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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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LONDON LETTERS

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Different visions of a country, 2015

Uma eleição é a escolha de diferentes visões sobre o país que todos fazemos. Esta simples ideia é afirmada por um dos candidatos ao 10 de Downing Street, TRH Ed Miliband, numa People’s Question Time.

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O regresso ao town meeting e a princípios simples soa a tónico democrático numa saturada campanha política, agora a menos de dois meses do desfecho final. Apoia também a clareza decisória do eleitorado. — Chérie, en toute chose il faut considérer la fin. Esta é a semana da apresentação do The Budget pelo Chancellor of Exchequer. Enquanto se desconhece o exato fiscal design na modalidade de electoral punch, os Conservatives disseminam peculiar poster do líder da oposição no bolso de Mr Alex Salmond. O Labour recusa qualquer coligação governamental com os nacionalistas do SNP. — Hmm. Every dog has his day. The Queen preside às cerimónias solenes na St Paul's Cathedral  em memória dos 453 britânicos caídos durante os 13 anos da Afghanistan War. The Parliament Square acolhe a estátua de Mahatma Gandhi.

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Cloudy skies and fresh weather
pela Great London. Por cá vivem-se dias de esperança, após a magnífica parada militar às portas da St Paul's Cathedral com que a nação homenageia os homens e as mulheres que serviram na campanha afegã. Lá está Elisabeth II e uma família real com o Prince Harry em relevo, pelas duas comissões de serviço prestado na península arábica. Presentes também os políticos que a definiram, entre o Premier David Cameron e os antigos PMs Tony Blair e Gordon Brown, além do Deputy PM Nick Clegg e do Opposition Leader Ed Miliband. Mas sobretudo avultam os soldados e as suas medalhas de coragem e de sacríficio, ora espetadas nas lapelas, ora cravadas nas próteses. Já em Westminster Hall, os MPs debatem uma petição sobre as pensões destes veteranos. Se o patriotismo é algo que une o blue Labour e os Red Tories, a sociedade civil movimenta-se para criar e financiar “a memorial for those who served in the Gulf Wars, Iraq and Afghanistan.” Neste fim-de-semana descerrou-se junto às Houses of Parliament uma prometida estátua de Gandhi, como hino à concórdia entre os genos. O lítlle man que nos 30s ergue um primeiro povo contra a Imperial rule olha agora o Thames, nas proximidades de idênticos icones da liberdade como Sir Winston Churchill e os presidentes Nelson Mandela e Abraham Lincoln.

As Houses preparam-se para ouvir o 2015 Budget Statement pelo Chancellor George Osborne. O último debate orçamental do Con-LibDem Govt inicia-se esta quarta-feira e prolonga-se até à próxima semana, dele se esperando amigável Finance Bill mas tórrido embate parlamentar. Com dúvidas sobre o formato e mesmo a realização de debates televisivos entre os líderes, os Commons garantem palco privilegiado para diferenciar the competitive visions of our country. E a power play vai pesar, com os big parties apostando tudo face à forte eventualidade de um novo hung parliament. No General Election tracker registam-se já sensíveis ajustamentos: Labour – 34%; Conservatives – 32%; Ukip – 15%; Lib Democrats – 8%; e Greens – 6%. Aos trabalhistas faltam 16 constituencies para ganhar a maioria, objetivo a que o Electoral Calculus atribui probabilidade de 39%. Quando faltam 51 dias para a ballot box

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A literatura britânica perdeu um dos seus mais amados autores: o criador dos Discworlds. Algures entre Mr Philip K Dick e Mrs JK Rowling estão os bem humorados mundos mágicos de Sir Terry Pratchett, que aos 66 anos cumpre promessa escrita num dos seus incontáveis títulos: I shall wear midnight. Traduzido em moldes planetários e adaptado ao celulóide, este OBE mais cativou pela beleza interior na pública luta contra a Alzheimer nos dias do fim. Comparam-no a grandes como JR Tolkien ou Jonathan Swift, mas a sua voz é tão pessoal quanto aquele seu hat full of sky. — Fairwell, dear Sir Terry.


St James, 16th March

Very sincerely yours,

V.

A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DE PENSAMENTO EM PORTUGAL

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1. Preferindo a segurança como valor prioritário, em desfavor da liberdade, parte significativa dos portugueses não se libertou, ainda hoje, da influência de factos e eventos estruturantes de natureza totalitária, marcados por uma caraterística de permanência avessa à pluralidade, inspiração e opção individual, antes favorecendo uma cultura reverencial de respeito pelo poder, paroquial e paternalista, em detrimento do mérito, da discussão aberta e frontal, da formação do espírito crítico e duma opinião pública livre e esclarecida. Uma consequência de fenómenos estruturantes, totais e totalitários, como o absolutismo, a censura e a inquisição, associados a anos e anos de autoritarismo e ditadura, de que são exemplos dizeres conhecidos e comuns entre nós, género do posso, quero e mando, do manda quem pode e obedece quem deve, do cala e consente, em que o respeitinho é muito bonito e a minha liberdade finda onde começa a dos outros.
Mesmo entendendo-se que a ação repressiva inquisitorial criou uma estrutura burocrática-repressiva e teocrática que ajudou à consolidação do absolutismo, antecipando meios repressivos do Estado contemporâneo, isso nunca impediu que autores críticos de tais ideias as não tivessem, ao mesmo tempo, como suscetíveis de evolução e de serem superadas. Daí que, para muitos, evolução e fé poderão não ser incompatíveis, desde que os dogmas da dogmática tradicionalista na sua prática teológica e pastoral passassem a ser os da tolerância, da liberdade de consciência e de pensamento, do progresso e da razão. Exemplificam-no, entre outros, pensadores como Amorim Viana, Cunha Seixas, Antero de Quental, Teófilo Braga, Guerra Junqueiro, Sampaio Bruno, Basílio Teles e António Sérgio.
Mesmo hoje, em democracia e após o 25 de Abril de 1974, para a maioria dos portugueses a liberdade é secundarizada por confronto com a segurança. Constatação a que não será alheia a desproporção entre os duráveis anos de intolerância, desaprovação e ausência de liberdade, em comparação com os menos longos de génese democrática, com a agravante de termos uma democracia mais representativa que participativa, onde a partidocracia rotativista é refém, tantas vezes, do antigo caciquismo, da cunha e nepotismo, da conflitualidade gratuita e do não consenso. Décadas de gerações contínuas de analfabetismo, autocracia, autoritarismo, censura, despotismo, ditadura e dogmatismo, não podem ser removidas pelos últimos 40 anos de pluralismo democrático, temporalmente escassos em termos geracionais. 

