Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
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Taborda (fonte-GEPB vol. 30) e Laura Alves (fonte Laura Alves cit.)
ATORES QUE DERAM NOME A TEATROS
Não é muito comum entre nós a denominação de teatros evocativa de atores. Recentemente, referimos o teatro Maria Vitória no conjunto dos teatros do Parque Mayer: hoje já ninguém recorda a atriz que deu o nome ao teatro, edificado numa construção ”provisória” como na altura se assumiu, em 1922. Penso que a decoração art deco é posterior. Mas trata-se de um dos poucos teatros portugueses que evoca um artista de cena.
Não assim com escritores. Sousa Bastos, no Dicionário do Theatro Português que aqui temos citado (1908) assinala, na época, em todo o país, quatro Teatros Camões/Luís de Camões, um Teatro D. João da Câmara, um Diogo Bernardes, sete Gil Vicente, um Garcia de Resende, um Pinheiro Chagas, um Sá de Miranda: e apenas um Rosa Damasceno, três Taborda, um Virgínia… e nada menos do que 13 teatros cuja designação evoca diretamente Reis, Rainhas, Príncipes e demais membros da família real, com o destaque óbvio do Teatro D. Maria II, que é de 1846.
E aqui queria neste momento chegar. Em 1908, Sousa Bastos descreve três Teatros Taborda, em Abrantes (1828), em Lisboa (1870) e em Oeiras (1884). Evoca, em termos ditirâmbicos, o ator Taborda, homenageado pelo próprio nome nos teatros acima referidos: qualifica-o como - e citamos literalmente - “ incomparável”, de “brilhantíssima carreira”, “caráter de ouro que tem um amigo sincero e um admirador devotado em cada português (…) a jóia mais preciosa do palco português “ em “criações brilhantíssimas “ e “trabalho excecional e verdadeiramente único”!...
De notar que Sousa Bastos era à época casado com a jovem Palmira Bastos: e a biografia que lhe dedica no Dicicionário não fica atrás! Mas Luis Francisco Rebello, mais de 90 anos decorridos, ainda evoca “o grande Taborda” como ator dos primeiros espetáculos de revista. (in “História do Teatro de Revista em Portugal” vol. 1- 1984). E na “História do Teatro Português” Rebello cita Taborda à cabeça de um grupo de atores que “trilharam caminhos de maior exigência artística”. “História do Teatro Português” 5ª ed. -2000)
Ora bem: chega-nos um estudo ainda não publicado da autoria de Pedro Marçal Vaz Pereira, acerca do Teatro, ou dos sucessivos teatros edificados a partir de 1883, em Cernache do Bonjardim. E precisamente, o edifício em vias de restauro, herdeiro ou sucessor de edifícios e/ou agrupamentos de amadores locais – Clube Bomjardim, Teatro Cernachense, Teatro Bonjardim, Teatro de Cernache – adota a partir de 1899 o nome de Teatro Taborda, sendo o ator consagrado num homenagem em que atuou Alfredo Keil , que execuou ao piano trechos da ópera “A Serrana.
Mas avancemos no tempo.
Em 1968,Vasco Morgado inaugura um novo teatro em Lisboa: tratava-se da adaptação do velho cinema REX a teatro, com obras de restauro e recuperação designadamente no palco.
Publiquei aqui um texto, em 24 de Setembro último, a encerrar a série dedicada aos mais antigos teatros de Lisboa, assinalando a essa reconversão do REX em teatro: e evoquei a atriz Laura Alves, pois o novo teatro chamou-se precisamente Teatro Laura Alves.
No que respeita ao edifício, destruído por um incêndio em 2012, remete-se para o texto aqui publicado neste blog. Mas o que importa agora é evocar a grande atriz que foi Laura Alves (1921-1986), pois ao longo de mais de 45 anos marcou o teatro português numa diversidade impressionante de géneros e de interpretações, da comédia ao drama, à revista à opereta, ao teatro musicado e ao cinema.
