazes de publicidade, numa tentativa de se aproximar do universo pop e de uma determinada eficácia imagética. Usa diversas camadas de tinta para obter a superfície polida simulando o resultado de um cartaz impresso. A pintura é assim entendida como um plano bidimensional. As cores são lisas, o fundo é de uma só cor, os corpos deixam de estar modelados por sombras ou variações tonais, a linha é resumida, limita e recorta as formas para as distinguir do fundo. As figuras/ silhuetas são planas e sem profundidade, reprimidas – lembram as ausências/presenças das silhuetas de Lourdes de Castro. São figuras quase sem vida, distantes numa imobilidade gelada.

A obra ‘Os Quatro Críticos’ faz parte de um ciclo sociológico. Ele retrata quatro importantes figuras masculinas, no panorama da historiografia e da crítica da arte portuguesa. Nikias atribuiu-lhes um valor icónico. Os corpos são pretos, espalmados, as folhas estão vazias, os olhares desatentos, o tédio descreve este desencontro que faz parte da exposição permanente do café A Brasileira.

O conjunto de obras de arte deste café foi actualizado em 1971 com onze novos quadros de artistas: António Palolo, Carlos Calvet, Eduardo Nery, Fernando Azevedo, Hogan, João Vieira, Joaquim Rodrigo, Manuel Baptista, Nikias Skapinakis, Noronha da Costa, e Vespeira.

Os onze novos quadros são escolhidos, a partir de uma selecção inicial de quinze artistas, por um júri formado por quatro membros da secção portuguesa da AICA (Association Internationale des Critiques d'Art): o próprio Rui Mário Gonçalves, Francisco Bronze, Fernando Pernes e José-Augusto França. Estão todos reunidos à mesa d' A Brasileira, na obra que Nikias compõe para o café, numa cena cuja composição evoca a que Almada pinta nos anos 20 para o mesmo espaço.

O quadro de Almada era Auto-retrato num grupo à mesa do café.

Ao representar a figura do crítico, Nikias acentua a importância do seu papel no final dos anos sessenta. O crítico passa a ser muito importante para que os objectos autenticados pelos artistas possam ter valor – porque o artista já não é detentor de uma técnica e de um talento únicos, trabalha a partir do vulgar, do banal. A crítica já não faz sentido a posteriori – o crítico é um fruidor primeiro e privilegiado que oferece ao público o modelo de uma fruição eficaz, mas também é redactor de um discurso que faz parte integrante da operação estética (Argan, 1992). Nikias despersonaliza os quatro críticos ao integrá-los na sua obra, porque o crítico já não julga como sendo uma autoridade superior mas julga a partir de dentro do processo da arte, a partir do mesmo plano do artista e do homem comum.

 

Ana Ruepp