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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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ATORES, ENCENADORES (VI)

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"Dulcineia ou a Última Aventura de D. Quixote” de Carlos Selvagem – cenário de Almada Negreiros – TNDMII 1944

 

A COMPANHIA REY COLAÇO-ROBLES MONTEIRO: QUALIDADE E LONGEVIDADE

 

Num meio cultural e profissional tão instável como é o teatro-espetáculo português, merece destaque a continuidade e a capacidade de renovação da Companhia Rey Colaço- Robles Monteiro, designadamente na sua longa permanência, ação cultural e capacidade de renovação, a nível de elencos e a nível de repertório, o que nem sempre é reconhecido.

A longevidade tem destas coisas e então, num meio, repita-se, instável como é por definição o teatro, e em particular entre nós, mais se fez e faz notar o quase meio século de atuação da empresa. Mas refiro aqui a empresa como tal: pois a própria Amélia Rey Colaço ainda nos anos 80 participou em Portalegre num espetáculo de homenagem a José Régio.
Por seu lado, Robles Monteiro faleceu em 1958: já anos antes deixara de exercer a atividade de ator, mas numa  primeira fase duradoura da Companhia  integrou os elencos e encenou numerosíssimas peças do repertório, com destaque também para autores portugueses, e designadamente Ramada Curto.   
É evidente que tão longa permanência em cena implicou necessariamente desigualdades de atuação e assimetrias no conjunto da obra cultural exigível a uma companhia oficial. E isso envolve tanto os aspetos de repertório como de elenco. Mas hoje não restarão duvidas acerca da qualidade global dos sucessivos elencos da Empresa Rey Colaço – Robles Monteiro e da relevância que, tantas e tantas vezes assumiu na revelação e atualização de repertório – e isto, tanto no âmbito da dramaturgia portuguesa como da dramaturgia universal.

Amélia estreou-se em 1917 no então chamado Teatro Republica, (São Luiz), com uma peça então relevante, “Marianela” do dramaturgo espanhol Benito Pérez Galdós. Gloria Bastos e Ana Isabel P. T. de Vasconcelos situam o sucesso no contexto do espetáculo teatral da época:

“Mas talvez a revelação mais significativa tenha sido a de Amélia Rey Colaço, cuja estreia no Republica com a peça Marianela  foi desde logo saudada calorosamente pelo público e pela crítica”.  E remetem para Vitor Pavão dos Santos : “demonstrou ser uma atriz diferente de todas as outras, aliando a um talento e cultura invulgares, métodos de representação verdadeiramente modernos” (cfr. G. Bastos e A.I .Vasconcelos in  “O Teatro em Lisboa no Tempo da Primeira República” ed. MNT 2004 pag.146: V. P. Santos in “A Companhia Rey-Colaço – Robles Monteiro” ed. MNT 1987 pag. 4).

A companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, constituída como tal em 1923, instala-se pois no D. Maria II em 1929 como companhia oficial e lá se mantem-se até 1964, quando o incendio que quase destruiu o teatro ( e que neste momento é invocado numa exposição de fotografias no próprio D. Maria II) remeteu a companhia para o Teatro Avenida. E em 1967 o Avenida arde! A companhia passa então para o Capitólio até 1970, depois para o Trindade e por muito pouco tempo, para o São Luiz. Extingue-se em 1974.

O repertório clássico teve momentos muito altos. Recordo, entre tantos mais, um “Tartufo”, um inolvidável “Romeu e Julieta”, ou o “Macbeth” que estava em cena na noite o incendio e foi reposto no Avenida, mas antes apresentado  num espetáculo  no Coliseu, em que toda a classe profissional e intelectual da época se reuniu no palco.  

Mas importa agora referir a qualidade do repertório moderno, ao longo de todos estes anos, e particularmente, a sucessiva atualização que foi praticado,  tarefa por vezes complicada, dada a época e as circunstâncias.

Se reportarmos a 1934 encontramos o escândalo de publico que foi a estreia dos “Gladiadores” de Alfredo Cortez, peça iniciática de um certo expressionismo ainda hoje escasso na história do teatro português. E nessa linha de modernidade, encontramos estreias -  mais ou menos compreendidas e aplaudidas - de toda uma época e de uma geração que vai de Carlos Selvagem a Ramada Curto, ambos com dezenas de peças,  de Virgínia Vitorino a Romeu Correia  e José  Régio, a Bernardo  Santareno e Luis Francisco Rebello entre tantos mais. Encontramos também  Pirandello (estreia mundial de “A Volupia da Honra” com a presença do autor) , Lorca, Eugene ONeill mas também Albert Camus, Marcel Pagnol, Ionesco, Cocteau,  Harold Pinter (“Feliz Aniversário”), Durrenmatt ( “Visita da Velha Senhora”), Edward Albee (“Equilíbrio Instável”) ou Slamowir  Mrozeck (“Tango”).E em muitas delas, Amélia marcou o seu talento de atriz.

E finalmente: a concessão do teatro nacional obrigava à programação de clássicos portugueses. Nem sempre esta clausula contratual atingia objetivos de atualização  das encenações e dos  espetáculos em si: mas eram sempre de grande qualidade e  garantiam, sobretudo a um púbico escolar, o contacto com os clássicos portugueses em cena, que é onde eles devem ser vistos e estudados…

Não entramos  na lista de atores que trabalharam na Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, ou dos cenógrafos e figurinistas, com destaque aqui para Almada. Mas referimos apenas Mariana Rey Monteiro, filha de Amélia e de Robles – e ela própria grande atriz.

 

DUARTE IVO CRUZ