Passou pela companhia do Teatro Nacional mas sobretudo a partir de 1951, ano da inauguração do Teatro Monumental, com a opereta “As Três Valsas” , representou todos os géneros e inúmeros autores, aí incluindo muito teatro português, muita comédia e drama contemporâneo, mas também Shakespeare, Gil Vicente e tantos clássicos: um carreira de mais de 400 personagens!
Cito, para terminar, algumas referencias recolhidas no álbum de homenagem publicado no inicio dos anos 70 assinalando os 20 anos do Teatro Monumental. ( in “Laura Alves – Êxitos de 20 Anos da sua Carreira” dir. Mário de Aguiar, texto de Alice Ogando).
De Ramada Curto: “Esta atriz é essencialmente genérica, porque se adapta a todos os géneros. Tem inventiva cómica e ninguém como ela comunica com o publico pela graça espontânea e caricatural, sem descer ao grosseiro, para logo a seguir interpretar uma alta comédia com inteligência e corda dramática”.
De Aquilino Ribeiro: “Em Paris, seria uma atriz de grande ribalta. Entre nós, é uma flor a perfumar um matagal”.
De David Mourão Ferreira : “Laura Alves realiza plenamente o sonho mais íntimo de todos os artistas – que é o de obter o vibrante entusiasmo das multidões e o aplauso esclarecido das minorias mais exigentes”.
E muito me honro de ter também colaborado neste livro de homenagem, frisando designadamente que “tantos anos de carreira profissional, vinte dos quais no mesmo ambiente, é coisa rara, quase um milagre teatral”…!
Et voilà. Tic-tac Spring-is-coming. Depois da insurgência à direita com o Ukip, eis idêntico fenómeno a observar-se à esquerda da paleta política com o Green Party a somar aos imprevisíveis Scots. Em contagem decrescente para as eleições gerais de 2015 May 7, a bissetriz das sondagens confirma o afundamento dos partidos do centro. Conservadores e trabalhistas estão já abaixo do limiar dos 30% nas intenções de voto.
— Chérie! Est-ce que vous pourriez parler plus lentement, s'il vous plaît? A inversão de políticas cavalga já veloz em Westminster, com o duro discurso austeritário substituído pela promessa Con-Lab de full employment, responsability & security. — Humm, do a bird be known by a new song? O Prime Minister RH David Cameron regressa de uma visita ao great friend US President Barack Obama! A Oxfam alerta que o excecional progresso das últimas décadas carece de calibragem para justa distribuição da riqueza: 80 ultraricos detêm hoje um cofre de milhões igual às carteiras dos tostões de 3,2 b pessoas. Em vésperas de eurocolisão grega, começa o êxodo dos judeus no continente.
Colds starts and icy evenings, with charming dry days around. Os bons ventos atlânticos agora revisitados pelo Premier trazem à ementa das notícias a visão maior legada ao The West por um distinto argonauta que há 50 anos parte feliz rumo à eternidade.
Britain despede-se a January 24 de Sir Winston Leonard Spencer Churchill KG OM CH TD FRS, ao som de Laments of the forest. A marcar a data, The Royal Mint cunha “a £20 piece in honour of wartime British Prime Minister.” Nos 20’s, The Lion King anota nas suas Memoirs palavras para acompanhar os pipers: "We may now picture this great Fleet, with its flotillas and cruisers, steaming slowly out of Portland Harbour, squadron by squadron, scores of gigantic castles of steel wending their way across the misty, shining sea, like giants bowed in anxious thought. We may picture them again as darkness fell, eighteen miles of warships running at high speed and in absolute blackness through the narrow Straits, bearing with them into the broad waters of the North the safeguard of considerable affairs.... The King’s ships were at sea." Really, a true Briton.
