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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CONTOS BREVES

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2. FIAMBRE


Imaginem que  -  talvez por excesso de tédio ou desejo de me distrair  -  fui hoje ao supermercado. Sabeis bem quanto gosto de ir ao mercado, àquele que tem bancas com muitos vendedores de muitas coisas diversas, cheirosas, próximas da gente e palpáveis, sempre discutíveis na qualidade e no preço... Ou ainda, quando me pesam as pernas ou se me esvai a cabeça, à mercearia do canto da rua, essa que, de há uns anos até hoje, mesmo sem uma salsicha fresca lá dentro, se chama, parisientemente, charcutaria... Aí sim, divirto-me, humanizo-me, converso, ou seja, converto-me, saio de mim para os outros. E não só me sabe bem, como melhor me faz. Mas era domingo, e fui ao supermarché porque estava fechado o comércio tradicional, vejam bem, e eu sentia um apetite súbito, violento, de fiambre. Peguei numa embalagem do dito - ainda acredito que fosse aquilo que estava escrito na cobertura plástica e transparente: Fiambre da Perna Extra... Ao passar pela caixa  -  a tal portagem em que tenta sempre não pagar quem quiser roubar e paga sempre quem é roubado  - disse sorrindo à simpática menina funcionária: "Este fiambre deve ser excelente e raríssimo, pois é da quinta perna do porco..." A rechonchuda jovem esbogalhou-se!  Atrevi-me a explicar: "Minha Senhora, qualquer porco, que eu saiba, mesmo aqueles que, metaforicamente, têm as anteriores mais curtas (que ironia!), têm só quatro pernas! Se este afiambrado é da perna extra, é porque é da quinta, não acha?"

Lembrada das lições do seu curso de marketing, com pós-graduação em atendimento de clientes, a simpática moça retorquiu : "Ó senhor, eu não posso garantir a você que este fiambre seja de quinta ou de aviário... Não sei, não lhe posso dizer... Mas posso chamar o supervisor..."

"Não se incomode, nem perturbe ninguém", respondi. E fiz-lhe uma festinha na cabeça, loira de cabeleireiro, carícia amiga que a idade já tranquilamente me permite, sem que corra grande risco de ser levado a tribunal que não funciona mas vai remoendo quem lhe calhe... E lá levei as fatias exíguas de fiambre extra de uma perna, sem saber de que perna era... 

 

Camilo Martins de Oliveira