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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A LIBERDADE DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Déclaration des Droits de l’Homme et du Citoyen

A liberdade de expressão, por natureza, é criadora e inventiva, avessa ao autoritarismo, à normalização. Deve ser absoluta na sua origem. Não no sentido de assumir qualquer forma de despotismo ou tirania. Absoluta no seu impulso inicial, criador, divulgador, sem limitações ou restrições, passando a exercer, factualmente e de direito, todos os atributos da liberdade de expressão, sem censura prévia.

A essência da liberdade de expressão é o direito do outro pensar e se expressar de um modo que tenho como absurdo, controverso, inamistoso, obsceno, repugnante, vergonhoso. Se é assim a liberdade, qualquer criminalização do mero dizer e pensar é liberticida, dado que só me interessa tê-la quando sou perseguido ou posso sê-lo, pelo meu forte sentido crítico e contundência. Para dizer bem e concordar, não se justifica, uma vez que, quando assim é, não somos incomodados, questionados, detidos, presos, exilados, feridos ou mortos. Faz mais falta quando geradora de discussão, para podermos opinar sobre temas antipáticos, chocantes, escandalosos, polémicos, repulsivos, truculentos, sobre coisas não elogiosas, críticas, inconvenientes, torpes, de que não gostamos e que magoam.

Tida como um direito imanente, inato, incontestável, indisponível e irrefutável, opõe-se à conceção segundo a qual o Estado dispõe livremente da liberdade da liberdade de expressão.

Tem um valor pessoal, como garantia e desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo, como elemento constitutivo de um núcleo central e restrito associado a ideias humanitárias, integrando a primeira geração de direitos humanos, fundamentais e pessoais, juntamente com o direito à vida, à liberdade, à segurança pessoal, de associação e de reunião, a constituir família, entre outros.

O que não significa que a liberdade de expressão não tenha, não possa ter consequências, posteriormente. A existirem, o meio idóneo e indicado, para as dirimir, é um processo em tribunal, nunca a bala, a bomba, a morte, crimes contra a integridade física, ou outros.

Ao mesmo tempo, se nos assuntos humanos é inviável alcançar a certeza, sendo os seres humanos inerentemente ignorantes, têm de ser livres para continuarem sempre a aprender, adaptando essa ignorância com hipóteses e probabilidades, e não com certezas. Nos domínios onde a nossa ignorância é maior, é onde a liberdade é mais importante, questionando a autoridade, erodindo superstições, exigindo para o seu próprio progresso que as pessoas sejam livres para se encontrarem, falarem sobre o que quiserem, terem o direito de fazer perguntas.

Daí que o pluralismo, a tolerância e a abertura perante ideias que chocam e incomodam, sejam requisitos prévios de uma sociedade democrática. Constata-se, assim, que a liberdade de expressão também é um valor estruturante das democracias e sociedades democráticas, para que a oposição e a luta entre o poder e o não poder seja equilibrada, sem opressões recíprocas, nomeadamente em desfavor dos mais fracos, para que estes não sejam sempre coagidos a dizer bem e a pactuar, sob pena de não fazer sentido a liberdade, a começar pela liberdade de expressão.

A liberdade de expressão não protege o pensamento de quem concorda connosco, mas o de quem discorda de nós, cujas ideias não aceitamos, refutamos ou odiamos.

Esta liberdade da liberdade de expressão é um direito individual e coletivo contra a discricionariedade e investidas estaduais, que adquire, num Estado de Direito livre e defensor das liberdades, caraterísticas de imprescritibilidade, inalienabilidade e irrenunciabilidade. O que não colide, antes se coaduna, com a aceitação de que a democracia e a liberdade, incluindo a de expressão, são imperfeitas, havendo algo de estimulante nessa imperfeição, dado que a formação duma opinião livre, esclarecida e aberta à discussão, incerteza e experimentação, lhe é essencial.

Viver num país livre, implica aceitar que a liberdade tem um preço. Daqui decorre termos de tolerar coisas de que não gostamos. A liberdade que interessa é a de dizer coisas com que não concordamos. Ser eu a poder tomar a decisão de aceitar, não concordar, não gostar, ser indiferente, não ler, não comprar ou ignorar.

Levantar proibições e erguer muros contra o que alguns pensam, mesmo que seja opinião da maioria não as aprovar ou respeitar, pode conduzir ao surgimento de proibições em lugares e situações onde nunca o esperávamos. E isso não é liberdade, nem a liberdade da liberdade de expressão.

Joaquim Miguel de Morgado Patrício