Um herói aguarda The ancient Mediterranean world. Mr Alexis Tsipras, o líder do Leftist Syriza, é o nome de quem por aqui se fala face à galante resistência a Unholy Alliance contra a liberdade de voto dos gregos. O Tweetminster esculpe uma nova palavra em tributo a este Galahad: Grexit. O entardecer do próximo Sunday dirá do resultado ao hard fiscal waterboarding a que uns quantos prestadios se arremessaram para atar os eleitores de Athens a monista opção. Afinal, como usava dizer WSC, não sem a sua pitada de Kent irony, “to improve is to change, so to be perfect is to have changed often.”
Talvez contribuindo para a alternative flagship de uma economia para e ao serviço das pessoas, o Prince of Wales está a recrutar pessoal qualificado para a sua Household em Central London. A Digital Engagement Officer procura-se. As candidaturas estão abertas a todos até February 7. Entre os predicados do criativo, além do degree level e work experience, a via estreita-se com o candidato a obedecer a formato real da Clarence House. — A calm and diplomatic manner, good news sense… and a valid UK driving licence are desirable.
A Academia Brasileira de Letras e a editora Glaciar lançaram uma iniciativa de grande significado, que se propõe publicar em Portugal, nos próximos anos, a coleção «Biblioteca da Academia», constituída por 25 obras fundamentais da literatura e da cultura brasileiras, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian.
MACHADO DE ASSIS, MESTRE ABSOLUTO Procura-se dar «uma visão panorâmica altamente representativa da produção literária brasileira por meio das obras dos seus escritores académicos nos campos da ficção, da poesia e do ensaio». Os primeiros quatro volumes já distribuídos, caracterizam-se por um grande cuidado na fixação de textos e no enquadramento cultural e literário. Falamos de «Os Romances» de Machado de Assis; de «Dialética da Descolonização de Alfredo Bosi; de «Os Sertões» de Euclides da Cunha e da «Poesia Completa» de João Cabral de Melo Neto. Trata-se de uma ação fundamental para tornar acessível ao público português obras referenciais da cultura brasileira, por vezes menos conhecidas entre nós, implicitamente ficando lançado o desafio para reforçar, nos dois sentidos, o conhecimento mútuo das culturas portuguesa e brasileira, já que a cultura contemporânea de Portugal é mal conhecida no Brasil. Ao começar com «Os Romances» de Machado de Assis (1839-1908), conta este volume, de cerca de 1550 páginas, com o prefácio e fixação de texto de Luís Augusto Fischer, com notas de Olívia Barros de Freitas. Machado é, sem dúvida, o mais importante escritor da literatura brasileira do século XIX. Era filho de um mulato e de uma portuguesa emigrada, sendo um autodidata, com uma carreira prestigiada de funcionário público. O casamento com uma portuguesa de grande cultura – Carolina Xavier de Novais – permitiu-lhe contar com um relevante apoio na produção literária e na exigência criadora. Foi autor de nove romances, de mais de 200 contos, de centenas de crónicas, além de peças de teatro, poemas e ensaios críticos. A singularidade da sua obra prende-se com a transição que viveu entre o Império e a República e a passagem do trabalho servil à emancipação social. O naturalismo e o realismo assumidos na sua criação elevam Machado de Assis acima das dimensões limitadas da cultura de uma antiga colónia, distante dos grandes centros civilizacionais. Conhecedor e leitor atento do que de melhor se fazia na literatura europeia pôde ganhar em originalidade e argúcia descritiva, dando-nos a conhecer através de enredos atraentes e intensos a realidade que o cercava e que tinha características muito próprias. Apesar da sua timidez e da epilepsia que o condicionava, soube tornar-se um excecional artífice de uma literatura que, com ele ganha maturidade, projetando para fora e para os nossos dias a especificidade da sociedade em que viveu, empenhando-se ativamente na criação da Academia Brasileira de Letras, de quem se tornou presidente perpétuo. É, pois, de inteira justiça o facto de inaugurar esta belíssima coleção. «Ressurreição» (1872), «A Mão e a Luva» (1874), «Helena» (1876), «Iaiá Garcia» (1878), «Memórias Póstumas de Brás Cubas» (1881), «Quincas Borba» (1891), «Dom Casmurro» (1899), «Esaú e Jacó» (1904) e «Memoria de Aires» (1908) são os romances que Machado de Assis nos legou, e que aqui são publicados. E se «Brás Cubas» é uma excecional placa giratória na obra de Assis, «Dom Casmurro» é, ainda segundo o prefaciador, «o impressionante relato memorialístico (mais um) em que Bento Santiago conta sua vida com uma finalidade central, armar a acusação contra sua ex-esposa, Capitu, em sua opinião uma traidora, que tivera uma filho de outro homem». Estamos perante símbolos literários marcantes na cultura brasileira, e Machado ganhou, por isso, o reconhecimento inequívoco nos diversos horizontes políticos e estéticos. Estilista consagrado, cultor clássico da língua, bom artífice da ironia – usou com mestria todos os ingredientes que lhe permitiram impor-se como um verdadeiro símbolo cultural.
