A LIBERDADE DE EXPRESSÃO NOS ESTADOS UNIDOS E EUROPA
1. Incluindo a liberdade de expressão, no essencial, palavras, textos e expressões simbólicas, está por inerência associada ao direito à informação e à liberdade de imprensa, que tornando exequíveis ideias e opiniões que põem em causa verdades oficialmente estabelecidas, é um benefício para o cidadão e para uma sociedade democrática mais esclarecida.
Tendo como referência comparativa a nossa matriz ocidental, é usual referir a corrente norte-americana e a europeia.
Entendida, nos Estados Unidos, de um modo muito amplo e o mais irrestrito possível, dado o seu papel instituidor e matricial, leva a que sejam lícitos discursos agressivos, anti-religiosos, anti-semitas, ofensivos, provocadores, racistas, violentos, uma vez ser do mercado das ideias que resulta o máximo de informação, sejam boas, más, chocantes, ferinas, impactantes, cortantes, deploráveis, indecorosas, vergonhosas ou de mau gosto, onde o incitamento à prática de crimes só é ilegal se houver um risco manifesto de ocorrerem de facto na sequência das expressões proferidas. Tudo em obediência ao texto da Primeira Emenda à Constituição, impositivo e respeitador da proeminência da liberdade de expressão. O que é reforçado pela prática jurisprudencial do Supremo Tribunal de Justiça Federal dos Estados Unidos da América, ao legitimar, também, opiniões negacionistas do Holocausto, chauvinistas, xenófobas ou não moralistas. As exceções a tal liberdade não são determinadas pelo teor das expressões proferidas, mesmo que impostas restrições regulando manifestações ou reuniões onde exercida a liberdade de expressão, salvo se houver um risco inequívoco e real de concretização de algo grave ou muito grave, ou se os dizeres ou textos forem comunicados e publicados sabendo-se da sua falsidade ou de desdém pela verdade. Sendo o seu escrutínio mais lato e exigente, quando escrutinadas figuras públicas ou protagonistas políticos, dessacralizando-os, para controlo dos abusos de poder, promoção da autonomia pessoal e funcionamento da democracia, tendo como fim a descoberta da verdade, sem esquecer discursos impopulares tidos como vitais para a saúde da nação. Tal liberdade é protegida mesmo que contribua para o debate público de questões não essenciais para a sociedade.
Um exemplo do culto da liberdade de expressão nos Estados Unidos, é-nos dado pelo filme Larry Flynt, de Milos Forman, cujo núcleo central, para além da biografia da personagem principal, discorre sobre publicações humoristas, satíricas e pornográficas da revista Hustler, para muitos queixosos atentatórias da moral, ordem pública e bons costumes, em que o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que poder expressar o que se pensa é um aspeto da liberdade, mesmo que em causa assuntos públicos lamentáveis, que são protegidos pela 1.ª Emenda. O protagonista admite, na película, que só o podem culpar de ter mau gosto, não consciencializando qualquer crime ou ilegalidade. Se é inútil a questão sobre gostos e supérfluo levá-la a tribunal, também o é se uma pessoa razoável não acreditar que o que foi dito ou publicado não corresponde à verdade, porque uma paródia literária, satírica ou sarcástica, caricaturando em tom cáustico ou mordaz, ou provocando o riso. O direito ao debate desinibido e à liberdade de expressão, implica podermos ser nós a tomar a decisão de pegar numa revista e lê-la, exercer a minha opinião de escolha não a comprando, deitá-la no lixo, querendo-o, ou ignorá-la.
2. Na conceção europeia e democrática há uma simbiose da perspetiva norte-americana com a da Europa, do direito norte-americano com o europeu continental, em que a liberdade de expressão tem tido um contributo decisivo na interpretação e jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, através da apreciação dos casos que lhe são submetidos. Quaisquer restrições devem ser sempre a exceção e não a regra, só sendo necessárias quando correspondam a uma necessidade social imperiosa, sancionando a liberdade de expressão não apenas opiniões, ideias ou informações aceites favoravelmente ou tidas como deselegantes, não ofensivas ou indiferentes, mas também as desinibidas e frontais, que chocam, ferem, incomodam ou inquietam. Por maioria de razão sendo os destinatários das apreciações e caricaturas governantes, figuras públicas e políticos em geral, tidos como cidadãos autónomos e adultos que devem entender que uma opinião não é uma verdade mas uma maneira de pensar, que se aceita ou rejeita. Ao questionar-se ou rebater-se um político ou figura pública, a liberdade de expressão e o direito à informação vigoram na sua máxima amplitude, dado que os limites da crítica aceitável são mais amplos nesses casos que em relação ao cidadão comum. Por exemplo, o TEDH tem como censurável exigir moderação em artigos de opinião sobre pessoas públicas, nomeadamente políticos, que em geral não a usam, não só porque têm fácil ou livre acesso aos meios de comunicação social para responder às críticas de que são alvo, mas também por submeterem a eleição e votação as suas ações ou omissões, sob pena de se impedir a formação duma opinião esclarecida e livre. Daí não serem tidas por difamatórias nem injuriosas expressões como “alarve”, “beato”, “boçal”, “grosseiro”, “grotesco”, “imbecil”, “indigno”, “oportunista”, “reacionário”, entre outras, mesmo que em si polémicas ou deselegantes, se não forem desproporcionadas por confronto com a indignação conscientemente provocada por declarações ou opiniões expressas pelos visados.
Mas a amplitude que a liberdade de expressão tem na Europa, decorrente da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e entendimento do TEDH, não tem um alcance tão abrangente como a que decorre da Primeira Emenda nos Estados Unidos, dado que neste país membros do Ku Klux Klan, negacionistas do Holocausto, fascistas ou neofascistas podem divulgar a sua ideologia, ao invés do que sucede no continente europeu, onde são proibidas opiniões que expressem anti-semitismo, ódio, racismo, xenofobia, ideias nazis ou fascistas. Para uns, condenar e punir por se pensar mal, de modo cruel ou obsceno, como é compreensível que o pensem as vítimas do Holocausto, negando-lhes o que sofreram, é uma violação da liberdade, dado que qualquer penalização da liberdade de expressão e de pensamento, bem como do direito à informação, destrói as liberdades. Esta defesa da essência da liberdade é a mesma que é reclamada para abolir a ideologia do politicamente correto, por exemplo, ao condenar, em igualdade de circunstâncias, os crimes contra a humanidade e a violação dos direitos humanos cometidos por Hitler, Estaline, Mao Tsé Tung, Pol Pot, entre outros, desde o nazismo, ao fascismo e comunismo, sem obediência a demarcações políticamente corretas e à história dos vencedores. Nesta sequência, que dizer da criminalização europeia do negacionismo e do nazismo, ao invés dos crimes do estalinismo, em que a maioria dos países da União Europeia rejeitaram a dupla criminalização dos crimes nazis e estalinistas proposta pelos estados bálticos?
Sintra, 19 de fevereiro de 2015
Joaquim Miguel de Morgado Patrício