SONETOS DE AMOR MORDIDO
Sissi (Foto E. Rabending, 1867).
6. DE FRANCISCO JOSÉ A SISSI
Feri-te sem querer e não pretendo,
sequer, de ti obter qualquer perdão:
se ofensa houve, foi sem intenção;
ou te sentes magoada não o sendo...
Não sei se sentes ou te queres só,
só sei querer-te bem e não consigo
descanso nem perdão para comigo,
no aperto rijo e fixo deste nó...
Em gesto repetido a minha mão
te entrega a flor primeira que te dei
no baile em que foi teu meu coração...
Amei-te por seres tão livre e viva
- eu que era só imperador e rei -
e assim te guardei, mesmo fugitiva...
Imaginei este soneto em resposta a um poema que Sissi escreveu em Ischl - estância de veraneio da família imperial austríaca - em 1866, treze anos depois do baile em que o fado ditou o destino da que era então uma menina de dezasseis anos. O acontecimento é longamente relatado em carta, ao seu ministro, do embaixador de Napoleão III junto da corte de Viena de Áustria, de que aqui traduzo um passo:
Para a noite da chegada do Imperador, a arquiduquesa Sofia (mãe de Francisco José) reuniu algumas pessoas da sociedade de Ischl, para oferecer a seu filho a distracção de um baile improvisado. As princesas da Baviera foram naturalmente convidadas. O Imperador mostrou pressa em acorrer ao serão, e convidou a mais nova (Sissi) para a contradança que termina todos os bailes vienenses e na qual é costume o cavalheiro oferecer um raminho a outro par do que o seu. O Imperador deu a flor à sua prima. Esta derrogação aos usos espantou todos os assistentes. Mal nos tínhamos retirado quando o Imperador declarou a sua mãe que era Isabel a sua escolha final, que a desposaria ou não se casaria. Acrescentou que queria que a jovem princesa fosse consultada, mas não influenciada. E que esperaria vinte e quatro horas pela resposta. Resumo a complexidade da situação decorrente - e o prenúncio de duas trágicas peregrinações interiores - registando três reacções circunstantes ao sim, por escrito, que Isabel da Baviera confiou a sua futura sogra. Às oito da manhã de 19 de Agosto de 1853, a arquiduquesa Sofia recebe o bilhete de Sissi e entrega-o ao filho...e este corre para a residência da futura sogra dele e abraça efusivamente a sua prometida; antes, ao receber o pedido, a futura imperatriz teria exclamado "como poderia não amar esse homem? mas que ideia pensar em mim, que sou jovem e insignificante! farei tudo o que puder para felicidade dele, mas serei capaz?" ; Sofia ia repetindo a quem quisesse ouvi-la que "ninguém manda passear um Imperador de Áustria!". Isabel nunca aceitaria de bom grado a interferência de uma sogra autoritária na sua vida familiar, e terá sentido a obrigação da consumação do matrimónio como uma violação legal e politicamente necessária. Tentará, com Francisco José, escapar à primeira e recuperar a segunda por um amor vivido a dois. Interessar-se-á por causas sociais e políticas, procurará na natureza, na equitação, em viagens que configuram longas separações, esquecer o que a magoa. Terá muitos admiradores e apaixonados, não cometerá adultério algum. Representava os homens como burros, mas guardou sempre - como burro primeiro e lindo do seu coração - o imperador Francisco José.
Traduzo livremente o poema de Sissi que acima referi:
Deixa-me só, deixa-me sozinha,
nada me será doravante melhor:
É impossível tudo ter,
e eu não me contento de restos.
Talvez te amasse demais
e não soubesse esconder-to.
Tornaste-me mortalmente triste,
mas não te lo levo a mal,
sempre me acolheste e mimaste...
Tinhas um fim em vista
e quando lá chegaste,
deixaste-me partir:
já te não servia.
Ponho-me firmemente a caminho.
Voltarei um dia?
Talvez então te diga
as mágoas amargas que me deste...
Os poemas de Sissi foram publicados pela Osterreichische Akademie der Wissenschaften, e os seus direitos de autor revertem a favor do Alto Comissariado para os Refugiados, à frente do qual está o português António Guterres.
Camilo Martins de Oliveira