A DIALÉTICA DA COLONIZAÇÃO Em «Dialética da Colonização», publicada em 1992, de Alfredo Bosi (1936), professor, crítico e historiador da literatura brasileira na Universidade de S. Paulo, deparamos com uma obra reconhecida e premiada, recordando Graça Capinha, da Universidade de Coimbra, a prefaciadora, que nesta obra se chama, premonitoriamente, «a atenção para a hegemonia da cultura universitária tecnicista e da industria cultural, para a pouca atenção prestada às várias formas de cultura popular, para a inclusão neutralizadora das manifestações criadoras individuais e para a repressão das formas críticas onde quer que elas surjam. Poderíamos provavelmente utilizar as mesmas palavras para falarmos da situação global e cada vez mais, aí também os mecanismos de dominação são menos subtis…». Alfredo Bosi, lidando com o passado, procura abrir caminhos para a compreensão do presente… Parafraseando Ferreira Gullar: «o novo é para nós, contraditoriamente, a liberdade e a submissão». É este contraponto que encontramos de modo recorrente nesta obra de referência. Estamos, no fundo, perante a coexistência de duas dialéticas separadas e paralelas: a das palavras de gente como o Padre António Vieira e a das palavras do liberalismo económico traduzido nas práticas de escravatura e extermínio – ou seja, por um lado, o discurso da equidade e da democracia, e, por outro, o da necessidade de competitividade – contradição que corresponde a «uma vasta engrenagem de produzir desigualdades». Trata-se de uma contradição que implica a multiplicidade e simultaneidade de tendências divergentes.
EUCLIDES DA CUNHA E ANTÓNIO CONSELHEIRO No caso da obra clássica de Euclides da Cunha (1866-1909), «Os Sertões – Campanha de Canudos» (1902), há uma certa ilustração prática da análise de Alfredo Bosi. É a «cultura fronteira» que, de algum modo, se manifesta, com forte enraizamento na dimensão local. E o autor sente-se, ele mesmo, dividido entre as duas atitudes referidas – entre a intervenção militar contra a reação messiânica de António Conselheiro e o significado profundo da atitude popular. A obra tem edição, prefácio, cronologia, notas e índices de Leopoldo Bernucci (na Universidade de Califórnia-Davis, C.A., USA). Trata-se de um texto extraordinário em que se cruzam diversos estilos, temas e géneros – ensaio, história, ciências da natureza, epopeia, lirismo e drama. Com uma vida atribulada, que termina dramaticamente pelo seu assassinato, temos de situar a figura multifacetada de Euclides da Cunha, como engenheiro, sociólogo, jornalista, geólogo, historiador e poeta, que nos relata uma luta de emancipação e messianismo, que tem suscitado reflexões múltiplas. Mário Vargas Llosa publicou em 1981 «A Guerra do Fim do Mundo», baseada em Euclides da Cunha e na Campanha dos Canudos, o que permitiu renovar o interesse pelo episódio e pela obra. Pode dizer-se que sem o interesse e o empenhamento de Euclides, o episódio dos Canudos ter-se-ia resumido a uma campanha militar contra um movimento messiânico e monárquico. Euclides da Cunha escreveu uma obra-prima do jornalismo e da literatura, resumindo, com revolta, o que sentiu ao presenciar o dramático episódio: «Aquela campanha lembra um refluxo para o passado. E foi, na significação integral da palavra, um crime. Denunciemo-lo». Ariano Suassuna considerou, aliás, Canudos como um acontecimento que leva à compreensão do Brasil complexo, envolvendo a componente «oficial e mais clara» e a componente «real e mais escura», que Euclides foi o primeiro a entender.
