Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
O Fernando era uma personalidade extraordinária. Dotado de uma inteligência e de uma sensibilidade notáveis foi sempre um cidadão empenhado na defesa dos valores culturais, do património e da herança histórica portuguesa. Homem de horizontes abertos, cosmopolita, amante da liberdade soube compreender como poucos uma noção dinâmica de tradição, capaz de entender a memória, de defender a modernidade e de preparar o futuro, sem esquecer os nossos deveres perante as gerações passadas, presentes e futuras. Democrata desde quando a defesa da liberdade obrigava a correr riscos e a ter encontros com a polícia política, soube ser fiel às tradições liberais de sua família e dos seus mais célebres antepassados. Para Fernando de Mascarenhas a defesa do património cultural obriga a ligar a memória material e imaterial, as construções e as tradições, sem esquecer a criação contemporânea e o culto da sensibilidade e da arte. A Fundação das Casas de Fronteira e de Alorna, a preservação do Palácio de Benfica (de tão ricas lembranças) são obras de uma vida devotada à História e à Cultura Portuguesa entre nós e no mundo. O Fernando era um velho amigo, sempre disponível, com a generosidade própria de um aristocrata do comportamento, para usar a expressão António Alçada Baptista. A sua genuína simplicidade era sinal de humanismo e de entrega às melhores causas.
O Centro Nacional de Cultura contou sempre com o seu apoio! Pessoalmente exprimo a maior admiração, estima e amizade!
Sem preocupações cronológicas rigorosas, mas com rigorosas exigências de qualidade, evocamos agora as duas peças musicadas de Alfredo Cortez: “Terra e Mar”, espetáculo episódico levado á cena, sob pseudónimo, no Teatro Foz (1918) e “S. Paio” manuscrito datado de 1922, que em parte incluí no estudo elaborado em 1983 para a edição do Teatro Completo de Alfredo Cortez (INCM). Aliás, os primeiros ensaios que publiquei sobre o teatro de Cortez datam de 1961, e posteriormente tive acesso a manuscritos rigorosamente inéditos, guardados num espólio familiar.
De notar que alguns desses textos não estão completos. Mas mesmo assim: o que resta designadamente do que se crê sejam cenas da “Terra e Mar” revela um sentido apurado de métrica e uma vocação cénica que se confirmaria desde logo em 1922, com a “Zilda” e com a restante obra dramatúrgica, seja em prosa ou em verso.
As breves cenas atribuídas ao “Terra e Mar” assumem uma ironia pícara sobre grandes figuras da politica da época, e sobre situações então de atualidade, evocadas em personagens e quadros alegóricos revisteiros, de que damos um breve exemplo:
”Embriaguez – Tu que és a Pouca-Vergonha/ Tens de explicar-me, vem cá/Como é que a minha mamã/ É também o meu papá?
Pouca-Vergonha – Não percebes?
Embriaguez – Não percebo.
Pouca – Vergonha –Pois eu explico-te, pá/ Ela esperava casar/ E vai depois não casou/ Coitada, ficou de esperanças/ Só de tanto que esperou.
Embriaguez – Quem espera sempre alcança
Pouca Vergonha – Foi assim que ela alcançou…”
Na mesma edição de Teatro Completo, publiquei outro inédito de Alfredo Cortez que também pode indiciar uma “dramatização musicável”, perdoe-se o insólito da expressão… Trata-se de um manuscrito indicativo do Ato I de uma peça intitulada ”S. Paio”, da qual restaram breves cenas musicadas e uma vasta didascália que remete para algo de semelhante, no ambiente, ao “Tá-Mar” ou a “Ala Arriba”, textos dramáticos de Cortez como adiante referirei, pelo ambiente piscatório, aqui na ”Cambeia dos Cardosos, na Murtosa”, com detalhadas descrições da “aglomeração de barcos”.
Em cena, encontramos a “Micas Saleira, Carminda, Rosa Pita e outras campónias munidas de ancinhos (que) carregam em grandes carros de bois o junco que sai do barco”, e “Manuel Fé e João Embirra, tipos vulgares de moliceiros (que) descarregam o barco para a margem superior”. Segue-se uma descrição pormenorizada destes personagens.
E o que que restou do texto inculca um espetáculo de grande expressão musical: “antes de subir o pano ouve-se em bastidores um coro de raparigas e o assobio dos homens”. E o diálogo é interrompido por sucessivas cenas musicais, em coro ou a solo. Veja-se um exemplo:
“Cezília – Limpando as lágrimas e cantando a custo – Cum cachopo em cada braço…/ e outo ós pinchos no regaço/ Caze chegaste a nascer…/ Botê-me à quinta do Paço, /Derreada de cansaço/ Sem gêto de me mober!
Coro – Tarefa baldada!/ Na quinta do Paço/ Ninguem perca nada!
Cezília - Nem bender-lhes nada queria/ Qua canastra bai bazia/ E a benda tá acabada./ Fiu por uma belancia/ Quas topei noutro dia/ Da hgente quedar ougada!
Coro – Pois fostes em vão/ Na quinta do Paço/ Todos dizem: Não!”
A prosseguir este inédito incompleto, o menos que poderíamos dizer é que se estava perante uma obra cénico-dramática, quem sabe se um libreto de ópera ou um texto de revista…
Mas o que devemos então aqui lembrar é que o “Tá-Mar”, peça de Alfredo Cortez escrita em 1936 e ambientada na Nazaré constitui, quase sem alterações o libreto da ópera homónima de Rui Coelho: e de Rui Coelho é também a música de cena do filme de Leitão de Barros “Ala- Arriba” (1942), com de argumento e diálogos de Alfredo Cortez.