2. Estando a modernização associada à secularização da cultura e da sociedade, à alfabetização, ao desenvolvimento do comércio, indústria, capital, urbanismo, emergência e consolidação maioritária de classes médias pagadoras de impostos, exigentes, instruídas, reclamantes e reivindicativas, com a afirmação progressiva da liberdade de consciência, de expressão e de pensamento, infringindo a infalibilidade do dogma e a interiorização do medo, não surpreende que onde há níveis mais elevados de ciência, educação e literacia, maior a propensão para a liberdade e democracia, com reflexos em termos humanos, científicos, criativos, inovadores e de empreendedorismo. Por razões históricas, a aceitação da liderança por pessoas e instituições onde o poder e as elites estão estritamente concentrados ainda persiste no nosso país, numa tradição com raízes no passado, em fenómenos estruturantes de cariz essencialmente totalitário, com a persistência de interpretações e retóricas cristalizadas e estereotipadas, com a subsequente incapacidade de aceitar e construir um pensamento crítico de renovação cultural e de mentalidades. 
Não admira, nesta sequência, que embora o núcleo essencial da liberdade de expressão, de opinião e de pensamento, e do direito à informação, estejam constitucionalmente e legalmente consagrados e garantidos no nosso país, que ainda impere uma cultura de adulação, de deferência, do temor reverencial, do respeitinho, do favoritismo e empenho de pessoa influente, do compadrio e clientelismo, mantendo as coisas no seu lugar de há muito, em desfavor do mérito e transparência. Com reflexos no não culto do exercício do contraditório e do debate público, no não uso da reclamação, nem de expressões frontais e diretas, mesmo que incómodas. Em geral, lidamos mal com a discordância, por maioria de razão se chocante e contundente, o que é tido como uma afronta, desrespeito ou ofensa. Não fazendo o culto dum sentido crítico construtivo e não gostando de ser criticados, não fomentamos um uso perene e sólido da liberdade de expressão e de pensamento, com as inevitáveis consequências e vicissitudes daí decorrentes.                              

3. Neste contexto, somos narcisistas, valorando muito o pessoal. Daí sobressair, em geral, uma maior valorização, quando não mesmo uma hipervalorização, do bom nome e da honra, em desfavor da liberdade, começando pela de expressão, de opinião e de pensamento, e do direito à informação, pelo que, havendo conflito, esta tende a ceder em face daquela. Esta proeminência hierárquica do direito à honra e ao bom nome, em relação ao direito à informação e à liberdade de expressão e de pensamento, predomina na mentalidade de muitas pessoas, sobretudo quando o visado ocupa um lugar relevante na sociedade, como que lhe conferindo um direito a ser menos criticado e mais tolerado quanto mais alto o cargo hierárquico ou do Estado, ao invés duma democracia adulta e saudável, onde não faz sentido que a honra ou o bom nome duma figura política sejam mais protegidos que num cidadão comum, dado que, pelo contrário, a exposição deveria ser maior, enquanto titular do poder, ao exercício da liberdade de expressão e do direito à informação. Não sendo uma conceção brilhante e a mais adequada, é também a que tem sido seguida, na maioria dos anos, pelos nossos tribunais após o 25 de Abril, mesmo que se invoquem como atenuantes atualistas ser essa a convicção dominante na nossa sociedade, ser recente a democracia em que vivemos, por confronto com o autoritarismo opressivo que a antecedeu.
É justo, contudo, reconhecer a inquestionável função transformativa das decisões do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos no nosso sistema jurídico, quer a nível individual ou coletivo, criando jurisprudência que abriu portas a uma jurisprudência transformadora no nosso direito interno, sendo insuficiente conhecer e aplicar bem o nosso direito ordinário, sem conhecer e aplicar bem os direitos fundamentais da nossa Constituição, da Declaração Universal e da Convenção Europeia dos Diretos Humanos. O vanguardismo do TEDH em assuntos que versam sobre a liberdade de expressão, tem tido uma gradual e progressiva aceitação e aplicação, indiciando-se uma crescente consolidação e universalização nos nossos tribunais. É cada vez mais visível, entre nós, a recusa do padrão em que o respeitinho é sempre muito bonito, sendo legítimo o exercício a críticas contundentes, desagradáveis, impressivas, injustas ou de dizer coisas mal ditas, desde que não sejam manifestamente falsas, gratuitas, nem visem tão só a humilhação e o rebaixamento dos destinatários.  
E sendo a liberdade de expressão que se usa, goza e frui num país o indicador mais credível da sua democraticidade, e não havendo democracia sem liberdade e liberdade sem segurança, e podendo haver segurança sem liberdade, melhor se compreende que o ideal seja lutar pelo pluralismo, tolerância e abertura de ideias, mesmo que choquem e sejam questionáveis.     

Março de 2015
Joaquim Miguel De Morgado Patrício