O GÉNIO POÉTICO DE JOÃO CABRAL Com organização, prefácio, fixação de texto e notas de António Carlos Secchin, Professor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a «Poesia Completa» de João Cabral de Melo Neto (1920-1999) constitui um acervo notabilíssimo de um dos maiores poetas da língua portuguesa. Natural do Recife e primo de Manuel Bandeira e Gilberto Freyre, foi diplomata, com atribulada carreira, tendo sido nos anos oitenta cônsul geral na cidade do Porto. O seu texto de maior sucesso é «Morte e Vida Severina» (1955), levado à cena com música de Chico Buarque de Holanda. Trata-se do encontro com a componente real do Brasil, para regressarmos a Suassuna. «Compadre José, compadre, / que na relva estais deitado; / conversais e não sabeis / que o vosso filho é chegado? / Estais conversando / em vossa prosa entretida: / não sabeis que vosso filho / saltou para dentro da vida? / Saltou para dentro da vida / ao dar seu primeiro grito; / e estais aí conversando; / pois sabei que ele é nascido». É um Natal do dia a dia do nordeste brasileiro entre o desespero e a esperança… João Cabral procurou, assim, ser cuidadoso artífice da palavra, com o cinzel do rigor. «Poema é composição, / mesmo da coisa vivida, / um poema é o que se arruma, / dentro da desarrumada vida». E se formos às influências portuguesas – poucas, mas marcantes - encontramos Cesário Verde, Camilo e Sophia de Mello Breyner. «Cesário Verde usava a tinta / de forma singular: não para colorir / apesar da cor que nele há» («Serial»). Já Camilo é invocado no drama da cegueira e do suicídio: «Ficaste cego? Foi a última / gota de água desse suicida, / quando matando-se deu à fala, / com os mesmos metais, outra liga»… A proximidade com a autora de «Mar Novo» é maior e inequívoca: «Sophia vai de ida e de volta (e a usina); / ela desfaz-faz e faz-refaz mais acima, / e usando apenas (sem turbinas, vácuos) / algarves de sol e mar por serpentinas. / Sophia faz-refaz, e subindo ao cristal, / em cristais (os dela, de luz marinha). De Pessoa não se sente rasto, mas sim do antigo jogo dos trovadores, como em «Morte e vida severina»… Afinal, em João Cabral há uma «educação pela pedra», lição moral, na cidade, de fora para dentro, e no Sertão, de dentro para fora. «Lá não se aprende a pedra: lá a pedra, / uma pedra de nascença, entranha a alma»… Os quatro primeiros volumes da «Biblioteca da Academia» têm uma íntima coerência, que lhes vem do fascínio de entender…
Os "sonetos de amor mordido" não são autobiográficos, nem inspirados por qualquer experiência cronolegível. Antes são fruto de um reflexo ou de uma recitação interior de poemas, cartas, textos vários já lidos algures, sem que eu mesmo consiga lembrar-me sempre de quando ou quanto os li ou de quem os terá escrito. Às vezes, lendo o meu soneto, vou ter à fonte : relendo "a um beijo seiscentista", por exemplo, não só me apercebi de que o tal beijo seria quinhentista, como fui dar com aquele soneto de Camões, que eu incluiria no "ciclo da Infanta Dona Maria", o qual, como sabemos, é mais ideia de intenção do que realidade histórica. Reza assim :
Dai-me uma lei, Senhora, de querer-vos,
que a guarde, sob pena de enojar-vos;
que a fé que me obriga a tanto amar-vos
fará que fique em lei de obedecer-vos.
