PABLO NERUDA
A água andava descalça pelas ruas molhadas e ainda acrescento: para lá das folhas volteadas num prego aceso no peito sacudindo tus ojos oceânicos.
De tanto em tanto tempo, não sei quanto em intervalo, vejo-me a reler o discurso de Neruda na entrega do Prémio Nobel em 1971. Por aquela leitura estendo a solidão e muitos naufrágios, mas sempre de espanto, inclino-me ao que é luz e me segreda que sempre a minha sede é viagem e casa para onde enfim emigro nos meus anseios. E assim começo o colar naqueles dias.
A verdade como afirma Pablo Neruda é que não há verdade mesmo quando se sabe quão grande é o ódio da guerra dos poetas à guerra, ou, a poesia não fosse uma comunicação infinita com o sofrimento que embranquece as árvores. Digo.
Aqui deixo um extracto do discurso ao qual acima me referi. Aqui Pablo Neruda:
“Não aprendi nos livros qualquer receita para a composição de um poema; e não deixarei impresso, por meu turno, nem sequer um conselho, modo ou estilo para que os novos poetas recebam de mim alguma gota de suposta sabedoria. Se narrei neste discurso alguns factos do passado, se revivi um nunca esquecido relato nesta ocasião e neste lugar tão diferentes do sucedido, é porque durante a minha vida encontrei sempre em alguma parte a asseveração necessária, a fórmula que me aguardava, não para se endurecer nas minhas palavras, mas para me explicar a mim próprio.
(…) Ali me foram dadas as contribuições da terra e da alma. E penso que a poesia é uma acção passageira ou solene em que entram em doses medidas a solidão e a solidariedade, o sentimento e a acção, a intimidade da própria pessoa, a intimidade do homem e a revelação secreta da Natureza. E penso com não menor fé que tudo se apoia – o homem e a sua sombra, o homem e a sua atitude, o homem e a sua poesia – numa comunidade cada vez mais extensa, num exercício que integrará para sempre em nós a realidade e os sonhos, pois assim os une e confunde.
(…) Os erros que me levaram a uma relativa verdade, e as verdades que repetidas vezes me conduziram ao erro, ambos não me permitiram – nem eu nunca pretendi isso – orientar, dirigir, ensinar o que é chamado de processo criador, de caminhos da literatura. Mas pude verificar uma coisa: que nós mesmos vamos criando os fantasmas da nossa própria mitificação. Da argamassa do que nós fazemos, ou queremos fazer, surgem mais tarde os impedimentos do nosso próprio e futuro desenvolvimento.
(…) Escolhi o difícil caminho de uma responsabilidade compartida e, em vez de reiterar a adoração ao indivíduo como sol central do sistema, preferi entregar com humildade o meu serviço a um considerável exército que pode errar às vezes, mas que caminha sem descanso e avança cada dia, enfrentando tanto anacrónicos recalcitrantes, quanto enfatuados impacientes. Porque acredito que meus deveres de poeta não me indicavam somente a fraternidade com a rosa e a simetria, com o exaltado amor e a nostalgia infinita, mas também com as ásperas tarefas humanas que incorporei à minha poesia.
(…) Acredito nesta profecia de Rimbaud, o vidente. (…)Há exactamente cem anos, um pobre e esplêndido poeta, o mais atroz dos desesperados, escreveu esta profecia:
“Ao amanhecer, armados de uma ardente paciência, entraremos nas esplêndidas cidades.”
Em conclusão, devo dizer aos homens de boa vontade, aos trabalhadores, aos poetas, que todo o futuro foi expressado nessa frase de Rimbaud: só com uma ardente paciência conquistaremos a esplêndida cidade que dará luz, justiça e dignidade a todos os homens.
Assim a poesia não terá cantado em vão.”
Quase fora do céu âncora entre duas montanhas metade da lua.
Recordo e me atrevo à tua chama, àquela a que Deus e deuses mandaram à tua prece num único sim,
Diciendo qué palabras?
Ay seguir el caminho que se aleja de todo!
Teresa Bracinha Vieira
10.11.14