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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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O TEATRO DE REVISTA EM PORTUGAL (VI)

Eça de Queiroz.JPG

EÇA DE QUEIROZ AUTOR DE UMA OPERETA

Vimos aqui como o austero e exigente Alexandre Herculano não desdenhou, antes pelo contrário, escrever o libreto de uma peça musicada por António Luís Miró, “Os Infantes de Ceuta” datada de 1844: já não era pois uma obra de juventude. Nesse mesmo artigo, referi a existência de uma opereta com texto de Eça de Queiroz. Talvez se possa dizer que o teatro musicado melhor se adequava a um do que a outro…

Mas também se recorde que Eça não é propriamente um dramaturgo, apesar da tradução, em 1863, da peça “Philidor” de Joseph Baucardez e de vagas e nunca concretizadas intenções de adaptação pelo próprio de “Os Maias” que, esse sim, viria a subir á cena em pelo menos duas versões: em 1945, adaptado por José Bruno Carreiro, e em 2013, adaptado por António Torrado. Outras peças de Eça foram adaptadas a cena e anuncia-se agora uma adaptação teatral de “O Mandarim”

Registe-se ainda que as versões cinematográficas de romances de Eça remontam a 1922 com “O Primo Basílio” de George Pallu, “tarefa difícil e árdua” escreveu António Horta e Costa (in “História do Cinema Português” pág. 31). Em 1959, António Lopes Ribeiro realiza uma nova versão do mesmo romance “de que só ficou o enredo, rigorosamente respeitado”, diz Alves Costa (in “Breve História do Cinema Português”, pág. 5). De notar que para o professor brasileiro Carlos Cordeiro de Melo o mais expressivo “cinematismo” da obra de Eça situa-se em “Os Maias” e em “A Cidade e as Serras”. (in “Dicionário de Eça de Queiroz”, dir. A. Campos Matos pág. 207).

Precisamente: em 2014 estreou em Lisboa o filme “Os Maias”, de João Botelho, leitura cinematográfica muito próxima do texto de Eça nos diálogos e nas descrições,  inclusive pela adoção de um cenário para- teatral nas cenas de exterior. Excelente filme, na minha opinião.

Eça, estudante em Coimbra, foi ator. “O Francesismo”, publicado postumamente nas “Ultimas Páginas”, recorda, com detalhes, a sua experiencia no Teatro Académico. “Era pai nobre. E durante três anos, como pai nobre, ora grave, opulento de suíças grisalhas, ora aldeão trémulo, apoiado ao meu cajado, eu representei, entre as palmas ardentes dos académicos, toda a sorte de papéis de comédias, de dramas – tudo traduzido do francês” …!

Hernâni Cidade escreveu que em “O Francesismo” Eça resume (“em luminoso relevo (…) a sua biografia intelectual, desde os tempos em que pôde ler correntemente uma história (…) até ao tempo da sua formação universitária, em que o único livro português que suas mão folhearam foi a Novíssima Reforma Judiciária”.

 E cita uma carta de Eça para Oliveira Martins, datada de 10 de Maio de 1884., onde afirma que “os meus romances, no fundo, são franceses, como eu sou em quase tudo um francês – exceto num certo fundo sincero de tristeza lírica, que é uma característica portuguesa, num gosto depravado pelo fadinho e no justo amor do bacalhau de cebolada. Em tudo o mais, francês de província. Nem podia ser de ouro modo: já no pátio da Universidade, já no largo do Rossio, eu fui educado, e eduquei-me a mim mesmo, com livros franceses, ideias francesas, modos de dizer franceses, sentimentos franceses e ideais franceses”… Ironia de quem tanto amou e tão bem retratou a realidade portuguesa! (in “Seculo XIX – A Revolução Cultural em Portugal e Alguns dos seus Mestres” pags.55-56)

Ora bem: em 2013 é publicado o que restou de uma inédita opereta de Eça de Queiroz e Jaime Batalha Reis, Intitulada “A Morte do Diabo” datável do final dos anos 60, pesquisa e edição de Irene Fialho, Mário Vieira de Carvalho e José Brandão.  

Vieira de Carvalho refere designadamente que “os fragmentos que sobreviveram do projeto (a breve trecho abandonado) dão-nos no entanto indicações suficientes quanto ao perfeito entendimento que parecia existir entre o músico e os libretistas A blague musical e a blague literária entretecem-se e potenciam-se mutuamente” (cit. pág. 85).  

Não sabemos obviamente o que se deve a Eça e o que se deve a Jaime Batalha Reis. Os personagens são entretanto adequados ao teor irónico e iconoclasta dos textos cantados que chegaram até nós: Satã, Lorette, Mefisto, Ventre, Fósforo, Dandy, Poeta, e os Coros dos Diabos Velhos, dos Diabos Novos e das Almas.

Mas, no pouco que resta, encontramos por exemplo este trecho exemplificativo:

“Mefisto- Senhor, Vossa senhoria…/Satã – O quê?/ M- Devia fazer, para poder espairecer/Uma viagem, um dia/ S - O quê? Ir eu viajar?/ M- Ao Continente e às Ilhas/ S- Mas se eu não posso alugar/ Nem um burro de Cacilhas…/ Todos – Viver era voar, gritar, gritar/ Coro dos Diabos – Senhor Satanás/ Tenha piedade/ Toda a sociedade/ Está sem colarinhos./ Vá á rabugenta/ da tia Astragon/ Dê que é bom-tom/ Dar-lhe uns cobrezinhos/ Dê, dê/ Senhor Satanás/ Tenha modos nobres/E não faça asneira/ Dei-te aí uns cobres/ P´ra engomadeira”…


DUARTE IVO CRUZ