Tudo me defendei, senão só ver-vos
e dentro da minha alma contemplar-vos;
que, se assim não chegar a contentar-vos,
ao menos que não chegue a aborrecer-vos.
E, se essa condição cruel e esquiva,
que me deis, lei de vida não consente,
dai-ma, Senhora, já : seja de morte.
Se nem essa me dais, é bem que viva,
sem saber como vivo, tristemente;
mas contente porém de minha sorte.
Quando escrevi o meu, não tinha nem este, nem outro de Camões, presente. Mas do subconsciente de mim surgiu-me uma cena, que terei situado no sec. XVI, em que um cavaleiro se curvava, e só de respeito beijava a mão de altiva dama. E quis imaginar a contradição do seu sentimento. Sobretudo o amor que primeiro morde e depois mora...e quando já mora no coração apenas pode ser mordido... (Também acontece que a minha escrita seja devedora não de um texto, mas de uma pintura, um desenho, uma cena de rua ou de teatro).
Ao confessar este convívio com o grande Camões e muitos outros, não pretendo ascender a um retrato de grupo, nem sequer presumir outra familiaridade além da graça de poder escutar - como se me sentisse correspondido - vozes que atravessam o tempo e o espaço, para nos dizerem, de modo tão lindo e acertado, coisas que, nós todos, vivas sentimos no coração. É esse o poder da literatura, e é, esta comunhão, a nossa cultura. Esta não é arquivo, erudição, menos ainda presunção. É um bate-papo íntimo e partilhado, quando a grandeza dos mestres se senta à nossa mesa. Creio que a ideia de alinhar sonetos - cada um deles começando por uma cada letra do nosso alfabeto - me veio quando reli aquele que, adiante, já deixo, apesar de levar só o número 13, por começar com n ... Também então me apercebi de que o amor é mais um dispor-se interiormente à abertura do coração, do que o ter uma história para contar. Por isso, num coração ideal, todos os amores se confundem no amor do Amor. Assim o penseissenti quando, dias depois de o ter escrito, lhe pus o título : A Jesus. E sonetos porquê? Talvez pelo hábito de ler Petrarca, que já ousei traduzir, ou Camões, ou talvez ambos. Quiçá porque, sem querer, me assaltam uns versos, e são decassílabos e, ainda que em rimas diferentemente alternadas, se arrumam num qualquer para-soneto, sempre longe do que eu gostaria de conseguir.
I am using silk screens now. I think somebody should be able to do all my paintings for me.
I think it would be so great if more people took up silk screens so that no one would know whether my picture was mine or somebody else’s.’, Andy Warhol interview with Gene Swenson, 1963.
Em ‘Arte e Crítica de Arte’, Giulio Carlo Argan declara que a arte, no final dos anos sessenta está em crise profunda e irreversível. Para Argan a arte deixou de cumprir uma função concreta, não comunica mais nada que a sociedade possa captar e utilizar. E olha com angústia para uma sociedade sem impulsos criativos, incapaz de constituir o ambiente da vida sob formas que expressem uma concepção positiva, humana do mundo.
Na ‘Arte Moderna, Do Iluminismo aos movimentos contemporâneos’, ainda de Argan, lê-se que desde a ‘segunda revolução industrial’, o mundo está perante o fenómeno da tecnologia de informação. A morte da arte é a decadência consumada de um conjunto de técnicas artesanais, que já não se coordena com o sistema industrial da produção. O produto criativo já não é um fim, mas apenas um factor no movimento da gigantesca massa de consumo. O consumo dos objectos não mais é lento, o modelo da obra de arte tem de mudar.
Argan avança mesmo a hipótese de que a civilização do futuro venha a ser uma civilização sem arte. Para Argan, essa decadência cria um vazio cultural e concorda que a experiência estética, caso exista, deve ser acessível a toda a colectividade, constituindo um elemento de formação e património comum. Argan aconselha a que os artistas se dediquem e se adaptem à produção de objectos que todos possam ter acesso, que todos possam compreender, que todos possam fazer, que façam parte da vida – sim a grandes soluções urbanistas, unidades habitacionais, objectos de uso quotidiano, a fotografia, a publicidade, o rádio e a televisão, o cartaz, o vídeo. E aí a experiência estética pode ser sem dúvida diferente, contudo não superior nem inferior a outros modos de experiência.
Argan afirma que superado o problema da arte individual, o protagonista da experiência estética passará a ser o ambiente enquanto espaço em que os indivíduos e grupos sociais se inserem e vivem e se defrontam a si próprios. A qualidade de vida dos indivíduos e grupos depende agora da relação com a circunstância.
‘I am for an artist who vanishes, turning up in a white cap painting signs or hallways.’, Claes Oldenburg In Documents from The Store, 1961
Claes Oldenburg, por exemplo, nos anos sessenta produz objectos-modelo da sociedade de consumo ampliados e exagerados. Tais objectos ao serem materializados numa escala absurda deixam de fazer sentido – é a anulação do próprio objecto.
No final dos anos sessenta, o sistema técnico altera-se e talvez segundo Argan, a partir de agora a arte passará para a dimensão do inconsciente, em que poderá ser não uma causa racional, mas sim um modo profundo do agir. Argan afirma, assim o encerramento de um ciclo histórico da arte. Durante todo o tempo designado histórico, a arte foi o modelo das actividades com que o sujeito fazia objectos e os colocava no mundo, atribuindo um significado, um conteúdo da consciência.
E Argan propõe então a constituição de uma nova arte colectiva baseada, não na racionalidade e em leis universais, mas sim na produção em massa que torna o fenómeno da arte totalmente acessível. A arte deve ser praticada no interesse de toda a sociedade e não destinada a grupos restritos de poder.
"Dulcineia ou a Última Aventura de D. Quixote” de Carlos Selvagem – cenário de Almada Negreiros – TNDMII 1944
A COMPANHIA REY COLAÇO-ROBLES MONTEIRO: QUALIDADE E LONGEVIDADE
Num meio cultural e profissional tão instável como é o teatro-espetáculo português, merece destaque a continuidade e a capacidade de renovação da Companhia Rey Colaço- Robles Monteiro, designadamente na sua longa permanência, ação cultural e capacidade de renovação, a nível de elencos e a nível de repertório, o que nem sempre é reconhecido.
A longevidade tem destas coisas e então, num meio, repita-se, instável como é por definição o teatro, e em particular entre nós, mais se fez e faz notar o quase meio século de atuação da empresa. Mas refiro aqui a empresa como tal: pois a própria Amélia Rey Colaço ainda nos anos 80 participou em Portalegre num espetáculo de homenagem a José Régio. Por seu lado, Robles Monteiro faleceu em 1958: já anos antes deixara de exercer a atividade de ator, mas numa primeira fase duradoura da Companhia integrou os elencos e encenou numerosíssimas peças do repertório, com destaque também para autores portugueses, e designadamente Ramada Curto. É evidente que tão longa permanência em cena implicou necessariamente desigualdades de atuação e assimetrias no conjunto da obra cultural exigível a uma companhia oficial. E isso envolve tanto os aspetos de repertório como de elenco. Mas hoje não restarão duvidas acerca da qualidade global dos sucessivos elencos da Empresa Rey Colaço – Robles Monteiro e da relevância que, tantas e tantas vezes assumiu na revelação e atualização de repertório – e isto, tanto no âmbito da dramaturgia portuguesa como da dramaturgia universal.
Amélia estreou-se em 1917 no então chamado Teatro Republica, (São Luiz), com uma peça então relevante, “Marianela” do dramaturgo espanhol Benito Pérez Galdós. Gloria Bastos e Ana Isabel P. T. de Vasconcelos situam o sucesso no contexto do espetáculo teatral da época:
“Mas talvez a revelação mais significativa tenha sido a de Amélia Rey Colaço, cuja estreia no Republica com a peça Marianela foi desde logo saudada calorosamente pelo público e pela crítica”. E remetem para Vitor Pavão dos Santos : “demonstrou ser uma atriz diferente de todas as outras, aliando a um talento e cultura invulgares, métodos de representação verdadeiramente modernos” (cfr. G. Bastos e A.I .Vasconcelos in “O Teatro em Lisboa no Tempo da Primeira República” ed. MNT 2004 pag.146: V. P. Santos in “A Companhia Rey-Colaço – Robles Monteiro” ed. MNT 1987 pag. 4).
A companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, constituída como tal em 1923, instala-se pois no D. Maria II em 1929 como companhia oficial e lá se mantem-se até 1964, quando o incendio que quase destruiu o teatro ( e que neste momento é invocado numa exposição de fotografias no próprio D. Maria II) remeteu a companhia para o Teatro Avenida. E em 1967 o Avenida arde! A companhia passa então para o Capitólio até 1970, depois para o Trindade e por muito pouco tempo, para o São Luiz. Extingue-se em 1974.
O repertório clássico teve momentos muito altos. Recordo, entre tantos mais, um “Tartufo”, um inolvidável “Romeu e Julieta”, ou o “Macbeth” que estava em cena na noite o incendio e foi reposto no Avenida, mas antes apresentado num espetáculo no Coliseu, em que toda a classe profissional e intelectual da época se reuniu no palco.
Mas importa agora referir a qualidade do repertório moderno, ao longo de todos estes anos, e particularmente, a sucessiva atualização que foi praticado, tarefa por vezes complicada, dada a época e as circunstâncias.
Se reportarmos a 1934 encontramos o escândalo de publico que foi a estreia dos “Gladiadores” de Alfredo Cortez, peça iniciática de um certo expressionismo ainda hoje escasso na história do teatro português. E nessa linha de modernidade, encontramos estreias - mais ou menos compreendidas e aplaudidas - de toda uma época e de uma geração que vai de Carlos Selvagem a Ramada Curto, ambos com dezenas de peças, de Virgínia Vitorino a Romeu Correia e José Régio, a Bernardo Santareno e Luis Francisco Rebello entre tantos mais. Encontramos também Pirandello (estreia mundial de “A Volupia da Honra” com a presença do autor) , Lorca, Eugene ONeill mas também Albert Camus, Marcel Pagnol, Ionesco, Cocteau, Harold Pinter (“Feliz Aniversário”), Durrenmatt ( “Visita da Velha Senhora”), Edward Albee (“Equilíbrio Instável”) ou Slamowir Mrozeck (“Tango”).E em muitas delas, Amélia marcou o seu talento de atriz.
E finalmente: a concessão do teatro nacional obrigava à programação de clássicos portugueses. Nem sempre esta clausula contratual atingia objetivos de atualização das encenações e dos espetáculos em si: mas eram sempre de grande qualidade e garantiam, sobretudo a um púbico escolar, o contacto com os clássicos portugueses em cena, que é onde eles devem ser vistos e estudados…
Não entramos na lista de atores que trabalharam na Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, ou dos cenógrafos e figurinistas, com destaque aqui para Almada. Mas referimos apenas Mariana Rey Monteiro, filha de Amélia e de Robles – e ela própria grande atriz.